domingo, 18 de junho de 2023

ALQUIMIA - PARTE 1

Livro

ALQUIMIA CRISTÃ

de Denis Labouré 


I. À SUA IMAGEM E À SUA SEMELHANÇA ♦

O QUE É A ALMA IMORTAL? ♦ O CORPO É A FORMA SOB A QUAL A ALMA APARECE ♦ À SUA IMAGEM ♦ A SUA SEMELHANÇA ♦ A IMAGEM É INALTERÁVEL, A SEMELHANÇA DEVE SER RESTAURADA ♦ A REALIDADE DO HOMEM ENCONTRA-SE NO ARQUÉTIPO ♦ As TÚNICAS DE PELE ♦ O HOMEM ADORMECIDO ♦ O ESTADO DE CONSTATAÇÃO ACTIVA

II. DEUS FEZ-SE HOMEM PARA QUE O HOMEM SE TORNASSE DEUS 

TORNAMO-NOS NO QUE SOMOS ♦ O VERBO É FAZEDOR DE DEUSES ♦ A PEDAGOGIA DIVINA ♦ A SÍNTESE DE NlCOLAU CABASILAS ♦ O CORPO DE GLÓRIA ♦ A SENSAÇÃO DOS OSSOS ♦ O SEU ROSTO RESPLANDECIA ♦ O QUE A MORTE DESTRÓI ♦ Vi UM NOVO CÉU E UMA NOVA TERRA ♦ A CRIAÇÃO GEME E SOFRE AS DORES DE PARTO 

III. COMO FAZER? 
a) A ABERTURA ÀS ENERGIAS DIVINIZANTES ♦ 

COMO EMPREENDER ESTA AVENTURA? ♦ AS FERRAMENTAS DISPONÍVEIS ♦ A ÁGUA, O SANGUE E A CARNE ♦ O BAPTISMO ♦ A EUCARISTIA ♦ O SENTIDO LITERAL E O SENTIDO ESPIRITUAL ♦ As CHAVES INTERPRETATIVAS LEGADAS PELOS PADRES ♦ A GERMINAÇÃO DO HOMEM INTERIOR ♦ AS CONDIÇÕES PRÉVIAS ♦ As PALAVRAS SÃO ENGANADORAS ♦ ONDE ORAR? ♦ A ORAÇÃO: PARA QUÊ? ♦ COMO FAZER? ♦ A ORAÇÃO INSISTENTE ♦ ORAÇÕES CURTAS ♦ O LUGAR DO CORAÇÃO ♦ CALOR E FOGO (O DESEJO) ♦ O FIM DAS COISAS ♦ 

 B). AS TÉCNICAS PSICOSSOMÁTICAS ♦ 

TORNAR-NOS APTOS A RECEBER ♦ As PAIXÕES VIRADAS DO AVESSO ♦ NA ORIGEM, UM ENVENENAMENTO ♦ A PASSAGEM AO ALIMENTO ♦ O QUE DEVE O HOMEM COMER? ♦ A ABOLIÇÃO DAS PROIBIÇÕES ALIMENTARES ♦ SABER CALAR-SE PARA ESCUTAR ♦ O DOMÍNIO DA LÍNGUA ♦ O SILÊNCIO DA ALMA ♦ O SILÊNCIO OBJECTIVO ♦ O SILÊNCIO ESPIRITUAL ♦ DO SOPRO DE DEUS AO RESPIRO DO HOMEM ♦ A IRRUPÇÃO DO TEMPO ♦ QUANDO O SACERDOTE SE TORNA UM ACTOR ♦ O GESTO JUSTO ♦ O ESPAÇO SAGRADO ♦ COMO LIMPAR O INCONSCIENTE? ♦ O SEGREDO DAS LÁGRIMAS

IV. A REGENERAÇÃO DA CARNE 

ESOTERISMO E CRISTIANISMO ♦ REGENERAÇÃO E SUBSTÂNCIAS DO CORPO ♦ A DEMANDA DO GRAAL ♦ A OBRA DE REGENERAÇÃO ♦ PAI NOSSO QUE ESTAIS NOS CÉUS ♦ O SANGUE, ANTÍDOTO UNIVERSAL 

V. "E QUE SURJA A ESTRELA D'ALVA EM NOSSOS CORAÇÕES" 

A GRAVIDEZ DA ALMA ♦ O EMBRIÃO DE IMORTALIDADE ♦ E QUE SURJA A ESTRELA D’ ALVA EM NOSSOS CORAÇÕES


I. À SUA IMAGEM E À SUA SEMELHANÇA 

O homem enquanto imagem de Deus Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem, como à nossa semelhança, e que eles dominem, sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra". Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. Gn 1, 26-27 

É A ALMA IMORTAL? 

