sábado, 9 de dezembro de 2023

DOSTOIÉVSKI DENUNCIA A MENTIRA ANTICRISTÃ DO COLETIVISMO IMPESSOAL




DOSTOIÉVSKI DENUNCIA A MENTIRA ANTICRISTÃ DO COLETIVISMO IMPESSOAL E INUMANO, A FALSA UNIVERSALIDADE DA RELIGIÃO DO SOCIALISMO 

— Nikolai Berdiaev 


Foi no sistema de Chigaliev que Dostoiévski estudou a natureza do socialismo revolucionário e suas consequências inevitáveis. 


Já se encontra aí o primeiro que, mais tarde, desenvolverá o Grão Inquisidor, mas sem a tristeza romântica deste último, e a grandeza toda especial de sua figura. 


No "chigalievismo" revolucionário revela-se um elemento de chateza infinita. 


Pedro Verkhovenski explica a Stavroguin o essencial deste sistema: 


"Aplainar as montanhas, diz ele, é uma ideia bela, e de modo nenhum ridícula. Não é preciso instrução, há bastante ciência. 


Sem o recurso da ciência, podem-se amassar materiais por milhares de anos, mas é mister organizar a obediência... 


A sede de instrução é em verdade uma sede aristocrática. Mal aparecem a família ou o amor, e eis aí já o desejo de propriedade. 


Nós mataremos este desejo, deixaremos livre curso à embriaguez, às calúnias, às delações: autorizaremos uma devassidão inaudita; asfixiaremos desde a infância todo gênio. 


Que tudo seja reduzido ao mesmo denominador: igualdade completa... Só o necessário é necessário, tal é doravante a divisa do globo terrestre. 


Mas são precisas também crises, convulsões; nós, governadores, providenciaremos isso. Pois os escravos têm necessidade de ser governados. 


Obediência completa, impersonalidade completa, — mas, uma vez em trinta anos, Chigaliev autorizará um motim, todos os homens começarão a se entredevorar, — mas só até certo ponto dado, e com o único fim de não se entediarem. O tédio é uma sensação aristocrática".


"Cada um pertence a todos, e todos a cada um. Todos os escravos são iguais na escravidão... A primeira coisa a fazer é abaixar o nível da instrução, das ciências e dos talentos. 


Um nível elevado de ciência e de talento não é acessível senão às faculdades superiores e exige estas faculdades". 


Mas este nivelamento geral obrigatório, este triunfo da lei assassina da entropia (aumento e repartição igual do calor do mundo) transportada para a esfera social, não significa a vitória da democracia. Não haverá liberdade democrática. Jamais a democracia triunfou nas revoluções. 


Sobre a base deste nivelamento geral obrigatório e desta despersonalização será uma minoria tirânica que governará". 


"Saindo da liberdade ilimitada, diz Chigaliev, se termina no despotismo ilimitado. Acrescento, todavia, que não existe, fora da minha, nenhuma solução do problema geral". 


Sente-se aqui o fanatismo da fascinação por uma ideia falsa, fascinação que conduz até a degradação essencial da personalidade humana, até a perda do aspecto humano. 


Dostoiévski estuda como o desvario desregrado dos revolucionários russos, da juventude russa, conduz até à própria destruição do ser com todas as suas riquezas, termina nos extremos do não-ser. 


Esta convicção estava nele profundamente enraizada. Pensava ele que os desvarios sociais não são coisas inocentes. Elas constituem a doença da alma russa, doença que Dostoiévski trouxe à luz e seguiu simultaneamente por diagnose e por prognose.


Aqueles que na sua arbitrariedade e sua suficiência temerária pretendem amar e lamentar o homem mais que o ama e lastima Deus, os que rejeitam o mundo de Deus e quiseram, eles próprios, criar um mundo melhor do qual seriam banidos o mal e o sofrimento, esses inelutavelmente caminham para o reino de Chigaliev. 


Não é deste modo que eles podem corrigir a obra divina. 


Diz o "starets" Zósimo: "Em verdade, há neles mais fantasia imaginativa do que em nós. 


Eles pensam organizar segundo a justiça, mas, tendo rejeitado ao Cristo, acabam inundando o mundo de sangue, porque o sangue chama o sangue, e o gládio desembainhado será batido pelo gládio. 


Se não houvesse a promessa do Cristo, os homens se teriam destruído mutuamente até o último par sobre a terra". 


Palavras espantosas por sua força profética.


Dostoiévski revelou que a falta de honra e de sentimentalidade estão na base do socialismo revolucionário russo.


"O socialismo em nós propagou-se principalmente pelo sentimentalismo". 


Mas o sentimentalismo é uma sensibilidade e uma compaixão falazes. E muitas vezes ele acaba na crueldade. 


Pedro Verkhovenski diz a Stavroguin: "No fundo, nosso ensinamento é a negação da honra, e, admitindo abertamente a desonra, pode-se trair a si facilmente todo homem russo". 


Responde-lhe Stavroguin: "O direito à desonra: para isso todos acorrem a nós, não sobrará um só". 


Verkhovenski define também a importância pela coisa revolucionária de Fedka Katorjnik e outros "belos patifes".


"Aquela é uma bela gente que oportunamente pode ser muito útil, mas que faz perder muito tempo, exigindo vigilância constante". 


Analisando mais adiante os fatores da revolução diz ainda Verkhovenski: 


"A força mais importante, o cimento que liga todo o conjunto é a vergonha de uma opinião própria. 


Isto é uma força. Uma força que trabalha, que se esforça por chegar a este fim que ninguém guarda na cabeça uma ideia particular sua. Eles consideram isso uma vergonha." 


Assim todos os fatores psíquicos da revolução testemunham que até seus fundamentos e sua fonte primária ela nega a personalidade individual, sua qualidade, sua responsabilidade, seu valor absoluto. 


A moral revolucionária não conhece a personalidade, como base de toda estimação, de todo julgamento moral. 


É uma moral impessoal e que nega todo valor moral à personalidade, às qualidades pessoais, que nega a autonomia moral. 


Ela admite servir-se de toda personalidade humana como de simples meio, de simples material, ela permite o uso de tal meio que parece bom para a vitória da coisa revolucionária. 


A revolução é amoral por natureza, ela se coloca além do bem e do mal. 


E nisto a contrarrevolução exteriormente se lhe parece muito. 


