sábado, 19 de julho de 2025

Libertarianismo Político - Visão Geral


 1. Ideias do Libertarianismo Político em Geral


O libertarianismo político pode ser entendido, em linhas gerais, como uma filosofia que defende a máxima liberdade individual e a mínima intervenção do Estado. Seus pilares são:

Autopropriedade: o indivíduo é proprietário de si mesmo e, por consequência, de seu corpo, mente e trabalho.

Direito natural à propriedade privada: aquilo que o indivíduo cria ou troca legitimamente é uma extensão de sua liberdade.

Livre mercado: as trocas voluntárias entre indivíduos são moralmente superiores e mais eficientes do que as intervenções coercitivas do Estado.

Não-agressão: a única justificativa para o uso da força é a defesa contra agressões, nunca a imposição de valores ou políticas públicas.

Autores como Murray Rothbard, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Hans-Hermann Hoppe e Robert Nozick são referências, mas há variações internas — do anarcocapitalismo ao minarquismo.


Yuri Fagundes 



Compartilhe em suas redes sociais, faça chegar a mais pessoas as idéias libertárias participe da construção de uma sociedade livre, de informação não centralizada e distribuída. Participe do grupo de estudos para receber postagens como estas, livros, vídeos e artigos relacionados entrando em contato pelo WhatsApp 79 991316067.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Um Novo Modelo do Universo - uma nova categoria de homens: buscadores da verdade


 

