quarta-feira, 23 de julho de 2025

A Concepção de Liberdade em Dostoiévski




A liberdade, para Dostoiévski, é um mistério teológico e existencial. Ela está no centro de sua teodiceia: se Deus criou o homem livre, então o mal é o preço do amor autêntico. Isso está claramente articulado em obras como Os Irmãos Karamázov, especialmente no “Grande Inquisidor”.


Algumas ideias centrais:

Liberdade como dom divino perigoso: o homem livre pode negar Deus, fazer o mal, se perder. Mas sem essa liberdade, o amor e a redenção seriam impossíveis.

Liberdade como prova e via para a salvação: a verdadeira liberdade é interior, espiritual, e só se realiza plenamente na relação com Cristo.

Crítica ao coletivismo e ao igualitarismo coercitivo: para Dostoiévski, qualquer sociedade que promete o paraíso na terra mediante a anulação da liberdade — como o socialismo — é, em última instância, anticristã.


Conexões entre o Libertarianismo e a Liberdade Cristã em Dostoiévski


A. Contra o Estado salvador


O libertarianismo vê o Estado como um ente coercitivo que tende a expandir-se e violar liberdades. Em O Grande Inquisidor, Dostoiévski profetiza justamente isso: o Estado (aqui representado pela Igreja degenerada) oferece “pão”, “milagre” e “autoridade” em troca da liberdade. Mas o Cristo silencioso, que se recusa a usar o poder para coagir, representa a verdadeira liberdade.


Assim, o cristianismo de Dostoiévski é incompatível com o estatismo, porque vê no Estado salvador uma forma de Anticristo: “eles nos agradecerão por libertá-los da liberdade”.


B. A liberdade cristã contra e a falsa autonomia secular


O libertarianismo, especialmente em suas formas mais seculares, tende a idolatrar a autonomia absoluta. Dostoiévski alerta contra isso: o homem que se autoproclama “livre” e rejeita qualquer verdade superior torna-se escravo de si mesmo, da carne, do vício — ou, paradoxalmente, do Estado.


No entanto, há um ponto de contato aqui: ambos rejeitam a coerção externa como via legítima de redenção. O libertarianismo rejeita a coerção estatal; Dostoiévski rejeita a salvação forçada. A verdadeira transformação só pode vir de dentro, pela consciência e pela graça.


C. Lutero e a revolta contra a mediação autoritária


Lutero, ao romper com Roma, fez um gesto de libertação espiritual: o indivíduo não precisa mais da mediação da Igreja para acessar a Escritura e a graça. Essa ênfase na responsabilidade individual diante de Deus ecoa em Dostoiévski — embora ele, como ortodoxo, critique os excessos do individualismo protestante.


Contudo, há uma ironia importante: a Ortodoxia Oriental, à qual Dostoiévski pertence, preserva uma concepção mais mística e comunitária da liberdade — onde a obediência voluntária ao amor divino é o ápice da liberdade, não sua negação.


Assim, o modelo ideal não é a autonomia moderna (faço o que quero), mas a kenosis cristã (entrego-me livremente ao amor, mesmo se isso implicar sofrimento).



Conclusão


O libertarianismo político oferece uma crítica valiosa à coerção estatal, que Dostoiévski compartilharia quando essa coerção pretende abolir a liberdade moral e espiritual do homem. Ambos se opõem à tirania disfarçada de filantropia. Ambos desconfiam das utopias construídas com o sacrifício da liberdade.


No entanto, a liberdade cristã em Dostoiévski vai além da liberdade negativa (ausência de coerção): ela é uma liberdade para amar, sofrer, perdoar e buscar a verdade — mesmo que isso contrarie o conforto, o consenso ou o “bem comum”.


Portanto, o cristianismo de Dostoiévski oferece ao libertarianismo secular o que ele não pode dar a si mesmo: uma razão transcendente para a dignidade inviolável da liberdade humana — e uma advertência: sem Cristo, o homem livre é apenas um lobo para si mesmo.


Yuri Fagundes 


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