Do Livro
ALQUIMIA CRISTÃ
De Denis Labouré
A REALIDADE DO HOMEM ENCONTRA-SE NO ARQUÉTIPO
As consequências são consideráveis. Elas implicam que a realidade profunda do homem não se encontra nele próprio, se entendermos com isto um ser autónomo. Pois trago a imagem de Deus: se Ele quiser contemplar-se, apenas o pode fazer em mim, em quem a Ele se assemelha7. A realidade profunda do homem não se encontra nas suas particularidades naturais e físicas, como o afirmam as teorias materialistas. Não reside na alma ou na parte superior desta, como o supunham muitos dos antigos filósofos. Não está toda contida na personalidade do homem, como o afirmam os sistemas psicológicos contemporâneos. Esta verdade encontra-se no Arquétipo, na imagem de Deus cuja semelhança é o reflexo alterado. Visto que o homem é imagem, o seu verdadeiro ser não está determinado pela matéria da qual a imagem é feita, tal como a identidade dum busto esculpido não reside no bloco de mármore.
AS TÚNICAS DE PELE
Antes da queda8, o homem vestia roupas tecidas por Deus: O seu corpo não estava submetido (...) à corrupção; semelhante a uma estátua que se retira da fornalha e que brilha do mais vivo esplendor, não sofria de nenhuma das enfermidades que lhe notamos hoje5. Este vestuário psicossomático era tecido com a luz e a glória10 de Deus. Os primeiros seres criados estavam revestidos da glória do alto (...) ou antes, a glória do alto envolvia-os de toda uma roupagem11. Sobre essa roupagem brilhava a semelhança com o divino. Depois, o homem caiu. Procedendo do espiritual, ele passou ao biológico. Então Iahweh Deus fez para o homem e sua mulher túnicas de pele, e os vestiu. (Gn 3,21).
Essas túnicas de pele não são um invólucro no qual a alma foi presa, como se prende um ser humano numa camisa-de-forças ou num escafandro. Não é o corpo, mas o estado actual, caído do corpo, que c o resultado da queda. Estas túnicas de pele não são uma imagem do corpo físico no qual a alma está presa e do qual se liberta com a morte. Devemos antes concebê-las como um ser (corpo e alma) de luz densificada, congelada, endurecida.
O que constitui o homem "à imagem", é o corpo com a alma; não a alma sem o corpo, e nem o corpo sem a alma, mas o composto inseparável duma alma e dum corpo. O "à imagem" estende-se à totalidade psicossomática do ser humano. As túnicas de pele exprimem a mortalidade com que o homem se revestiu após a queda, como uma segunda natureza, uma situação nova na qual se encontra, isto é, uma vida na morte.
Esta mortalidade abraça todo o organismo psicossomático do homem e não se limita ao corpo, pois as funções psíquicas também se tornaram corporais. Elas formam com o corpo o véu do coração (...), as vestes carnais do velho homem12. É o homem que o apóstolo Paulo chama de "carnal" ou "psíquico" por oposição ao homem "espiritual". Estas túnicas de pele não são uma sanção ou um castigo infligido ao homem por ter desobedecido a um deus autoritário e megalómano.
Representam certamente um obscurecimento do "à imagem", uma violência feita ao vestido de luz. Mas também são um remédio, uma nova possibilidade oferecida por Deus. Estas túnicas de pele oferecem-lhe a possibilidade de sobreviver algum tempo no próprio seio da morte até reencontrar e ultrapassar a roupagem inicial. O sonho de Adão Então Yahweh Deus fez cair um torpor sobre o homem, e ele dormiu. Gn2, 21)
O HOMEM ADORMECIDO
Várias passagens da Bíblia comparam a existência mortal a um sono do qual precisamos despertar: Ó tu, que dormes, desperta e levanta-te de entre os mortos, que Cristo te iluminará. (Ef 5, 14)13. No jardim das Oliveiras, enquanto o seu mestre orava pela última vez, os discípulos dormiam! Na vida corrente, constatamos que o homem vive ausente de si próprio. Ele vive nos seus sonhos: sonhos nocturnos, sonhos diurnos. Tudo isto começou há muito tempo, com este torpor enigmático que caiu sobre ele no segundo relato da criação: Então Yahweh Deus fez cair um torpor sobre o homem, e ele dormiu, (Gn 2, 21).
Boehme resume assim a situação: contempla e considera o sono e encontrarás tudo. O sono não é mais do que ter sido subjugado1*. Para ele, o sono é a paragem do contacto com a verdadeira imaginação (o facto de ser "à imagem"), uma separação da realidade por um virar do avesso, um mergulho no abismo da falsa imaginação. Ele fala do grande mistério da separabilidade, de onde provêm as criaturas...15.
Esta separabilidade implica necessariamente o sono, pois o sono é um esquecimento pelo homem da sua própria natureza. O sono em si próprio não é nocivo pois ...onde há sono, aí se esconde o poder divino no centro16. O sono prolongado durante uma vida inteira equivale à morte: "Já chegou a hora de acordar..." (Rm 13, 11). A própria doença é uma forma de sono que nos dá a chave da cura espiritual.
Quando Simão-Pedro cura o coxo, eis como ele se lhe dirige: Em nome de Ieshouah o Messias, o Nazareu, desperta, caminha!"Ele tomou-o pela mão direita e despertou-o. Então a planta e os tornozelos dos pés endureceram...17 (At 3, 6-7). Se os homens lêem os Evangelhos sem ver que estes falam do despertar em cada página, é porque o lêem a dormir. Não compreendem que tais chamamentos devem ser tomados à letra. Para o perceberem, deveriam despertar um pouco, ou pelo menos tentar fazê-lo.
Continua...
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