Dum lado está o espírito, doutro lado está a matéria. Se algo não pertence ao espírito, pertence à matéria. Se não pertence à matéria, pertence ao espírito. O homem é composto de dois elementos distintos: o corpo e a alma. Quando a morte ocorre, apenas o corpo se desagrega na terra, enquanto que a alma, liberta, continua a viver junto de Deus. Eis o que pensa a maioria das pessoas. Ora, esta visão segundo a qual a alma está presa num corpo como um pássaro numa gaiola é de origem platónica. Ela não se aplica nem ao judaísmo nem ao cristianismo, ainda que algumas frases da Bíblia, influenciadas pela filosofia grega, pareçam adoptá-la. 

O CORPO É A FORMA SOB A QUAL A ALMA APARECE 

Na Bíblia, as noções de alma e de corpo não têm o sentido que lhes atribuímos habitualmente. Para isto ser compreendido, não devemos ler a Bíblia com os óculos do homem do Sec. XX. Na Bíblia, a carne está unida à alma. O que conta, antes de tudo, é o ser humano. Do ponto de vista da nossa existência concreta, a palavra "alma" designa o sujeito humano enquanto pólo espiritual, por oposição ao pólo material chamado "corpo". A alma é o princípio imanente de informação e unificação do nosso corpo material. O corpo é o fenómeno da alma, o rosto sob o qual a alma aparece quando está imersa no mundo da matéria; não é outra coisa qualquer, não é uma outra substância qualquer. O corpo é a forma espácio-temporal da alma. A experiência seguinte ajudar-vos-á a perceber a relação entre o corpo e a alma. Ponham a mão entre os vossos olhos e uma lâmpada eléctrica. Segurem uma folha de papel entre os olhos e a mão. A vossa mão representa a alma, a sombra no papel representa o corpo. Reflictamos nesta situação. Não temos uma mão espiritual (alma) e uma mão material (corpo). Também não temos uma mão perfeita inserida numa mão imperfeita. Também não há uma mão imortal encerrada numa mão mortal da qual se escaparia aquando da morte. Há apenas uma mão. 

À SUA IMAGEM 

O Eterno fez o homem não apenas à sua imagem mas também à sua semelhança: façamos o homem à nossa imagem, como à nossa semelhança... (Gn 1, 26-27). Os investigadores mais recentes recusam-se a estabelecer uma distinção entre "imagem" e "semelhança". Sentem-se confortados pelo texto hebreu inicial, as duas palavras tselem e demouth sendo essencialmente sinónimas. Mas este extracto do relato da criação vem desenvolvido no livro da Sabedoria, escrito em grego por volta dos meados do Io século antes da nossa era. Aí encontramos uma paráfrase do Façamos o homem à nossa imagem que atribui à vocação do homem a incorruptibilidade: Deus criou o homem para a incorruptibilidade (2, 23). Esta incorruptibilidade está em conformidade com a natureza de Deus: e o fez imagem da sua própria natureza1 (2, 23). Ou, segundo uma outra versão do mesmo versículo, ele fê-lo à imagem da sua própria eternidade. A expressão à nossa imagem, como à nossa semelhança não é desenvolvida se nos ficarmos apenas pelo Antigo Testamento. Alguns teólogos protestantes, alegando uma influência grega, tentaram excluir do cristianismo a "teologia da imagem". Na redacção dos livros do Antigo Testamento, poucas coisas permitem efectivamente fundar uma antropologia religiosa sobre a noção da imagem de Deus. Citemos no entanto SI 8, 6, lembrado em Hb 2, 6: E o fizeste pouco menos do que um deus. Ora, pela Incarnação, que constitui o facto fundamental do cristianismo, "imagem" e "teologia" encontram-se tão estreitamente ligadas que a expressão "teologia da imagem" se torna quase um pleonasmo. O Novo Testamento dá-nos a chave desse Antigo Testamento que São Paulo considerava como a sombra dos bens futuros, e não a substância própria das realidades" (Hb 10, 1). O Cristo é a "imagem do Deus invisível (Cl 1, 15), ele é a imagem de Deus (2 Cor 4, 4). Um pouco mais à frente, na mesma Epístola aos Colossenses, o apóstolo fala na renovação do homem à imagem do Deus criador. O Cristo é a efígie da sua substância (Hb 1, 3) tal como o é a marca exacta que deixa um selo. O que é manifestado pela imagem não é a pessoa do Pai, mas a sua natureza, idêntica no Filho. A esta imagem, o homem pode assemelhar-se, pode renovar-se (Cl 3, 10; Rm 8, 29; ICor 15, 49). No entanto, a imagem de Deus não é algo que está dentro do homem. E o homem todo que está à imagem de Deus. Santo Ireneu escreveu que a imagem de Deus no homem compreende a alma e o corpo humano, também ele formado à imagem de Deus3. O ofício dos mortos da Igreja ortodoxa afirma que o corpo humano é também à imagem de Deus: eu choro e gemo quando vejo deitada no túmulo a nossa beleza criada à imagem de Deus. 