INTRODUÇÃO * 

Há momentos na vida, separados por longos intervalos de tempo, mas ligados pelo seu conteúdo interior e por determinada sensação singular que lhes é peculiar. Alguns desses momentos sempre me vêm à mente juntos e sinto então que foram eles que determinaram o rumo fundamental da minha vida. O ano é 1890 ou 1891. Uma turma notuma de preparação no Segundo "Ginásio" (3) de Moscou. Uma sala de aula grande, iluminada por lâmpadas de querosene de largas pantalhas. Armários amarelos ao longo das paredes. Alunos internos com blusas de holanda, manchadas de tinta, encurvados sobre as carteiras. Alguns imersos em suas lições, outros lendo, por baixo das carteiras, um romance proibido de Dumas ou Gaboriau, outros ainda sussurrando para o vizinho. Mas, exteriormente, todos eles se assemelham. Sentado à sua mesa, o professor da matéria, um alemão alto e esguio, o "Gigante Pernalonga", com seu uniforme — uma casaca azul com botões dourados. Por uma porta aberta, vê-se outra turma de preparação na sala contígua. Sou um aluno do segundo ou terceiro ano. Mas, em vez da gramática latina de Zeifert, composta inteiramente de exceções, que vejo às vezes ainda em meus sonhos, ou dos Problemas, de Evtushevski, com o camponês que vai à cidade vender feno e a cisterna que é abastecida por três canos, tenho à minha frente a Física de Malinin e Bourenin. Pedi emprestado esse livro a um dos colegas mais antigos e estou lendo voraz e entusiasticamente, dominado ora pelo encantamento, ora pelo terror, diante dos mistérios que se desvelam diante de mim. Todas as paredes ao meu redor se desmoronam, e horizontes infinitamente longínquos e incrivelmente belos se revelam. É como se fios antes desconhecidos e insuspeitados começassem a se estender e a entrelaçar as coisas. Pela primeira vez na minha vida, o meu mundo emerge do caos. Tudo se relaciona, formando um todo ordenado e harmonioso. Eu compreendo, encadeio séries de fenômenos que eram desconexos e pareciam nada ter em comum. Mas o que é que estou lendo? É o capítulo sobre alavancas. E, imediatamente, toda uma porção de coisas simples que eu conhecia como independentes e nada tendo em comum se ligou e uniu num grande todo. Uma vara metida debaixo de uma pedra, um canivete, uma pá, uma gangorra, todas essas coisas são uma e a mesma coisa, são todas "alavancas". Nessa idéia há algo ao mesmo tempo terrível e sedutor. Como é que eu não sabia disso? Por que ninguém me falou disso? Por que me fizeram aprender milhares de coisas inúteis e não me falaram "disso"? Tudo o que estou descobrindo é tão maravilhoso e miraculoso que cada vez fico mais extasiado, dominado por um certo pressentimento de que outras revelações me aguardam. É como se sentisse já a unidade de todas as coisas e fosse subjugado por essa sensação. [9] Não posso mais guardar para mim todas as emoções que me excitam. Quero tratar de partilhá-las com o meu vizinho de carteira, grande amigo meu, com quem tenho muitas vezes conversas cheias de ansiedade. Num sussurro, começo a contar-lhe as minhas descobertas. Sinto, entretanto, que as minhas palavras não lhe dizem nada e que não posso exprimir o que sinto. O meu amigo me escuta distraidamente, ouvindo sem dúvida apenas a metade do que digo. Percebo isso e fico ofendido; quero parar de lhe falar. Mas o alemão grandalhão, da mesa do professor, já percebeu que estamos "conversando" e que estou mostrando ao meu colega alguma coisa por baixo da carteira. Precipita-se sobre nós e, no momento seguinte, a minha querida Física está nas suas estúpidas mãos 3 Os "Ginásios" são escolas "clássicas" do governo, com sete séries, isto é, classes, para alunos de dez a dezoito anos. indiferentes. "Quem lhe deu este livro? Você não pode, de forma alguma, compreender nada do que está nele. E estou certo de que não preparou as suas lições." A minha Física está na mesa do professor. Ouço ao meu redor sussurros irónicos. Comenta-se que Ouspenski lê Física. Mas não me importo. Terei a minha Física de novo amanhã e o alemão comprido é feito de alavancas grandes e pequenas! Passam-se os anos. Estamos em 1906 ou 1907. O departamento editorial do diário A Manhã, de Moscou. Acabei de receber os jornais estrangeiros e tenho que escrever um artigo sobre a próxima Conferência de Haia. Jornais franceses, alemães, ingleses e italianos. Frases e mais frases, de simpatia, de crítica, irônicas, retumbantes, pomposas, cheias de mentiras e, pior que tudo, totalmente automáticas; frases que foram usadas milhares de vezes e que o serão de novo em ocasiões completamente diferentes, talvez contraditórias. Devo passar em revista todas essas palavras e opiniões, aparentando levá-las a sério e, em seguida, com igual seriedade, escrever algo por minha própria conta e risco. Mas o que posso dizer? Tudo é tão tedioso. Diplomatas e todos os tipos de estadistas se reunirão e discutirão, os jornais aprovarão ou não, se mostrarão simpáticos ou não. Tudo voltará a ser então como era ou ainda ficará pior. Ainda é cedo, digo para mim mesmo; talvez algo me venha mais tarde à cabeça. Pondo os jornais à parte, abro uma gaveta da minha escrivaninha, abarrotada de livros com títulos estranhos: Mundo oculto, A vida depois da morte, A Atlântida e a Lemúria, Dogma e ritual da alta magia, (4) O templo de Satã, As narrativas de um peregrino e outros mais. Esses livros e eu temos sido companheiros inseparáveis durante todo um mês, e o mundo das Conferências de Haia e os editoriais a respeito se tornam cada vez mais obscuros, estranhos e irreais para mim. Abro ao acaso um dos livros, sentindo que o meu artigo não será escrito naquele dia. Ora! Que vá para o inferno! Se houver um artigo a menos sobre a Conferência de Haia, a humanidade não perderá grande coisa. Toda essa conversa sobre a paz universal não passa de sonhos de Maniloff de construir uma ponte sobre o lago. (5) Nada poderá resultar disso, porque, antes de mais nada, os que começam essas conferências e os que irão discutir sobre a paz cedo ou tarde darão início a uma guerra. As guerras não começam por si mesmas, nem são as "pessoas" que as iniciam, por mais que sejam acusadas disso. São justamente esses homens, com as suas boas intenções, que constituem o obstáculo para a paz. Mas será [10] possível esperar que compreendam alguma vez isso? Terá alguém alguma vez compreendido a sua própria inutilidade? Ocorrem-me muitos pensamentos negativos sobre a Conferência de Haia, mas me dou conta de que nenhum deles é publicável. A idéia dessa conferência vem de esferas muito elevadas; portanto, se se vai escrever sobre ela, deve-se ser simpático, especialmente porque mesmo os nossos jornais que geralmente são mais desconfiados e críticos de tudo que vem do governo só desaprovam a atitude da Alemanha em relação à Conferência. O editor não deixaria passar, portanto, o que eu pudesse escrever, se dissesse tudo que penso. E se, por algum milagre, o fizesse, nunca o leriam. O jornal será apreendido nas ruas pela polícia e tanto o editor como eu teríamos que fazer uma viagem muito longa. Tal perspectiva não me atrai de nenhum modo. De que serve tentar desmascarar mentiras, se as pessoas gostam delas e vivem nelas? Isso é coisa delas. Mas eu estou cansado de mentir. Há mentiras suficientes sem as minhas. Mas aqui, nestes livros, há um estranho gosto de verdade. Sinto-o com especial 4 Publicados pela Editora Pensamento, São Paulo. 5 Maniloff, um sentimental proprietário de terras do romance Almas mortas, de Gogol. Forçasforça agora, porque, durante muito tempo, me mantive dentro dos limites artificiais do "materialismo", negando-me todos os sonhos sobre as coisas que não podiam ser admitidas dentro desses limites. Estivera vivendo num mundo ressecado e estéril, com um número infinito de tabus impostos ao meu pensamento. E, subitamente, esses livros estranhos puseram abaixo todas as paredes que me cercavam e me fizeram pensar e sonhar em coisas sobre as quais, por muito tempo, tivera medo de pensar e sonhar. De repente, comecei a encontrar um sentido desconhecido nos velhos contos de fadas; bosques, rios, montanhas se tornaram seres vivos; uma vida misteriosa encheu a noite; com novos interesses e novas esperanças, comecei a sonhar novamente com viagens longínquas e me lembrei de muitas coisas extraordinárias que tinha ouvido sobre antigos mosteiros. Idéias e sentimentos que há muito tinham deixado de me interessar começaram subitamente a adquirir significado e interesse. Um profundo sentido e muitas alegorias sutis surgiram do que parecia ontem apenas uma fantasia popular ingênua ou superstição grosseira. E o maior mistério e maior milagre foi que se tornou possível o pensamento de que a morte pode não existir, de que os que partiram podem não se ter desvanecido inteiramente, mas existir em algum lugar e de alguma forma, e de que talvez eu possa vê-los de novo. Acostumei-me de tal modo a pensar "cientificamente", que tenho 

medo só de pensar que possa haver algo mais por trás da camada exterior da vida. Sinto- me como um homem condenado à morte, cujos companheiros foram enforcados e que já 