É em nome da dignidade da personalidade humana e de seu valor moral que Dostoiévski se ergue contra a revolução e contra a moral revolucionária. 


Pois na corrente revolucionária, a personalidade nunca representa um papel moral ativo. 


A revolução é obsessão, loucura. Obsessão, loucura que atacam a personalidade, paralisam sua liberdade, acarretam uma submissão completa a uma corrente impessoal e inumana. 


Os próprios dirigentes da revolução não sabem qual o espírito que os conduz. 


Aparentemente ativos, na verdade eles são passivos, seu espírito está em poder de demônios que eles desencadearam no fundo de si mesmos.


Joseph de Maistre, no seu livro "Considerações sobre a França", fez ressaltar a propósito da Revolução francesa este caráter passivo dos chefes da revolução. 


A imagem humana altera-se na revolução. O homem perde sua liberdade, torna-se escravo dos espíritos elementares. 


O homem se revolta, mas não tem mais sua autonomia, Está em poder de um senhor estranho, inumano, impessoal.


Nisto está o segredo da revolução. E nisto aparece sua falta de humanidade. 


O homem que se deixasse guiar por sua liberdade espiritual, por sua força criadora de qualidade individual, não poderia ser presa de correntes revolucionárias. 


É daí que vêm a desonra, a ausência de opinião particular, o despotismo de uns e a escravidão de outros. 


Pelo próprio caráter de sua concepção de mundo, Dostoiévski opõe à revolução o princípio pessoal, o valor qualitativo e o preço absoluto da personalidade. 


Ele denuncia a mentira anticristã do coletivismo impessoal e inumano, a falsa universalidade da religião do socialismo.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

DOSTOIÉVSKI DEMONSTRA ANTIPATIA PELO CATOLICISMO E SOCIALISMO

DOSTOIÉVSKI DEMONSTRA ANTIPATIA PELO CATOLICISMO E SOCIALISMO: UMA CRÍTICA A TODA HARMONIA CUJA BASE SEJA O CONSTRANGIMENTO 

— Nikolai Berdiaev 


Dostoiévski foi dominado pela ideia de que a harmonia

universal não podia ser concebida sem a liberdade do mal e do pecado, sem a provação da liberdade. 

Ele se ergue contra toda harmonia cuja base seria o constrangimento, fosse ela teocrática ou socialista. 

A liberdade do homem não pode ser concebida como o presente obrigatório de uma ordem de coisas dada. Ela deve preceder esta ordem de coisas. 

O caminho que leva a ele, que leva à união universal dos seres, deve passar pela liberdade, e a antipatia de Dostoiévski para com o socialismo e o catolicismo está ligada, como veremos mais tarde, a esta impossibilidade de se dobrar primeiro a uma organização do mundo baseada sobre a necessidade. 


Ele opõe a liberdade do espírito humano juntamente ao catolicismo e ao socialismo. 

É neste sentido que se deve compreender a revolta do "gentil-homem com fisionomia zombeteira e retrógrada". 

Dostoiévski não aceita nem este paraíso onde a liberdade do espírito ainda não é possível, nem aquele onde ela já não o é. 

O homem decaído da ordem antiga do mundo baseado sobre o constrangimento deve, pela liberdade do espírito, chegar à ordem nova. 

A fé, segundo a qual Dostoiévski queria estabelecê-la, era uma fé livre, apoiada sobre a liberdade de consciência. 

"É da fornalha de minhas dúvidas que jorrou meu hosana", escrevia Dostoiévski de si mesmo. E quisera ele que, a exemplo da sua, toda fé fosse temperada no crisol das dúvidas. 

O mundo cristão não conheceu defensor mais apaixonado da liberdade de consciência. 

"A liberdade de tua fé foi mais cara que tudo", diz o Grão Inquisidor ao Cristo. E ele teria podido dizê-lo igualmente a Dostoiévski mesmo. 

E ainda: "Tu desejaste o livre amor do homem". "Em lugar da dura lei antiga, o homem deveria decidir em si mesmo, com coração livre, o que é o bem e o que é o mal, não tendo por guia diante dos olhos senão a tua simples imagem". 

Estas palavras do Grão Inquisidor ao Cristo contêm a profissão de fé do próprio Dostoiévski. 

Ele repele "o milagre, o mistério e a autoridade" como meios de pesar sobre a consciência humana e de privar o homem da liberdade de seu espírito: era contra esta liberdade do espírito humano, contra a liberdade da consciência humana que eram dirigidas três provas pelas quais o demônio tentou ao Cristo no deserto.

Na aparição do Cristo, pelo contrário, nada força a consciência humana: a religião do Gólgota é a religião da liberdade. 

O Filho de Deus, aparecendo no mundo, "sob o aspecto de um escravo, e colocado numa cruz, torturado pelo mundo, dirige-se à liberdade do espírito humano". 

Na imagem do Cristo, nenhum constrangimento, nada que força a crer nele, como em Deus.

Ele não era nem a força nem o poder no reino deste mundo, e o reino que ele anunciava não era daqui de baixo. Eis onde reside o segredo fundamental do Cristo, o segredo da liberdade. 

Era mister, com efeito, uma extraordinária liberdade de espírito, um prodígio de fé livre, um reconhecimento espontâneo das "coisas invisíveis" para perceber seu Deus sob os traços de escravo de Jesus: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo", ele cumpriu um ato de liberdade. 

Estas palavras ressoaram nas profundezas da livre consciência humana, determinando o curso da história universal. 

E, no mundo cristão, todo ser, do fundo de sua consciência, de seu espírito livres, deve repeti-las. Nisto está a dignidade do cristianismo. 

Dostoiévski creu que a ortodoxia oriental tinha salvaguardado esta liberdade cristã mais que o catolicismo ocidental. 

Muitas vezes ele foi injusto com respeito ao catolicismo que não se poderia acusar de ser invadido pelo espírito do Anticristo. 

E, por outro lado, ele não queria ver no mundo ortodoxo as falhas e os desvios. A liberdade cristã não existiu no bizantinismo, na teocracia imperial, mais do que na teocracia papista.

Entretanto, Dostoiévski assinala com razão que a ortodoxia em geral a respeita mais: o que nela havia de inacabado lhe veio lá em auxílio. 


Na sua própria religião da liberdade do espírito, Dostoiévski ultrapassou infinitamente os limites da ortodoxia histórica como do catolicismo; ele se volta para o futuro, e suas descobertas têm um acento profético. 