A SUA SEMELHANÇA 

Se nós nos compararmos ao homem criado "à imagem e à semelhança de Deus", somos forçados a constatar que alguma coisa se perdeu. Assim, os Padres da Igreja distinguiram as duas noções, a imagem e a semelhança. Com a queda, perdemos a semelhança, mas a imagem de Deus permanece inteira, imanente. Comparemos a situação com uma gravura colorida. Subitamente, perdeu cores e luz. Resta apenas o traço, uma pequena fotografia incolor. Ele ainda representa a mesma coisa. A imagem permanece, mas a semelhança apagou-se. Devemos restaurá-la. 

A IMAGEM É INALTERÁVEL, A SEMELHANÇA DEVE SER RESTAURADA 

Sendo Deus incompreensível, necessariamente a sua imagem também o é. Ela não está sujeita a qualquer alteração. A sua existência é independente da nossa vontade, razão pela qual ela permanece em todos os homens. Todos os esforços humanos não conseguiriam privar Deus da sua própria imagem! Ela exprime-se, difunde-se, como o faria a projecção dum prisma situado no foco da existência humana. Mas está habitualmente reduzida ao silêncio e foi tornada inoperante. Se a imagem está presente, já realizada, a semelhança é apenas potencial ou virtual. A semelhança tem de ser reencontrada pois todo o homem é à imagem de Deus, mas eventualmente também à sua semelhança4. Desde o instante da sua criação, o homem estava destinado a aproximar-se do seu modelo original deificando-se, restaurando a semelhança. Efectivamente, o homem foi criado com o poder e o dever de se tornar conforme e semelhante a Deus, de se tornar Deus. Já no Séc. II, Clemente de Alexandria desenvolve o tema da criação do homem à imagem de Deus, devendo o homem adquirir livremente a semelhança aperfeiçoando-se pela prática das virtudes, atingindo assim a assimilação com Deus. Basílio o Grande diz que o homem é um ser criado que recebeu o mandamento de se tornar Deus5. O homem criado "à imagem" é a pessoa capaz de manifestar Deus, na medida em que a sua natureza se deixe penetrar pelas energias divinas incriadas (a graça). Assim, a imagem pode tornar-se semelhante ou dissemelhante até aos últimos limites. No melhor dos casos, ela acede à união com Deus quando o homem, uma vez divinizado, mostra nele, pela graça, o que Deus é pela sua natureza. No pior, ele cai na degradação extrema a que Plotino chamava de "lugar da dissemelhança", situando-o no tenebroso abismo do Hades. Segundo Gregório Palamas, o homem é o reflexo das energias divinas incriadas. Todavia, sob uma condição: que a sua imagem criada se encontre em comunhão ininterrupta com as energias incriadas da natureza incriada de Deus. Dito de outra forma, o homem é a imagem e semelhança de Deus quando vive em livre e estreita sinergia com Deus. Basílio o Grande comenta assim a palavra bíblica: Criamos o homem à nossa imagem e à nossa semelhança. Já possuímos uma (a imagem) pela criação; adquirimos a outra (a semelhança) pela vontade. Na primeira estrutura, é-nos dado nascer à imagem de Deus, pela vontade forma-se em nós o ser à semelhança de Deus. O que depende da vontade, a nossa natureza possui-o em potencial, mas é pela acção que o obtemos... dando-nos a nós próprios o poder de nos assemelharmos a Deus... assim... ele deixou-me o cuidado de me tornar à semelhança de Deus...6. Isto realiza-se quando a liberdade da imagem de Deus, que é o homem, coopera livremente com as energias do seu protótipo, que é o Cristo. 

Continua...



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