se resignou com a idéia de que o mesmo destino o espera; e, de repente, vê que os seus companheiros estão vivos, que escaparam e que há esperança também para ele. E ele tem medo de acreditar nisso, porque seria tão terrível se fosse falso e não restaria mais do que a prisão e a espera da execução. Sim, sei que todos esses livros sobre a "vida depois da morte" são muito ingênuos. Mas levam a alguma parte; há algo por detrás deles, alguma coisa de que me aproximara antes; mas, na ocasião, me causara medo e fugi dela para o deserto vazio e árido do "materialismo". A "Quarta Dimensão"! Esta é a realidade que faz tempo senti vagamente, mas que me escapou então. Agora vejo o meu caminho, vejo o meu trabalho e aonde pode me levar. A Conferência de Haia, os jornais, tudo está tão longe de mim! Por que as pessoas não compreendem que são apenas sombras, apenas imagens de si mesmas, e que a vida inteira é somente uma sombra, uma imagem de uma outra vida? Passam-se os anos. [11] Livros, livros, livros. Leio, acho, perco, volto a achar e torno a perder. Finalmente, um certo todo toma forma em minha mente. Vejo a linha ininterrupta do pensamento e do saber que passa de um século a outro, de uma época a outra, de um país a outro, de uma raça a outra, uma linha profundamente escondida sob as camadas das religiões e filosofias, que são, de fato, apenas distorções e deturpações das idéias que pertencem a essa linha. Vejo uma extensa literatura cheia de significação, que eu desconhecia inteiramente até então, mas que, como agora se tomou claro para mim, alimenta a filosofia que conhecemos, ainda que raramente seja mencionada nos manuais de história da filosofia. Espanto-me agora por não ter sabido disso antes, por haver tão poucos que mal tenham ouvido falar disso. Quem sabe, por exemplo, que um baralho de cartas contém um sistema filosófico profundo e harmonioso? Isso está tão completamente esquecido, que parece quase novo. Decido escrever, falar de tudo o que descobri e, ao mesmo tempo, vejo que é perfeitamente possível fazer concordar as idéias desse pensamento oculto com os dados do conhecimento exato, e me dou conta de que a "quarta dimensão" é a ponte que pode ser estendida entre o velho e o novo conhecimento. E verifico e encontro idéias da quarta dimensão nos símbolos antigos, nas cartas do Tarô, nas imagens dos deuses indianos, nos ramos de uma árvore e nas linhas do corpo humano. Reúno material, seleciono citações, preparo resumos, com a idéia de mostrar a 


peculiar ligação interna que agora vejo entre métodos de pensamento que geralmente parecem separados e independentes. Mas, no decorrer desse trabalho, quando tudo está pronto e toma forma, começo a sentir subitamente um calafrio de dúvida e o cansaço se apoderando de mim. Bem, um livro a mais será escrito, mas, mesmo agora, quando estou apenas começando a escrevê-lo, sei como terminará. Sei o limite além do qual é impossível ir. O trabalho pára. Não posso me obrigar a escrever sobre as possibilidades ilimitadas do conhecimento, quando eu próprio já vi o limite. Os velhos métodos não servem para nada, são necessários outros. As pessoas que pensam poder alcançar alguma coisa por seus próprios esforços são tão cegas quanto as que ignoram completamente as possibilidades do novo conhecimento. Deixo de escrever o livro. Passam-se meses e me absorvo inteiramente em estranhas experiências que me levam muito além dos limites do conhecimento e do possível. Assustadoras e fascinantes sensações. Tudo adquire vida! Não há nada morto ou inanimado. Sinto as batidas da pulsação da vida. "Vejo" o Infinito. Depois, tudo desaparece. Mas, todas as vezes, digo depois a mim mesmo que isto foi e, portanto, existem coisas que são diferentes das coisas comuns. O que fica, no entanto, é tão pouco; lembro-me de maneira tão vaga do que experimentei; posso apenas me recordar de uma parte infinitesimal do que se passou. Não posso controlar nada, dirigir nada. Algumas vezes isto "vem", outras não. Por vezes, só vem o horror, outras, uma luz que cega. Às vezes, resta pouco na memória, outras, não sobra nada. Às vezes, muita coisa é compreendida, abrem-se novos horizontes, mas só por um instante. E esses instantes são tão breves, que nunca posso estar certo de ter visto algo ou não. A luz se acende e se apaga antes que eu tenha tempo de dizer a mim mesmo o que vi. E todo dia, a cada momento, torna-se mais difícil acender essa luz. Muitas vezes parece que a primeira experiência me deu tudo, que depois não houve nada a não ser uma repetição das mesmas coisas na minha consciência, apenas um reflexo. Sei que isso não é verdade e que recebo, a cada vez, alguma coisa nova. Mas é difícil livrar-me dessa idéia. E cresce a sensação de impotência que sinto diante da parede por trás da qual posso olhar por [12] um momento, mas nunca o bastante para me dar conta do que vejo. Outras experiências apenas acentuam a minha incapacidade de apreender o mistério. O pensamento não capta, não transmite o que às vezes é claramente sentido. O pensamento é lento demais, tem alcance demasiadamente limitado. Não existem palavras nem maneiras de expressar o que se vê e conhece nesses momentos. E é impossível fixá-los, retê-los, prolongá-los, torná-los mais obedientes à vontade. Não há qualquer possibilidade de lembrar o que foi encontrado e compreendido e depois repeti-lo para si mesmo. Desaparece como os sonhos desaparecem. Talvez tudo não passe de um sonho. Contudo, ao mesmo tempo, isso não é assim. Sei que não se trata de um sonho. Nessas experiências há um sabor de realidade que não se pode imitar e sobre o qual não nos podemos equivocar. Sei que tudo isso está ali. Convenci-me disso. A unidade existe. E já sei que é infinita, ordenada, animada e consciente. Mas como ligar "o que está em cima" ao "que está embaixo"? Sinto que é necessário um método. Há algo que devemos conhecer antes de começar as experiências. E cada vez com mais frequência começo a pensar que esse método só pode ser dado por aquelas escolas orientais de ioguins e sufis sobre os quais lemos e ouvimos falar, se tais escolas existem e podem ser penetradas. O meu pensamento se concentra nisso. A questão das escolas e de um método adquire uma significação predominante para mim, embora ainda não esteja clara e se ligue a uma porção de fantasias e idéias baseadas em teorias muito duvidosas. Uma coisa, no entanto, percebo com clareza: que sozinho, por mim mesmo, não posso fazer nada. Decido iniciar uma longa viagem, com a idéia de procurar essas escolas ou as pessoas que possam me indicar o caminho para chegar a elas. 