Mas ele permanece não obstante a carne da carne, o sangue do sangue da ortodoxia russa. 

Ele revelou que o princípio do Anticristo não era outro senão a negação da liberdade do espírito e o constrangimento exercido sobre a consciência humana. 

Para ele, o Cristo era a liberdade, o Anticristo, a obrigação, o constrangimento, a servidão do espírito. 

E, analisando até ao fundo este princípio anticristão, ele denuncia os diversos aspectos que ele revestiu na história, desde a teocracia ocidental e oriental, desde o imperialismo até a anarquia e o socialismo ateu.

sábado, 4 de novembro de 2023

DOSTOIÉVSKI REPUDIA A TEORIA HUMANITÁRIO-POSITIVISTA


DOSTOIÉVSKI REPUDIA A TEORIA HUMANITÁRIO-POSITIVISTA IRRESPONSÁVEL QUE ENCARA O MAL DE UM PONTO DE VISTA SOCIAL, EXTERIOR AO HOMEM

— Nikolai Berdiaev


O problema do mal e do crime estão ligados em Dostoiévski ao problema da liberdade. O mal é inexplicável sem a liberdade. Ele aparece nos caminhos da liberdade. 


Sem este liame, não existiria a responsabilidade do mal: sem liberdade só Deus seria responsável pelo mal. 


Dostoiévski compreendeu isso mais profundamente que outro qualquer. Compreendeu também que, sem liberdade, nem tampouco existiria o bem, que o bem é igualmente filho da liberdade. 


Todo o segredo da vida, o segredo do destino humano depende desta noção. A liberdade é irracional, e por isso ela pode criar simultaneamente o bem e o mal. 


Mas rejeitar a liberdade, sob pretexto de ela poder gerar o mal, é criar o mal duplamente. 


Pois se o bem livre é o único bem, o constrangimento e a servidão que se apresentam como sendo a virtude são o aspecto anticristão do mal. Eis onde reside a antinomia, o mistério e o enigma. 


Dostoiévski não se contenta de colocar diante de nós este enigma; ele contribui poderosamente para resolvê-lo. 


A concepção que teve do mal é tão original que muitos se enganaram nisso: é mister compreender completamente sua maneira de pôr e resolver o problema. 


O caminho da liberdade, segundo ele, degenera em arbitrariedade, a arbitrariedade conduz ao mal, e o mal ao crime.


O problema do crime ocupa na obra de Dostoiévski o lugar central. Ele não é somente antropologista, mas, à sua maneira, criminalista. Sua inquirição sobre as fronteiras e os limites externos da natureza humana levaram-no a inquirir sobre a natureza do crime.


Qual é o destino que sofre o homem que ultrapassou as fronteiras do permitido, e que regeneração para o seu ser lhe pode sobrevir daí? São as consequências antológicas do crime que Dostoiévski desvenda.


Está demonstrado, como vimos, que a liberdade, degenerando em arbitrariedade, conduz ao mal, o mal ao crime, e o crime enfim, — por uma fatalidade interior — ao castigo. 


O castigo espreita o homem nas profundezas extremas de sua própria natureza: por isso Dostoiévski, toda a sua vida, se insurgiu contra a maneira de encarar o mal de um ponto de vista exterior. 


Seus romances e os artigos do "Diário de um Escritor" estão repletos de processos criminais.


Interesse estranho que provém do fato de que, de toda a sua natureza espiritual, Dostoiévski se elevava contra toda explicação deste gênero, motivando o mal e o crime pela influência do ambiente social, e negando, por conseguinte, a oportunidade da punição.


Dostoiévski só alude com ódio a esta teoria humanitário-positivista. Via nela a negação da profundeza da natureza humana, a negação da liberdade do espírito humano e da responsabilidade que lhe é aderente. 


Se o homem é apenas o reflexo passivo do seu ambiente social, se ele não é uma criatura responsável, então não há homem nem Deus, não há liberdade, nem mal nem bem. 


Um tal rebaixamento do homem, uma tal negação de sua primogenitura excitava a cólera de Dostoiévski. Não se podia exprimir com calma sobre esta doutrina, então bastante espalhada. 


Pelo contrário, ele está disposto a defender as penas mais severas, porque elas convêm a seres livres e responsáveis. 


O mal está depositado na profundeza da natureza humana, na sua liberdade irracional, na sua perda de um princípio divino. 


Também os partidários de penas muito pesadas têm uma vista mais justa da natureza do crime e da natureza humana em geral que aqueles que negam o mal de um ponto de vista humanitário. 


É em nome da dignidade do homem, em nome de sua liberdade que Dostoiévski afirma a necessidade de responder a cada crime por um castigo que exige menos uma lei exterior que, nas profundezas, a consciência livre do homem. 


Este não pode consentir mesmo a não ser responsável pelo mal e o crime, a não ser uma criatura livre, um espírito, mas tão somente um reflexo do seu ambiente social. 


A cólera de Dostoiévski, sua crueldade mesma proclamam a dignidade do homem e sua supremacia. 


Ele é indigno de um criador livre e responsável por despojar o fardo da responsabilidade para descarregá-lo sobre circunstâncias exteriores de que ele seria o joguete. 


Toda a obra de Dostoiévski é uma refutação desta calúnia jogada sobre a natureza humana. 


O mal é o sinal de que existe no homem uma profundeza interna. 


Ele está ligado à sua personalidade, só a personalidade pode criar o mal e responde por ele. 


Uma força impessoal não poderia ser responsável pelo mal, não poderia ser um motor primeiro. 


Destarte, a concepção do mal em Dostoiévski está em estreita ligação com sua concepção da personalidade, com seu personalismo. 


O humanitarismo irresponsável nega o mal, porque nega a personalidade, e Dostoiévski lutou contra o humanitarismo em nome do homem. 


Se o homem existe, se a personalidade humana existe em profundeza, então o mal tem fonte interior. Ele não pode ser o resultado de circunstâncias fortuitas criadas pelo ambiente social. 


E convém à dignidade do homem e à sua filiação divina pensar que o caminho do sofrimento resgata o crime e consome o mal. 


O pensamento de que só o sofrimento eleva o homem até seu apogeu é essencial à antropologia de Dostoiévski. O sofrimento, no homem, é indício da profundeza.

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Considerações sobre a origem da Palestina

Yuri Fagundes


Abraão foi o pai de toda a nação hebraica. E Abraão foi apelidado de hebreu. 

De onde vem o nome hebreu? Há duas respostas possíveis. 

A primeira, é que um ancestral dele se chamava Heber. 

A outra é que “Ivrim”, no hebraico, significa “povo do outro lado do rio”. 

Como Abraão chegou na terra de Canaã partindo da Mesopotâmia, ele recebeu esse epíteto. 

Os filhos de “Ivrim”, apelido de Abraão, foram designados hebreus.

Jacó, neto de Abraão, teve doze filhos. 

Durante uma batalha espiritual, ele teve o seu nome acrescentado para “Israel”. 

“Ya’akov”, ou Jacó, significa “aquele que vai no calcanhar do outro”. 

O nome "Jacó" sofreu uma alteração semântica e passou a designar “enganador”, ainda que originalmente o nome tenha tido uma conotação positiva. 

Os doze filhos de Jacó também eram chamados de “doze filhos de Israel”. 

Quando eles saem do Egito e vão para a terra prometida, eles passam a ser chamados de “doze tribos de Israel” e “israelitas”. 

Quando chegou a época do cativeiro da Babilônia, os assírios haviam destruído dez tribos de Israel do norte. 

Só sobraram duas: a tribo de Judá e a minúscula tribo de Benjamim. 

Como a maioria das tribos desapareceram, todos os habitantes da região passaram a ser indistintamente denominados de judeus, da mesma maneira como eram chamados os habitantes de Judá.

Nos dias de hoje, após a criação do Estado de Israel em 1948, os habitantes daquela região são denominados “israelenses”, não “israelitas”, como eram chamados no tempo da Bíblia. 

Um ponto aparentemente polêmico: o palestino na verdade não é palestino. 

Um exame de DNA realizado junto à população palestina e foi descoberto que eles originalmente provieram da região da África Subsaariana. 

Eles chegaram na região da Ásia provavelmente levados como escravos pelos grupos ismaelitas que eram árabes. 

Assim, o palestino não é árabe e possui ancestralidade subsaariana. 

Os filisteus, que ocupavam a atual região da Faixa de Gaza, provieram da região do Mar Egeu. 

Entre 132 a 135 da era cristã, houve uma sublevação em Israel — a terceira revolta judaica contra o Império Romano — comandada por um líder chamado “bar Kochba”, ou Simão Barcoquebas. 

O imperador de Roma da época era Adriano. 

O imperador Adriano, em vingança contra os judeus, mudou o nome da região de “Aelia Capitolina” para “Síria-Palestina”. 

Através da latinização do nome “Filisteu”, historicamente os maiores inimigos dos judeus, surgiu então o nome “Philistine”, ou “Palestina”. 

Portanto, etimologicamente, o nome “Palestina” designa “terra dos filisteus”, ou simbolicamente, “terra dos inimigos dos judeus”. 

Todavia, o palestino não é filisteu. 

Esse nome “palestino” foi dado por Roma extrinsecamente para aquele grupo. 

Em suma, os palestinos não são árabes, não são filisteus, são originalmente provenientes da África Subsaariana e receberam o título artificial de “palestinos” dado pelo imperador romano Adriano. 

Quanto à cidade de Jerusalém, não há nenhuma menção dela no Alcorão. 

Quando Maomé começa a pregação do Islã, quem apoiou Maomé no início quando ele estava sendo perseguido em Meca foram os judeus, pela mesma proximidade da defesa do monoteísmo. 

No momento da fuga de Maomé de Meca para Medina em 622 — evento conhecido pelo nome de “Hégira”, há uma tradição islâmica que sustenta que a mula de Maomé é transportada pelo anjo Gabriel até a cidade de Jerusalém. 

Ali ele se encontra com três personagens: Isa (Jesus), Mussa (Moisés) e Ibrahim (Abraão), recebe as orações do islamismo, sobe ao paraíso e retorna.

A partir dessa tradição, Jerusalém se torna a terceira cidade sagrada dos muçulmanos: a primeira é Meca, a segunda, Medina, e a terceira, Jerusalém. 

Todavia, os muçulmanos só se apossarão de Jerusalém no ano de 690, quando chegam as primeiras milícias muçulmanas. 

Não se sabe ao certo quando exatamente os palestinos se convertem ao islamismo. 

Alguns historiadores sustentam que eles se converteram na época da Primeira Cruzada, que foi no século XII. 

No ano de 691-692, os muçulmanos constróem em Jerusalém o Domo da Rocha, aquela cúpula dourada, para demarcar o local em que Maomé sobe ao céu, e a Mesquita de Al-Aqsa (que significa “na esquina”, ou “à distância”) também para fins de demarcação.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

ALQUIMIA CRISTÃ - parte 4



DEUS FEZ-SE HOMEM PARA QUE O HOMEM SE TORNASSE DEUS 

A deificação do homem Por elas nos foram dadas as preciosas e grandíssimas promessas a fim de que assim vos tornásseis participantes da natureza divina depois de vos libertardes da corrupção que prevalece no mundo como resultado da concupiscência (2 Pd 1, 4) 

TORNAMO-NOS NO QUE SOMOS 

O homem é criado à imagem do Deus infinito. É chamado a ultrapassar os limites da criação e a tornar-se ele próprio infinito. Ser "à imagem" representa ao mesmo tempo um dom e um objectivo. O "à imagem" é uma potencialidade, um germe que nunca deixou de estar presente. Esta possibilidade de deificação diz respeito ao homem em todos as suas componentes, dos estratos somáticos e psíquicos mais superficiais até ao âmago do seu ser. 

O VERBO É FAZEDOR DE DEUSES 

O tema da deificação está presente em várias correntes filosóficas e religiosas da Antiguidade, em particular no orfismo, no platonismo, no estoicismo, e no hermetismo. Apoiando-se nas Escrituras1, o cristianismo definiu-o assim: Deus fez-se homem para que o homem se tornasse Deus. Encontramos pela primeira vez estas poderosas palavras em Ireneu2. No Ocidente, elas foram recuperadas por Santo Agostinho3. Orígenes qualifica o Verbo de fazedor de deuses4, o Verbo possibilitando àqueles que fora d'Ele são deuses (...) que se tornem deuses buscando junto de Deus aquilo com que se deificam...5. Para Clemente de Alexandria, o Logos tornou-se homem para que fosse um homem a ensinar como pode um homem tornar-se Deus6. Ele gratifica-nos com a herança paterna, realmente grande, divina e inadmissível, divinizando o homem por um ensinamento celeste1. O homem torna-se Deus, retoma Máximo, tanto quanto Deus se torna homem. Segundo Atanásio, O Verbo de Deus fez-se homem para que nos tornássemos deuses8, o próprio Verbo de Deus veio para que, sendo a imagem do Pai, pudesse recriar o homem segundo a imagem. Gregório Nazareno exprime-se de forma ainda mais radical: o Verbo fez-se homem por causa de ti, para que tu te tornes Deus por causa d'Ele9. Para Gregório de Niceia, Deus misturou-se com a natureza perecível, para que, graças à sua mistura com o divino, o nosso ser pudesse tornar-se divino.10 Cirilo de Alexandria apresenta a deificação como finalidade da Incarnação: o Verbo fez-se daquilo que nós somos para que nos tomemos participantes daquilo que Ele é.u Atanásio12, Gregório Nazianzeno13, Gregório de Niceia14, Basílio o Grande e muitos outros Padres da Igreja fizeram deste princípio um adágio comum da teologia. Os Padres e os teólogos da Igreja do Oriente15 repetilo-ão ao longo dos séculos, com mais insistência do que os da Igreja do Ocidente. Não deixaram de lembrar a essência mesma do cristianismo: uma descida de Deus até aos limites do nosso estado presente, até à morte. Mas esta descida de Deus abre aos homens uma via de ascensão, abre os horizontes ilimitados da união dos seres criados com a Divindade. Neste contexto, Gregório Palamas define a Igreja como uma "comunidade de deificação". 



A PEDAGOGIA DIVINA 

Deus confiou ao homem inúmeros pontos de referência na sua caminhada para a deificação. A primeira revelação Vários filósofos da Antiguidade, as velhas religiões de Mistérios, os construtores de catedrais, os alquimistas da Renascença e os teósofos cristãos insistiram neste ponto: o universo que nos rodeia é ele próprio uma Revelação. Deus estendeu à nossa volta o mundo dos corpos para que encontremos no sensível algo pelo qual possamos voltar para ele. O universo é uma imagem sensível de Deus para que toda a obra denote o seu autor. Num quadro de pintura, um perito reconhece o pintor pois o quadro exprime algo do seu criador. Também o mundo que percepcionamos revela o seu Criador pois a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por analogia, contemplar seu Autor (Sb 13, 5). Cada coisa é então um sinal em que Deus se dá a conhecer a nós. Eis a carta do simbolismo medieval, em teologia, em filosofia e até na arte decorativa das catedrais. O universo teofânico de Scoto Erígeno, o liber creaturarum de Guilherme d'Auvergne e de Boaventura, o simbolismo dos Lapidados e dos Bestiários, sem esquecer o que orna os pórticos das nossas catedrais ou resplandece nos seus vitrais, são outras tantas testemunhas desta confiança cristã na translucidez dum universo, onde o mais pequeno dos seres é um indício da presença de Deus. Sendo as criaturas imitações de Deus, as suas propriedades fundamentais e as relações dessas propriedades entre elas ajudam-nos a conhecer as de Deus. Segundo Scoto Erígeno, todos os seres criados são luzes, e cada coisa, até a mais humilde, não é, no fundo, senão um círio onde flameja, ainda que fracamente, a luz divina. Composta por um enorme número de pequenas luzes, a criação é uma iluminação destinada a mostrar Deus. O universo cessaria se Deus deixasse de brilhar. Numa tese sobre a obra de Karl von Eckhartshausen, Antoine Faivre comenta esta revelação natural, recorrendo às personagens nascidas da pena do teósofo alemão: É olhando para as folhas duma flor que Aglais descobre a existência de Deus; os perfumes da primavera, as vagas que o vento faz nos campos de trigo convencem-no da Sua bondade. A natureza prova que Deus existe: tal é o título dum dos seus escritos, no qual ele descreve complacentemente os encantos da primavera e as carícias duma jovem esposa. Aliás, como entender Deus sem a natureza?... Eloas, "sacerdote da natureza", ensina ao seu discípulo Sophron que tudo o que nos rodeia é a manifestação de Deus, a letra viva do Seu esplendor, pela qual Ele se revela... Conhecer a natureza, segundo ensina Sophron, permite elevar-se por patamares até ao conhecimento do sobrenatural graças às marcas divinas, pois não há nada de invisível no espírito de Luz que não tenha uma sombra visível e palpável aqui em baixo.16 O Universo fala-nos de Deus. Deus conhece-se pelas suas obras, afirma o Evangelho de João. O mundo é um espelho no qual Deus se pode contemplar. O Invisível manifesta o seu Ser e o seu Poder no universo visível: Os céus cantam a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra das suas mãos (SI 19, 2). E "a realidade invisível de Deus - o seu eterno poder e a sua divindade - tornaram-se visíveis desde a criação do mundo para aqueles que reflectem nas suas obras (Rm 1, 20). Orígenes compara os astros a caracteres de escrita e o céu à Bíblia. Através do estudo do Livro do Mundo, podemos aceder ao seu autor. Os três magos que não eram reis, como bons astrólogos, alcançaram o presépio apenas pela observação e, sobretudo, pela interpretação da estrela17. Eles ilustram a religião natural que se apoia nesta primeira Revelação. A segunda revelação Esta primeira Revelação é apenas uma introdução, uma preparação a duas outras Revelações. Deus escolheu um povo eleito no seio do qual suscitou profetas e mestres, e produziu acontecimentos milagrosos. Deu-lhe uma Lei escrita, vinda para apoiar os ensinamentos da criação. A terceira revelação Por fim, e isto é o mais importante, Deus fez-se homem afim de mostrar até onde Ele nos levaria... para que, tornado Filho do Homem, e partilhando a sua mortalidade, ele levasse os homens à sua perfeição de filhos de Deus e os fizesse participar da imortalidade divina...18. O Verto de Deus fez-se carne, e a carne fez-se Verbo, sem que nenhum dos dois abandonasse a sua íntima natureza19. A carne do Cristo, corpo do Verbo de Deus feito homem, constitui o ponto de contacto do homem com Deus. Em Cristo, o céu e a terra uniram-se. Na pessoa do Cristo, a pessoa humana existia integralmente, divinizada pela sua união com o Verbo de Deus. Por isso, a natureza humana assim assumida recebeu a plenitude da energia divina. Desde então, a possibilidade da sua deificação está assegurada para todos os seres humanos que para tal se esforçam. A origem dos homens a partir de Adão implicava um laço com as suas antigas raízes, entre as quais a mortalidade. 0 seu enxerto sobre uma nova árvore autoriza a sua regeneração. Falando claramente, o Cristo não veio para nos ajudar a melhor suportar o pesadelo desta existência, veio sim para nos permitir sair dela: Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas o que nós seremos ainda não se manifestou. Sabemos que por ocasião desta manifestação seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é (1 Jo 3, 2). 

