O ESTADO DE CONSTATAÇÃO ACTIVA
Somos, então, convidados ao despertar. Um despertar que não é um estado psicológico ou um estado superior de consciência. Não se trata, para o homem, de obter a sensação de estar mais consciente no seio da sua existência mortal.
O retomar do contacto com a verdadeira imaginação é um novo nascimento. Podemos renascer, nesta vida, através desta imaginação verdadeira. O nascimento do Verbo, ou despertar, desvela a nossa natureza original.
O verdadeiro despertar é sinónimo de imortalidade. Enquanto cristãos, não devemos ceder ao sono que acaba de ser descrito: Portanto, não durmamos, a exemplo dos outros, mas vigiemos... (1 Ts 5, 5-7). Quando oramos, devemos adoptar uma atitude vigilante, de constatação activa que não deixe a nossa mente divagar em todos os sentidos a pretexto de meditação: Levai pois uma vida de autodomínio e de sobriedade, dedicada à oração. (1 Pd 4, 7), ...orai em todo tempo, no Espírito, e para isso vigiai com toda a perseverança... (Ef 6, 18), perseverai na oração, vigilantes... (Cl 4, 2).
Constatar significa reconhecer o estado de uma coisa ou de um fenómeno, estabelecer um facto, sem aplicar qualquer consideração pessoal. A constatação consiste numa luta contra a influência da sonolência mental. Podemos olhar sem ver. É a característica da maioria das nossas impressões visuais: Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido. (1 Cor 13, 12).
Podemos olhar e ver; ou seja observar. Há já aqui um progresso, pois há o envolvimento da atenção. Mas a atenção não chega, pois na atenção o objecto ainda nos pode seduzir ao ponto de nos fazer perder a consciência de nós próprios. É quando observamos aplicando um esforço consciente dirigido simultaneamente para o exterior e o interior que chegamos à verdadeira constatação. Apenas ela produz um efeito regenerador. A observação desta regra geral da atenção dupla é permanentemente exigida ao longo da via. E o esforço constante da vigília, segundo o preceito de Jesus aos discípulos: E o que vos digo, digo a todos: vigiai! (Mc 13, 37).
E trabalhando ininterruptamente, em espiral, que o homem pode escapar ao sono e chegar ao segundo nascimento. A constatação compreende dois grupos de exercícios: - a constatação dita exterior, quando observamos um ou mais objectos exteriores, incluindo nós próprios, quando olhamos, por assim dizer, de fora; - a constatação dita interior, quando observamos um ou mais traços, factos ou fenómenos da nossa própria vida interior.
A constatação exterior pode ser passiva. Ela incide então sobre objectos que se apresentam a nós, sobre o filme exterior dos acontecimentos, sem que exerçamos uma escolha entre eles. Pode, pelo contrário, ser activa. Escolhe então o objecto sobre o qual incide. A tradição cristã conhece uma forma de constatação exterior activa, que usa amplamente. Trata-se da oração perpétua, mais particularmente a "oração de Jesus" à qual voltarei.
Notas:
1 É a versão escolhida pelos tradutores da Bíblia de Jerusalém.
2 É a tradução escolhida por André Chouraqui.
3 Santo Ireneu, Contra Haereses V, 6,1.
4 Gregório Palamas, Deuxième Lettre à Bariaam 48 ; Gregório Palamas, Oeuvres, tomo 1, pag.287 (em grego).
5 Cf. São Gregório o Teólogo, RG. 36,560.
6 Citado por Jevtic, Athanase, Théologie ascétique, Institut de Théologie Orthodoxe Saint-Serge, Paris, 1986.
7 Angelus Silesius, Le Pélerin Chérubinique (I, 105)
8 "Antes" significa "no princípio" e não "na origem dos tempos". O tempo e o espaço pertencendo à criação, estes conceitos não têm qualquer sentido para além dessa criação.
9 João Crisóstomo, Homélies sur les statues, XI, 2.
10 O que é a "glória" de Deus? Os tradutores gregos traduzem por doxa a palavra hebraica kabod. O verbo correspondente a kabod orienta o pensamento para o peso de qualquer coisa. Aplicado a Deus, a palavra faz antes pensar no seu esplendor natural, superior a tudo o que possam sugerir as suas criaturas. Trata-se do seu próprio ser. O canto da liturgia divina que relata a visão de Isaías: "Santo, santo, santo é Yawheh dos Exércitos, a sua glória enche toda, a leira." (Is 6, 3). Este contexto semítico colora, na Bíblia grega, o sentido da palavra doxa que conotava antes o "renome". Acaba assim por evocar o esplendor incomparável da santidade de Deus, uma glória de que a terra está cheia (Ap 4, 8).
11 João Crisóstomo, Sur la Génese.
12 Gregório de Niceia, Commentaire du Cantique des Cantiques.
13 Várias passagens comparam também a morte com um sono, como Mt 9, 24; Mc 5, 39 e Lc 8, 52.
14 Des Trois Príncipes de Vessence divine.
15 De VÉlection de la Grâce.
16 Des Trois Príncipes de Vessence divine.
17 Utilizo aqui a tradução de André Chouraqui, pois a noção de sono e de despertar está ausente da tradução da Bíblia de Jerusalém.
Continua...
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