O meu caminho apontava na direção do Oriente. As viagens que fiz antes me haviam convencido de que ainda havia muito no Oriente que fazia muito tempo deixara de existir na Europa. Ao mesmo tempo, não estava de modo algum certo de que encontraria precisamente o que queria encontrar. E, acima de tudo, não podia dizer com certeza "o que" exatamente devia buscar. A questão das "escolas" (falo, é claro, das escolas "esotéricas" ou "ocultas") abrangia muita coisa que ainda não estava clara. Não punha em dúvida a existência delas, mas não podia dizer se era necessário admitir a existência física das escolas na Terra. Algumas vezes me parecia que as escolas verdadeiras só poderiam existir num outro piano e que só podíamos estabelecer contato com elas em estados especiais de consciência, sem uma mudança concreta de lugar ou condições. Nesse caso, a minha viagem se tornava inútil. Entretanto, parecia-me que deveria haver métodos tradicionais de entrar em contato com o esoterismo, ainda preservados no Oriente. A questão das escolas coincidia com a questão da sucessão esotérica. Parecia-me, às vezes, possível admitir uma sucessão histórica ininterrupta. Outras vezes me parecia que só era possível uma sucessão "mística", isto é, que a linha de sucessão se rompe na Terra, sai do nosso campo de visão. Restam apenas vestígios dela: obras de arte, crônicas literárias, mitos, religiões. Então, talvez só depois de um longo intervalo de tempo, as mesmas causas que uma vez deram origem ao pensamento esotérico começam a agir uma vez mais, e de novo começa o processo de "recolher conhecimentos", [13] criam-se "escolas" e o ensinamento antigo emerge da sua forma oculta. Isso significa que, durante o período intermediário, não poderia haver escolas plena e corretamente organizadas, mas apenas escolas imitativas ou escolas que preservam a letra da antiga lei, petrificada em formas fixas. Esse fato, no entanto, não me fez desistir. Eu estava preparado para aceitar o que os fatos que esperava encontrar me mostrassem. Havia ainda outra questão que me ocupava antes da minha viagem e durante a sua primeira parte. Poderia e deveria alguém tentar fazer algo, aqui e agora, com um conhecimento nitidamente insuficiente dos métodos, caminhos e resultados possíveis? Ao fazer essa pergunta, tinha em mente vários métodos de respiração, dieta, jejum, exercícios de atenção e imaginação e, acima de tudo, de domínio de si mesmo em momentos de passividade ou lassidão. Em resposta a essa pergunta, as minhas vozes interiores estavam divididas: "Não importa o que se faca, o que é preciso é fazer algo", dizia uma voz; "mas não se deve sentar e ficar esperando que algo venha por si mesmo". "Tudo está justamente em não fazer nada", dizia outra voz, "até que se conheça com certeza e de modo definitivo o que deve ser feito para alcançar uma meta definida. Se alguém começar a fazer algo sem saber exatamente o que é necessário e para que fim, esse conhecimento nunca chegará. O resultado será o 'trabalho sobre si mesmo' de que falam os vários livros 'ocultos' e 'teosóficos', isto é, um simulacro". Ouvindo essas duas vozes dentro de mim, eu não podia decidir qual celas estava certa. Deveria tentar ou esperar? Eu compreendia que, em muitos casos, era inútil tentar. 

Como pode alguém tentar pintar um quadro? Como se pode tentar ler chinês? Deve-se primeiro estudar e ter conhecimentos, isto é, ser capaz de fazé-lo. Dei-me conta, ao mesmo tempo, de que nesses últimos argumentos havia muito desejo de fugir das dificuldades ou, pelo menos, de adiá-las. No entanto, o receio de fazer tentativas amadorísticas de "trabalho sobre si mesmo" prevaleceu sobre o restante. Disse para mim mesmo que, na direção que eu queria ir, era impossível caminhar às cegas, que devemos ver ou saber para onde estamos indo. Além do mais, nem sequer pretendia mudanças em mim. Ia em busca de algo e, se no meio desse processo de busca, eu próprio começasse a mudar, ficaria talvez satisfeito com algo completamente diferente do que queria buscar. Parecia-me então que é justamente isso que acontece muitas vezes às pessoas no caminho da busca do "oculto". Principiam tentando vários métodos em si mesmas e depositam tanta esperança, fazem tanto trabalho e aplicam tanto esforço nessas tentativas, que, no fim das contas, recebem os resultados subjetivos de seus esforços como consequência da sua busca. Eu queria evitar isso a qualquer preço. Mas uma meta completamente diferente e quase inesperada em minha viagem começou a se esboçar desde os primeiros meses. Em quase todos os lugares a que chegava, e mesmo durante a viagem, encontrei pessoas que estavam interessadas nas mesmas idéias que eu, que falavam a mesma língua que eu, pessoas entre as quais e eu havia instantaneamente uma compreensão inteiramente singular. Até onde levaria essa compreensão especial eu era incapaz de dizer naquela época, mas nas condições e com a bagagem de idéias que eu tinha então, até mesmo tal compreensão parecia quase miraculosa. Algumas dessas pessoas se conheciam mutuamente, outras não. E senti que estava estabelecendo um vínculo entre elas, estendendo, por assim dizer, um fio que, de acordo com o plano original [14] da minha viagem, daria a volta ao mundo. Havia algo que me atraía e que estava cheio de significação nesses encontros. A cada nova pessoa que encontrava, eu falava das outras que encontrara antes, e as vezes sabia de antemão quem eu haveria de conhecer depois. São Petersburgo, Londres, Paris, Gênova, Cairo, Colombo, Galle, Madrasta, Benares, Calcutá, estavam ligadas por fios invisíveis de esperanças e expectativas comuns. E quanto mais gente eu encontrava, mais esse lado da viagem me atraía. Era como se brotasse disso uma sociedade secreta, sem nome, forma ou leis convencionais, mas estreitamente ligada pela comunidade das idéias e da língua. Muitas vezes pensei no que eu próprio tinha escrito no Tertium Organum sobre os elementos de uma "nova raça". Parecia-me que não tinha estado longe da verdade e que há realmente em pleno andamento a formação, se não de uma nova raça, pelo menos de alguma categoria nova de homens, para a qual existem valores diferentes dos das outras pessoas. Em relação com esses pensamentos, voltei novamente à necessidade de pôr em ordem e de estruturar de modo sistemático o que, dentro da totalidade do nosso conhecimento, leva a "novos fatos". Decidi que, depois do meu regresso, retomaria o trabalho interrompido do meu livro, mas com novas metas e novas intenções. Comecei, ao mesmo tempo, a fazer certas conexões na índia e no Ceilão, e me pareceu que, em pouco tempo, poderia dizer que havia encontrado fatos concretos. Mas chegou uma luminosa manhã ensolarada, na qual, regressando da índia, estava no convés do vapor que vai de Madrasta, contornando o Ceilão pelo sul. Era a terceira vez que me aproximava do Ceilão, nesse período, cada vez de uma direção diferente. A praia rasa com colinas azuis ao longe mostrava simultaneamente o que nunca se poderia ver estando lá. Através de meu binóculo pude ver o trenzinho de brinquedo a caminho do Sul e, ao mesmo tempo, várias estações de brinquedo, que pareciam estar quase uma ao lado da outra. Eu sabia até os seus nomes: Kollupitiya, Bambalapitiya. Weilawatta e outras. A aproximação de Colombo me comovia. Ia saber ali: primeiro, se encontraria novamente o homem que conhecera antes da última viagem à índia e se ele repetiria a proposta que me fizera para encontrar certos ioguins, e, em segundo lugar, aonde iria depois: deveria voltar para a Rússia ou seguiria para Burma, Sião, Japão e América. Mas não esperava o que. na realidade, encontrei. A primeira palavra que ouvi ao desembarcar foi: Guerra. 