A SÍNTESE DE NlCOLAU CABASILAS 

Nicolau Cabasilas propõe uma síntese. O homem tem por fim renascer e ressuscitar: tal é, desde a idade apostólica, a lição dos Padres, da qual ele já discerne um resumo nos antigos mistérios. As energias contidas no corpo glorificado do Cristo são comunicadas aos seus iniciados e asseguram a sua deificação. Esta comunicação efectua-se, entre outros meios, pelos sacramentos, a que a tradição oriental chama de "Mistérios". São os pontos do espaço e do tempo onde a vida divina reencontra a vida humana e a transfigura; são celebrações e procedimentos pelos quais se realiza a deificação. O baptismo e o crisma restauram a semelhança no próprio acto, libertando a imagem cuja irradiação se torna perceptível nos santos e nas crianças. A eucaristia alimenta esta divinização.

(...)


Se você quer ter o livro completo e entender seus significados mais profundos (tanto dos termos quanto dos procedimentos) e como realizar tudo isso sem se perder ou ser ludibriado por outras instituições que traduzem estes ensinamentos, significados e processos de maneira enganosa ou já enganada, entre em contato pelo whatsapp (+55 79 991316067) e ou pelo e-mail da escola (E.T.C.A.) graduacao.e.t.c.a.89@gmail.com

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Sobre o livro A LEI - POR QUE AS IDEIAS DE ESQUERDA NÃO FUNCIONAM?


INTRODUÇÃO 

Eduardo Levy*

POR QUE AS IDEIAS DE ESQUERDA NÃO FUNCIONAM?

Que o tamanho reduzido desta obra não engane ninguém: parafraseando Churchill, nunca na história das ideias humanas tanto foi dito com tão poucas palavras. O livro que o leitor tem em mãos é um tesouro; concebido como um panfleto, e não como tratado científico, expõe e desenvolve, com clareza raras vezes igualada, ideias de filósofos menos acessíveis, como John Locke e Adam Smith. 

Mas não pense que A lei é uma peça de museu ou mera curiosidade histórica: publicado na França em 1850, o livro é tão importante e atual hoje quanto foi na época de sua publicação, pois, em grande medida, como os extensos comentários ao texto pretendem mostrar, os problemas de Bastiat são os nossos problemas e seus inimigos são os nossos inimigos. O argumento central do livro é bastante simples: os homens têm certos direitos naturais que precedem toda a legislação escrita. São eles a vida, a liberdade e a propriedade. Para proteger esses direitos, todo homem tem direito de se proteger de quem os ameaça, isto é, à legítima defesa. 

A lei, que aqui significa às vezes o Estado, às vezes a Constituição, é a organização coletiva do direito à legítima defesa; sua função, seus limites e sua legitimidade derivam do direito individual à legítima defesa. Em outras palavras, a única função da lei é fazer com que reine a justiça — na verdade, impedir que reine a injustiça. Qualquer outro uso que se dê à lei contradiz e impede o direito à legítima defesa, pois, necessariamente, ferirá a vida, a liberdade ou a propriedade.

Quando a lei extrapola essas funções, ocorre opressão ou espoliação legal. Embora “espoliação”, em bom português, signifique roubo, a palavra tem, tanto no português quanto no francês, um significado jurídico preciso, segundo o Houaiss, de: “ato de privar alguém de algo que lhe pertence ou a que tem direito por meio de fraude ou violência”, e é nesse sentido que Bastiat a emprega. 

Espoliação, ele explica, ocorre sempre que a lei tira de alguém o que lhe pertence para dar a outro a quem não pertence, agindo de modo tal que um cidadão, se agisse do mesmo modo, cometeria um crime. Quando a lei começa a ser usada como instrumento de espoliação, a atividade legislativa se torna uma disputa entre vários grupos para se apoderar dela e espoliar os outros. Nesse caso, a liberdade é ferida, a prosperidade é impedida e a estabilidade é impossível. 

No entanto, constata Bastiat, é precisamente isso que ocorre em toda a parte: a corrupção da lei, posta a serviço de todo tipo de cobiça. Esse é o fenômeno analisado no livro. Para Bastiat, a liberdade só é liberdade quando é negativa, isto é, quando é ausência de coerção e obstáculo; ela não dá nada propriamente, apenas impede que algo seja tirado de alguém. (Mais sobre a diferença entre liberdade negativa e positiva nos comentários ao texto.) 

Assim, naturalmente, Bastiat via a maior ameaça à liberdade no ente que detém o uso da força e, portanto, o poder de exercer coerção e impor obstáculos: o Estado. Por isso, volta-se contra todos aqueles que querem dar mais poder ao Estado: os intervencionistas, os planejadores, os protecionistas e os socialistas. 

Desde 1850, muita água rolou: os planejadores e os socialistas vieram a controlar metade do mundo, o que resultou não apenas em opressão e miséria, como previsto por Bastiat, mas também na morte de 100 milhões de pessoas, como pode ser visto com mais detalhes em O livro negro do comunismo (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999). Os países que se tornaram ricos foram aqueles que mais apostaram na liberdade tal como descrita por Bastiat; índices baseados em critérios objetivos mostram correlação direta entre liberdade econômica e riqueza, progresso e justiça social (Como pode ser visto no Index of Economic Freedom [Índice de Liberdade Econômica], disponível em www.heritage.org/index/). 

Assim, este livro teve o melhor destino que um livro teórico pode ter: a prática provou que ele estava certo em um grau muito maior do que seu autor poderia imaginar. No entanto, a legislação em vigor hoje em países supostamente democráticos seria descrita por Bastiat como socialista, como um sistema de espoliação organizado e muito mais amplo do que poderia imaginar em seus piores pesadelos. Não é de se espantar, pois, que a política nesses países não passe de uma disputa entre diversos grupos de interesse para se apoderar da lei e espoliar em seu próprio favor: não existe mais o “bem comum”, apenas o bem dos grupos específicos. Além disso, quase todos esses países têm dívidas astronômicas, sistemas previdenciários insustentáveis no longo prazo e vivem a um passo do caos social. 

Examinem-se profundamente as causas de tal cenário e ficará provado que Bastiat estava certo. Com relação ao Brasil, ele estava mais certo ainda: o país ocupava a 122 a posição no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation em 2016, mais perto da Venezuela (176 a ) e da Coreia do Norte (178 a ) do que do Chile (7 a ). 

A posição não é inexplicável: nossa constituição garante mais “direitos” que quase qualquer outra no mundo; o Estado se mete em todos os aspectos da vida econômica e privada, desejando regular até mesmo o que o cidadão pode comer; abrir uma empresa exige enfrentar uma burocracia tão vasta que é tarefa quase impossível; mantê-la aberta então é ainda pior; nossa legislação trabalhista é tão restritiva que joga mais da metade dos trabalhadores para a informalidade, em um sistema de microempresas que nada mais é que uma forma de fugir dos encargos trabalhistas; nossa legislação tributária é tão complexa que nem os especialistas a dominam; nosso governo é dono de centenas de empresas e dispõe de mais cargos comissionados (23 941) que países com orçamento muito maior, como os eua (8 000) e a França (4 800). 

Embora o cenário venha piorando nos últimos anos, desde a formação do país sempre esteve impregnada na nossa cultura a ideia de que o Estado é a fonte de todos os bens e o responsável por todos os males, devendo controlar tudo, regularizar tudo, intrometer-se em tudo. Diante disso, não seria surpresa nenhuma para Bastiat, nem será para quem ler este livro, nossa extraordinária instabilidade política. Será que já não é hora de mudar de rumo e seguir um caminho simples, de eficácia amplamente comprovada, para a prosperidade e a justiça? 


BASTIAT E O LIBERALISMO CLÁSSICO 

Claude Frédéric Bastiat nasceu em 30 de junho de 1801, em Bayonne, França. Filho de um rico comerciante, foi criado por um tio, pois sua mãe morrera quando tinha sete anos e seu pai, quando tinha nove. Deixou a escola sem se formar aos dezessete anos para trabalhar na firma comercial do tio. Logo depois, descobriu o liberalismo clássico e começou a estudar economia. 

Publicou vários trabalhos em defesa do livre-comércio e lançou, em Paris, em 1846, Le Libre Échange, um jornal dedicado a essa causa. Em 1848, tornou-se deputado da Assembleia Constituinte, mas acabou renunciando em 1850 devido ao estado deteriorado de sua saúde. 

Morreu em 24 de dezembro de 1850, de tuberculose, em Roma, aos 49 anos. Um dos economistas mais influentes de todos os tempos, Bastiat deixou uma extensa obra dedicada à defesa da liberdade e à contestação de várias falácias econômicas, além de ter formulado ou aprofundado conceitos como o custo de oportunidade, a falácia da janela quebrada e a lei das consequências não intencionais. 

Embora Bastiat tenha feito contribuições originais ao liberalismo clássico em centenas de artigos e alguns livros, A lei é, antes de tudo, uma exposição e um resumo extremamente claro e didático, além de uma aplicação a diversos casos concretos das ideias de outros pensadores, notadamente John Locke e Adam Smith. Assim, este livro serve como uma excelente introdução ao liberalismo clássico, corrente político-econômica para a qual a liberdade individual é o valor político fundamental e o principal promotor da riqueza, da dignidade e do progresso. 

Desse modo, os liberais clássicos defendem o individualismo, a democracia representativa, os direitos civis, a propriedade privada e o mínimo de intervenção estatal possível na economia e na vida privada dos cidadãos. Para eles, cada pessoa, ao buscar satisfazer seus próprios interesses, contribuirá para a riqueza geral da sociedade, e as interações livres entre as pessoas no mercado são o melhor regulador possível da atividade econômica. 

Entre os herdeiros intelectuais mais proeminentes do liberalismo clássico estão a Escola Austríaca (que tem Ludwig von Mises e Friedrich Hayek entre seus representantes), a Escola de Chicago (da qual faz parte Milton Friedman) e os libertários ou anarcocapitalistas (que inclui Murray N. Rothbard). Embora haja diferenças substanciais entre eles, todos compartilham os mesmos princípios fundamentais. 

Aqui se deve fazer uma distinção importante: o termo “liberal” designa e designou historicamente muitas visões diferentes, às vezes, até opostas. Nos Estados Unidos, veio a significar algo muito diferente do que queremos dizer neste livro com “liberal” e do que isso significa na Inglaterra e no Brasil.

Originalmente, “liberal” é quem defende a economia de mercado, as liberdades individuais e o mínimo de intervenção estatal na economia e na vida privada. No entanto, nos Estados Unidos, passou a significar precisamente o oposto: pessoas que defendem uma presença forte do Estado tanto na economia quanto na vida privada, além de limitações à economia de mercado. Muitas vezes, em livros e artigos, o termo é traduzido de modo incorreto para o português como “liberal”, sem alterações, causando sérios mal-entendidos. 

Por isso, é preciso prestar atenção à linguagem: muitas vezes, “liberal” quer dizer “de esquerda”. Em consequência, alguns liberais passaram a se referir a si mesmos como conservadores, libertários ou anarcocapitalistas. Essas três palavras, no entanto, também têm significados próprios e podem designar visões muito diferentes do liberalismo. Estamos, aqui, em uma verdadeira Torre de Babel. 

Por fim, ainda que o liberalismo, por razões de que não convém tratar aqui, tenha péssima fama, a realidade não cessa de lhe dar razão: os países ricos e prósperos, onde há menos pobreza e melhor qualidade de vida para todos são aqueles onde vigora o capitalismo, em que a intervenção estatal é a menor possível e a liberdade individual é valorizada. 

O Índice de Liberdade Econômica da Fundação Heritage não deixa dúvidas quanto a esse ponto. A simples observação mostra que os países mais ricos do mundo são os mais liberais, assim como são países em franco desenvolvimento. Os chamados “Tigres Asiáticos” enriqueceram em pouco tempo ao aplicar o receituário liberal. O Chile é um dos países mais desenvolvidos da América Latina (43 o lugar em idh, enquanto o Brasil está no 75 o ) e é o único a aplicar o receituário liberal há décadas. 

Há exemplos negativos: a maior tentativa da história humana de planejar todos os aspectos da vida e da economia, a União Soviética, terminou em ineficiência, pobreza, opressão, morticínio e colapso. A tentativa de instaurar um “socialismo do século xxi” na Venezuela resultou em uma crise econômica e social de proporções inéditas. Os países que ainda mantêm regimes de inspiração socialista, como Cuba e Coreia do Norte, estão entre os mais pobres e opressores do mundo. É impossível, com tantos dados e exemplos práticos, negar as qualidades bastante superiores do liberalismo na promoção da riqueza, da dignidade e do bem-estar. A lei é o melhor caminho para começar a compreender isso. 

*Eduardo Levy, 27, é tradutor e professor de inglês. Estudou Filosofia e Letras na Universidade Federal de Minas Gerais além de artes liberais e literatura na Universidade de Wisconsin (EUA), mas com interesses e estudos em diversas outras áreas.



segunda-feira, 23 de outubro de 2023

A Ordem dos Terapeutas


Se você fizer uma pesquisa agora na internet sobre esta ordem e sua história, vai encontrar um tão grande número de mentiras, desinformação e distorções que provavelmente vão levá-lo a crer em todas as ligações absurdas que os ocultistas, neo-gnósticos, nova-eras, falsos teósofos, pseudo-rosacruzes, etc., fazem normalmente. A mais comum dessas contém dois absurdos estonteantes (para os estudiosos, é claro): primeiro diz que os terapeutas eram os essênios e logo em seguida contam outra mentira, que Jesus também teria sido um essênio. 

Vejamos apenas alguns pontos. Jesus andava em meio a multidões e pecadores da pior estirpe, os essênios, por seus próprios regulamentos teriam que manter distância disso tudo, não tocavam nem se deixavam tocar, Jesus tocava até em leprosos (algo expressamente proibido tanto pela simples judaica quanto pelo acréscimo essênio); os essênios usavam branco sempre, algo muito difícil naquela época, Jesus aceitou muitos presentes, roupas coloridas, inclusive vestes púrpura, considerado o máximo da luxúria romana; os essênios não aceitavam mulheres em sua comunidade (e provavelmente as considerava inferiores, claro, ao contrário do que dizem), Jesus tem discípulas, entre as quais três muito importantes (as três Marias) e logo após o evento mais importante do cristianismo, a ressurreição, ele aparece primeiro para estas mulheres, das quais nenhum tipo de judeu aceitava o testemunho (especialmente os essênios já que não aceitavam mulheres); os essênios se retiravam ao deserto o tempo todo e tinham o acetismo extremo como ideal de vida, não tomavam nenhuma bebida alcoólica, e faziam jejuns lingos o tempo todo, Jesus é levado ao deserto para ser tentando pelo diabo e sai dele após seu triunfo sobre satanás, não se submeteu a acetismo extremo senão por estes 40 dias e tomava vinho...

Só essas diferenças já mostram que as informações falsas "não batem" nem com os essênios nem com o Jesus verdadeiro. Mas poderíamos enumerar dezenas de diferenças. 

Outra confusão que gostam de fazer com a ordem dos terapeutas é que ela vem de antes do cristianismo e que era independente deste. No entanto, na ortodoxia não existem diversidades de ordens como no romanismo posterior. Apenar de algumas características próprias, todas as ordens primitivas eram simplesmente ordens cristãs, com um modo de vida ascética retirada comum, a diferença era entre as ordens cenobiticas (vida em comunidade como no ideal demonstrado em Atos) e vida solitária como monge heremita ou completamente recluso. 

A seguir vejamos uma introdução mais geral sobre a ordem dos terapeutas, para depois nos aprofundarmos em alguns detalhes.


 Terapeutas


gua

Os Terapeutas (em latimTherapeutae; palavra que significa, segundo Filão, "curandeiros" e, para o Pseudo-Dionísio, "servidores") e as Terapeutridas (em latimTherapeutridae; as seguidoras da Ordem) constituíam uma Ordem cenobítica do Cristianismo primitivo, que se conhece actualmente através dos escritos do escritor judeu helenizado Filão de Alexandria[1] que dela teve conhecimento pessoal no Lago Mareotis, perto de Alexandria, e que a caracteriza como vocacionada para a vida contemplativa, em contraste com a vida activa dos Essénios. Dedicavam-se a práticas ascéticas, à oraçãomeditação e leitura das escrituras, em regime de clausura, vivendo em celas individuais, onde passavam seis dias da semana, saindo apenas para as reuniões culturais de sábado. Comiam somente ao cair da noite e alguns ficavam de três a seis dias sem ingerir qualquer alimento.

Ao contrário dos Essênios, admitiam mulheres como membros regulares, que, como os homens, levavam uma vida de total castidade. O centro da liturgia era celebrado aos sábados, descrito por Filão de Alexandria da seguinte forma: depois da oração inicial, vestidos de túnicas brancas, instalavam-se à mesa, homens à direita, mulheres à esquerda, deitados sobre grosseiros leitos recobertos de simples esteiras. O chefe da comunidade, em meio a um silêncio total, fazia então o comentário de uma passagem das Escrituras, segundo o método alegórico. O presidente levantava-se e entoava um hino, sendo o refrão repetido em coro pelo resto do grupo. Servida por noviços, seguia-se a refeição, que constava de pão, 'alimento puríssimo', água e sal. Terminada a refeição, iniciava-se a 'vigília santa'. Homens e mulheres dividiam-se em dois grupos das mesas e punham-se a cantar, ora em uníssono, ora alternadamente, acompanhando os hinos com palmas e batidas de pés, recordando a passagens pelo Mar Morto. Passavam assim toda noite, até a oração da alvorada, que recitavam de mãos voltadas para o sol nascente. Em seguida, cada um se recolhia à sua cela.



Referências Toy, Crawford Howell; Siegfried, Carl; Lauterbach, Jacob Zallel. «PHILO JUDÆUS»Wikipedia