Começaram então os dias estranhos e confusos. Todas as coisas foram lançadas na confusão. Mas eu já sentia que a minha busca, num certo sentido, estava terminada e compreendi então por que sentira o tempo todo que era necessário me apressar. Um novo ciclo estava começando. Era ainda impossível dizer como ele seria e a que levaria. Só uma coisa estava clara desde o início: o que foi possível ontem tornou-se impossível hoje. Toda a lama estava se levantando desde a base da vida. Todas as cartas se misturavam. Todos os fios estavam cortados. Só restava o que eu estabelecera para num mesmo. Ninguém podia tirar isso de mim. E só isso poderia me levar adiante. 

1914-1930 

Para receber livros como este e para participar de nossos grupos de estudo, leitura ou terapia, mande uma mensagem para o WhatsApp (79)991316067 ou Telegram (79)988335718.

 

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Um Novo Modelo do Universo-o método de conhecer lógico, o psicológico e o esotérico

Do Livro 
Um Novo Modelo do Universo
Por P. D. Ouspensky 

PREFACIO À SEGUNDA EDIÇÃO

Um dos críticos americanos da primeira edição do Um novo modelo do universo 
observa que duas idéias deste livro apresentavam para ele dificuldades especiais: a do 
esoterismo e a do método psicológico.
Não se pode negar que, de modo geral, essas idéias estão muito distantes do 
pensamento moderno.
Mas, como não há nenhum sentido em ler o meu livro sem ter alguma noção do 
significado dessas duas idéias, tentarei mostrar aqui maneiras de abordá-las.
Ambas exigem, antes de tudo, o reconhecimento do fato de que o pensamento 
humano pode funcionar em níveis muito diferentes.
A idéia do esoterismo é sobretudo a idéia de uma inteligência superior. Para ver 
claramente o que isso quer dizer, devemos nos dar conta, antes de tudo, de que a nossa 
inteligência comum (incluindo a dos gênios) não é a categoria mais alta da inteligência 
humana. Esta pode ascender a um nível quase inconcebível para nós, e podemos ver os 
resultados do trabalho de uma inteligência superior, aqueles que nos são mais acessíveis, 
nos Evangelhos e, em seguida, nas Escrituras do Oriente — Upanishads, Mahabharata —
, em obras de arte, como a Grande Esfinge de Gizeh, e nas crônicas, embora eles sejam 
poucos na literatura e na arte. A verdadeira avaliação do significado dessas crônicas, e de outras similares, e a compreensão da diferença entre elas e outras, criadas pelo homem comum ou até mesmo por um gênio, exigem experiência, conhecimento e um treinamento 
especial da inteligência e do discernimento e, talvez, faculdades especiais que ninguém possui. Seja como for, não se pode provar nada.
De modo que, o primeiro passo para compreender a idéia de esoterismo é dar-se 
conta de que existe uma mente superior, isto é, uma mente humana, mas que difere da 
mente comum tanto quanto, digamos, a mente de um adulto inteligente e educado difere 
da mente de uma criança de seis anos. Um gênio é apenas um "Wunderkind". (1) 
O homem de mente superior é dotado de um novo conhecimento, que o homem comum, por 
mais inteligente e sagaz que seja, não pode ter. Este é o conhecimento esotérico.
É irrelevante se existem atualmente ou se sempre existiram pessoas de mente 
superior ou se elas surgem na Terra somente a grandes intervalos. O ponto importante é que elas existem e que podemos entrar em contato com as suas idéias e, através destas, com o conhecimento esotérico. Essa é a essência da idéia do esoterismo.
Para compreender o que quero dizer com a expressão "método psicológico", é 
necessário entender primeiramente que a mente do homem comum, a única que 
conhecemos, também pode trabalhar em níveis muito diferentes e, em seguida, encontrar 
a relação do "método psicológico" com o "método esotérico". [1]
Podemos ver diferentes níveis de pensamento na vida comum. A mente mais
comum, que chamaremos de mente lógica, é suficiente para todos os problemas simples
da vida. Podemos construir uma casa com essa mente, obter comida, saber que dois e
dois fazem quatro, que o "rio Voiga deságua no mar Cáspio" e que "os cavalos comem
aveia e feno". Assim, colocada no seu devido lugar, a mente lógica é perfeita e muito útil.
Mas, quando ela se depara com problemas grandes demais e não se detém diante deles,
mas se mete a resolvê-los, inevitavelmente fracassa, perde o contato com a realidade e
se torna, de fato, "imperfeita". A humanidade deve a essa "mente imperfeita" e a esse
"método imperfeito" de observação e raciocínio todas as superstições e falsas teorias, que
começam com a idéia do "demônio com pés de pato" e terminam no marxismo e na
psicanálise.
No entanto, uma mente lógica, que conhece a sua limitação e é bastante forte para
resistir à tentação de se aventurar por problemas que estão além do seu poder e das suas capacidades, torna-se uma "mente psicológica". O método que ela utiliza, isto é, o método
psicológico, é, antes de mais nada, um método para distinguir as diferenças entre os níveis de pensamento e para dar-se conta do fato de que as percepções mudam de
acordo com os poderes e propriedades do aparato perceptor. A mente psicológica pode
ver as limitações da "mente lógica" e os absurdos da "mente imperfeita", pode
compreender a realidade da existência de uma mente superior e de um conhecimento
esotérico, e vê-los nas suas manifestações. Isto é impossível para uma mente apenas
lógica.
Se um homem de mente lógica ouve falar de esoterismo, quererá imediatamente
saber onde estão as pessoas que pertencem ao círculo esotérico, quem as viu, e quando
e como ele próprio as poderá encontrar. E se ouvir dizer que para ele isso não é possível,
dirá então que tudo não passa de ura contra-senso e não existe absolutamente nenhum
círculo esotérico. Logicamente ele estará completamente certo, mas psicologicamente é
claro que, com tais exigências, não irá longe nas suas relações com o esoterismo. Um
homem deve estar preparado, deve dar-se conta da limitação de sua própria mente e da
existência de outra mente melhor.
As idéias esotéricas, isto é, as que provêm de uma mente superior, tampouco dirão
muito a um homem lógico. Ele perguntará, por exemplo: onde estão as provas de que os
Evangelhos foram escritos por pessoas de mente superior?
Onde, realmente, estão as provas? Elas estão ali, por toda parte, em cada linha e
em cada palavra, mas só para os que têm olhos para ver e ouvidos para ouvir. Mas a
mente lógica não pode ver nem ouvir além de uma distância muito pequena ou das coisas
mais elementares.
A limitação da mente lógica a toma impotente, mesmo diante de problemas muito
simples da vida corrente, desde que ultrapassem os limites de sua escala habitual.
O homem de mente lógica que exige provas de tudo, na época atual, por exemplo,
procura a causa da crise econômica e política mundial em toda parte, exceto onde ela
efetivamente está.
E mesmo que lhe dissessem que as causas da crise estão no governo soviético
russo e no reconhecimento e sustentação desse governo por outros governos, ele jamais
o compreenderia. Está acostumado a pensar de um certo modo e é incapaz de pensar
diferentemente. Para ele, os bolchevistas são um "partido político" como outro qualquer e
o Governo Soviético é um "governo" como qualquer outro. Ele é incapaz de ver que este é
um fenômeno novo, diferente de tudo o que viu antes. [2]
Onde estão as provas disso? perguntaria ele.

E jamais perceberá que isso não necessita de prova alguma. Exatamente do mesmo modo que não haverá nenhuma necessidade de provas para o inevitável aparecimento da peste na sua casa, quando há peste na casa defronte, contra a qual não tenha sido
tomada de imediato nenhuma providência. Mas um homem de mente lógica não pode ver
que a Rússia Soviética é uma casa empestada. Prefere acreditar na "maior experiência
social da história" ou na "evolução do bolchevismo" ou nos "bolchevistas abrindo mão da
propaganda"; como se a peste pudesse "abrir mão" da propagação e fosse possível fazer
negociações, tratados e "pactos" com ela. Nesse caso específico, é claro, o homem de
mente lógica erra quase conscientemente, porque não pode resistir à tentação de tirar
vantagem da oportunidade de extrair um lucro da casa empestada. O resultado inevitável
é que a peste aparece na sua casa. Contudo, mesmo quando ela surge, ele ainda não
quer compreender de onde ela vem e exige "provas".
Mas as "provas" nem sempre são, de forma alguma, necessárias para se aceitar ou
negar uma dada proposição. Há "provas psicológicas" que têm muito mais significação do
que os fatos, porque estes podem enganar e as provas psicológicas não. Mas devemos
ser capazes de reconhecê-las.
A expressão "método psicológico" deriva de "provas psicológicas". Com base
nestas, é possível ver as falhas do pensamento lógico em áreas inacessíveis a ele ou em
questões demasiado grandes para ele, e, de uma forma exatamente igual, é muitas vezes
possível perceber a direção em que estão as soluções prováveis para problemas que
parecem ser insolúveis ou que dão mostras disso. Não quer dizer, porém, que, com o
auxílio do método psicológico, sempre será possível encontrar soluções para problemas
difíceis ou grandes demais para a mente lógica. As soluções verdadeiras só podem vir de
uma mente superior que possua um conhecimento superior, isto é, do esoterismo. É esta
a diferença entre o método psicológico e o método esotérico.
Tentemos imaginar os quatro métodos de observação e raciocínio em relação ao
cômodo onde estou escrevendo estas coisas. O método defeituoso baseia-se numa
olhadela do cômodo feita através do buraco da fechadura ou de uma estreita fenda; sua
principal característica é a certeza de que o que se vê através do buraco ou da fenda
representa tudo o que há no cômodo e que não há nem pode haver nada mais nele, salvo
o que é visível dessa maneira. Em virtude de certa imaginação e de uma tendência à
superstição, o método defeituoso pode transformar um cômodo comum em algo muito
estranho ou prodigioso.
O método lógico é baseado numa olhadela do cômodo realizada de um ponto, um
ângulo definido, e geralmente sem iluminação suficiente. Uma confiança excessiva nele e
a defesa desse ângulo de visão tomam o método lógico deficiente.
Comparado aos dois primeiros, o método psicológico seria uma visão do cômodo à
luz do dia, percorrendo-o em várias direções, conhecendo os objetos que existem nele, e
assim por diante. É bem evidente que, dessa maneira, é possível aprender mais sobre o
cômodo do que pelo método lógico e encontrar muitos equívocos e conclusões erradas do
método defeituoso.
O método esotérico de abordagem do estudo do cômodo abrangeria não só todo o
cômodo, com tudo o que encerra, mas toda a casa, todas as pessoas dentro dela, com
todas as suas relações e ocupações; e, posteriormente, a posição da casa na rua, desta
na cidade, desta no país, deste na Terra, desta no sistema solar, etc. O método [3] todo
esotérico não é limitado por coisa alguma, e relaciona sempre cada coisa, por mais
insignificante que seja, com o todo.
Exemplos de pensamento "psicológico", "lógico" e "defeituoso" abundam à nossa
volta. Ocasionalmente, nos deparamos, na ciência, com o método psicológico. Na própria
Psicologia, o "método psicológico" leva, de maneira inevitável, ao reconhecimento do fato
de que a consciência humana é simplesmente um exemplo particular da consciência e de
que existe uma inteligência muitas vezes superior à inteligência do homem comum. E só
uma psicologia que parte dessa proposição e a tem como seu fundamento pode ser
chamada científica. Noutras esferas de conhecimento, o pensamento psicológico está na
raiz de todas as descobertas autênticas, mss este não dura muito tempo. Quero dizer
que, assim que as idéias encontradas e estabelecidas pelo método psicológico se tomam
propriedade de todos e começam a ser consideradas permanentes e aceitas, tomam-se
lógicas e, na sua aplicação a fenômenos de maior porte, defeituosas. Darwin, por
exemplo; suas descobertas e idéias foram produto de um pensamento psicológico de
qualidade muito elevada. Mas seus seguidores as tornaram lógicas e, mais tarde, elas se
tornaram indubitavelmente defeituosas, porque se plantaram no caminho do livre
desenvolvimento do pensamento.
É exatamente isso que o Dr. Stockmann, de Ibsen, quer dizer ao falar das verdades
que envelhecem.
"Há verdades", diz ele, "que alcançaram uma idade tal, que realmente sobreviveram
a si mesmas. E, quando se tornam velhas assim, estão a caminho de se transformar em
mentira... Sim, é verdade, acredite ou não em mim, mas as verdades não vivem tanto
quanto Matusalém, como imaginam as pessoas. Uma verdade normalmente elaborada
vive, em regra, digamos, de quinze a dezesseis anos; no melhor dos casos, vinte,
raramente mais do que isso. Mas essas verdades que envelhecem se tornam murchas e
rijas. E a maioria das pessoas, criadas, antes de tudo, por elas, posteriormente as
recomendam à humanidade como um alimento espiritual sadio. Podemos, no entanto,
assegurar que não há nenhum valor nutritivo nesse alimento. Posso falar disso como um
médico. Todas as verdades pertencentes à maioria são como toucinho velho e rançoso,
ou presunto cru estragado, e deles deriva todo o escorbuto moral que grassa na vida das
pessoas que nos cercam".
Não se pode expressar melhor a idéia da degenerescência das verdades aceitai. As
verdades que envelhecem tomam-se decrépitas e duvidosas. Podem às vezes ser
utilizadas artificialmente, mas não têm vida. Isso explica por que, quando as pessoas
ficam desapontadas com as novas idéias, o retorno às velhas não ajuda muito. As idéias
podem ser velhas demais.
Noutros casos, porém, as idéias velhas podem ser mais psicológicas do que as
novas. As novas idéias podem ser lógicas demais e, por isso, defeituosas.
Podemos ver, em várias reformas "intelectuais" dos velhos hábitos e costumes,
muitos exemplos curiosos do conflito entre o pensamento psicológico e o lógico, que se
toma então necessariamente defeituoso. Considerem, por exemplo, as reformas dos
pesos e medidas. Estes foram criados através dos séculos e diferem de país para país;
parecem, à primeira vista, ter adquirido uma ou outra forma por acaso e serem
demasiadamente complicados. Mas, na realidade, baseiam-se sempre num princípio
definido. Em cada classe separada de coisas ou materiais a medir, usa-se um divisor (ou
multiplicador) diferente, às vezes muito complexo, como no sistema inglês de pesos — 16 onças por libra, 14 libras por stone para pesos comparativamente pequenos, e, para os
maiores, 28 libras por um quarto, 112 libras por quintal, 20 quintais [4] por tonelada; ou, por
exemplo, um simples multiplicador, como 8, na medida russa para grãos, que nunca se
repete em relação a qualquer outra coisa. Trata-se de um autêntico método psicológico
criado pela vida e pela experiência, porque, graças a coeficientes diferentes em situações
diversas, uma pessoa, fazendo cálculos mentais envolvendo a medição de materiais
diferentes, não pode confundir objetos de denominações diferentes ou as medidas de
países diferentes (se tiver de lidar com medidas de outras nações), porque cada categoria
de multiplicador lhe indica por si mesma o que está sendo medido e com que medida.
Quem não gosta desses antigos e complicados sistemas são os professores primários
que, como sabemos bem, são as pessoas mais lógicas do mundo. Os pesos e medidas
diferentes parecem a eles desnecessariamente confusos.
Em 1793, a Convenção Nacional decidiu substituir as medidas francesas existentes 
por uma medida "natural".
 Após longas e complexas atividades e pesquisas científicas,
reconheceu-se essa medida — que foi chamada metro — como sendo a décima
milionésima porção da quarta parte do meridiano terrestre.
Não existe prova direta disto, mas estou certo de que a idéia de uma medida
"natural" e o sistema métrico nasceram da cabeça dos professores de aritmética, porque
é muitíssimo mais fácil dividir e multiplicar tudo por dez, tendo abolido todos os outros
divisores e multiplicadores. Todavia, para todas as necessidades da vida quotidiana, o
sistema métrico de pesos e medidas é muito menos prático do que os antigos sistemas, e
debilita, num grau considerável, a capacidade humana de efetuar cálculos mentais
simples, fato muito observado em países que adotaram o sistema métrico. Todos os que
estiveram alguma vez na Franca se recordam do lápis e do papel dos lojistas, no qual
muitas vezes se escrevia , mas pouquíssimos sabem que esta é uma das conquistas
da Grande Revolução Francesa.
Ocorre exatamente a mesma coisa, nas tentativas de modificar a antiga ortografia.
Todas as grafias devem, sem dúvida, se adaptar às novas exigências, digamos, uma vez
em cada cem anos, e isso se dá por si mesmo, de modo natural. Mas as reformas
violentas e a introdução da chamada ortografia "fonética" (apenas chamada, porque a
ortografia fonética autêntica é impossível em qualquer língua) transtorna geralmente o
rumo total do desenvolvimento normal de uma língua e, em pouco tempo, as pessoas
começam a escrever de maneiras diferentes e, em seguida, a pronunciar de modos
diversos, isto é, a adaptar a pronúncia à nova ortografia. Este é o resultado da aplicação
do método lógico a um problema que vai além dos limites da sua ação possível. E a razão
disso é muito evidente: o processo de ler e escrever não é um processo de ler e escrever
letras. É um processo de ler e escrever palavras e sentenças. Conseqúentemente, quanto
mais as palavras diferem na sua forma e aparência, tanto mais fácil é o processo de ler e escrever, e quanto mais se assemelham uma a outra (como é inevitável na ortografia
"fonética"), tanto mais lento e difícil é o processo de ler e escrever. É bem possível que
seja mais fácil ensinar a ortografia "fonética" do que a normal, mas, para o resto da sua
vida, o homem que foi ensinado desse modo fica com um instrumento muito insatisfatório
para conhecer as idéias dos outros e expressar as suas.
É justamente isto o que está acontecendo hoje na Rússia. Pouco antes da
revolução, uma comissão de professores (nesse caso, não há dúvida alguma quanto a
isso), sob a presidência do reitor da Universidade de Moscou, foi formada para investigar
os meios de reformar a ortografia. Essa comissão elaborou uma "nova ortografia" [5] muito
absurda, absolutamente incompatível com a língua russa, violando todos os princípios de
gramática e contrariando todas as leis do desenvolvimento natural da língua. Tal
"ortografia" jamais teria sido aceita, se a Academia e os círculos literários tivessem tido
tempo para expressar a sua opinião sobre ela, isto é, se não tivesse ocorrido a revolução
justamente nessa ocasião. Mas, assumindo o poder, os boichevistas instituíram essa
nova "ortografia". E, sob a sua influência, a língua imediatamente começou a se deteriorar
e a perder a sua força e clareza. Se a ortografia "fonética" tivesse sido introduzida nos
países que falam o inglês, essa língua teria muito rapidamente desaparecido e vinte ou
trinta variedades de inglês corrompido teriam ocupado o seu lugar.
Outro exemplo interessante do método lógico em oposição ao psicológico, exemplo
aceito hoje de forma quase geral em vários países, é a co-educação de meninos e
meninas. Logicamente, a co-educação se afigura inteiramente correta, mas, do ponto de
vista psicológico, é completamente errada, porque, por esse sistema, tanto os meninos
quanto as meninas perdem igualmente os seus traços característicos, especialmente os
que deveriam ser desenvolvidos neles, e adquirem outras características que nunca
deveriam ter. E, além disso, ambos aprendem a mentir infinitamente mais do que
poderiam fazê-lo mesmo nas melhores escolas do estilo antigo.

Vejamos outros exemplos. Que coisa poderia ser mais lógica do que a Santa
Inquisição, com as suas torturas e queima de hereges: ou o bolchevismo, que começa por
destruir escolas, universidades e institutos técnicos, cortando as verbas destinadas à
preparação dos especialistas necessários à nova industrialização tão apregoada? Se isso
não é assim, por que então os bolchevisias precisam de engenheiros estrangeiros? Nesse
aspecto, a Rússia, durante um largo período, viveu à base dos seus próprios recursos. E,
além disso, o que pode ser mais lógico e, ao mesmo tempo, mais infrutífero do que todas
as possíveis proibições, como a experiência americana de proibir as bebidas alcoólicas?
E o que pode ser mais fácil? Qualquer louco, tendo o poder nas mãos, pode encontrar
algo que proibir e, dessa forma, revelar a sua vigilância e boas intenções. Tudo isso é o
resultado do método lógico. O perigo deste método, em todas as esferas possíveis da
vida, reside no fato de que, à primeira vista, é o método mais fácil e eficaz.
O método psicológico é muito mais difícil e, ademais, muitas vezes muito
decepcionante, porque, servindo-se dele, percebemos que não compreendemos nada e
não sabemos o que fazer. Ao passo que, com o método lógico, sempre compreendemos
tudo e sempre sabemos o que fazer.
Queira participar de nossos grupos de estudo, leitura ou terapia mande uma mensagem para o WhatsApp (79)991316067 ou Telegram (79)988335718.

 


 
   CURSO GRATUITO: