terça-feira, 24 de outubro de 2023

Sobre o livro A LEI - POR QUE AS IDEIAS DE ESQUERDA NÃO FUNCIONAM?


INTRODUÇÃO 

Eduardo Levy*

POR QUE AS IDEIAS DE ESQUERDA NÃO FUNCIONAM?

Que o tamanho reduzido desta obra não engane ninguém: parafraseando Churchill, nunca na história das ideias humanas tanto foi dito com tão poucas palavras. O livro que o leitor tem em mãos é um tesouro; concebido como um panfleto, e não como tratado científico, expõe e desenvolve, com clareza raras vezes igualada, ideias de filósofos menos acessíveis, como John Locke e Adam Smith. 

Mas não pense que A lei é uma peça de museu ou mera curiosidade histórica: publicado na França em 1850, o livro é tão importante e atual hoje quanto foi na época de sua publicação, pois, em grande medida, como os extensos comentários ao texto pretendem mostrar, os problemas de Bastiat são os nossos problemas e seus inimigos são os nossos inimigos. O argumento central do livro é bastante simples: os homens têm certos direitos naturais que precedem toda a legislação escrita. São eles a vida, a liberdade e a propriedade. Para proteger esses direitos, todo homem tem direito de se proteger de quem os ameaça, isto é, à legítima defesa. 

A lei, que aqui significa às vezes o Estado, às vezes a Constituição, é a organização coletiva do direito à legítima defesa; sua função, seus limites e sua legitimidade derivam do direito individual à legítima defesa. Em outras palavras, a única função da lei é fazer com que reine a justiça — na verdade, impedir que reine a injustiça. Qualquer outro uso que se dê à lei contradiz e impede o direito à legítima defesa, pois, necessariamente, ferirá a vida, a liberdade ou a propriedade.

Quando a lei extrapola essas funções, ocorre opressão ou espoliação legal. Embora “espoliação”, em bom português, signifique roubo, a palavra tem, tanto no português quanto no francês, um significado jurídico preciso, segundo o Houaiss, de: “ato de privar alguém de algo que lhe pertence ou a que tem direito por meio de fraude ou violência”, e é nesse sentido que Bastiat a emprega. 

Espoliação, ele explica, ocorre sempre que a lei tira de alguém o que lhe pertence para dar a outro a quem não pertence, agindo de modo tal que um cidadão, se agisse do mesmo modo, cometeria um crime. Quando a lei começa a ser usada como instrumento de espoliação, a atividade legislativa se torna uma disputa entre vários grupos para se apoderar dela e espoliar os outros. Nesse caso, a liberdade é ferida, a prosperidade é impedida e a estabilidade é impossível. 

No entanto, constata Bastiat, é precisamente isso que ocorre em toda a parte: a corrupção da lei, posta a serviço de todo tipo de cobiça. Esse é o fenômeno analisado no livro. Para Bastiat, a liberdade só é liberdade quando é negativa, isto é, quando é ausência de coerção e obstáculo; ela não dá nada propriamente, apenas impede que algo seja tirado de alguém. (Mais sobre a diferença entre liberdade negativa e positiva nos comentários ao texto.) 

Assim, naturalmente, Bastiat via a maior ameaça à liberdade no ente que detém o uso da força e, portanto, o poder de exercer coerção e impor obstáculos: o Estado. Por isso, volta-se contra todos aqueles que querem dar mais poder ao Estado: os intervencionistas, os planejadores, os protecionistas e os socialistas. 

Desde 1850, muita água rolou: os planejadores e os socialistas vieram a controlar metade do mundo, o que resultou não apenas em opressão e miséria, como previsto por Bastiat, mas também na morte de 100 milhões de pessoas, como pode ser visto com mais detalhes em O livro negro do comunismo (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999). Os países que se tornaram ricos foram aqueles que mais apostaram na liberdade tal como descrita por Bastiat; índices baseados em critérios objetivos mostram correlação direta entre liberdade econômica e riqueza, progresso e justiça social (Como pode ser visto no Index of Economic Freedom [Índice de Liberdade Econômica], disponível em www.heritage.org/index/). 

Assim, este livro teve o melhor destino que um livro teórico pode ter: a prática provou que ele estava certo em um grau muito maior do que seu autor poderia imaginar. No entanto, a legislação em vigor hoje em países supostamente democráticos seria descrita por Bastiat como socialista, como um sistema de espoliação organizado e muito mais amplo do que poderia imaginar em seus piores pesadelos. Não é de se espantar, pois, que a política nesses países não passe de uma disputa entre diversos grupos de interesse para se apoderar da lei e espoliar em seu próprio favor: não existe mais o “bem comum”, apenas o bem dos grupos específicos. Além disso, quase todos esses países têm dívidas astronômicas, sistemas previdenciários insustentáveis no longo prazo e vivem a um passo do caos social. 

Examinem-se profundamente as causas de tal cenário e ficará provado que Bastiat estava certo. Com relação ao Brasil, ele estava mais certo ainda: o país ocupava a 122 a posição no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation em 2016, mais perto da Venezuela (176 a ) e da Coreia do Norte (178 a ) do que do Chile (7 a ). 

A posição não é inexplicável: nossa constituição garante mais “direitos” que quase qualquer outra no mundo; o Estado se mete em todos os aspectos da vida econômica e privada, desejando regular até mesmo o que o cidadão pode comer; abrir uma empresa exige enfrentar uma burocracia tão vasta que é tarefa quase impossível; mantê-la aberta então é ainda pior; nossa legislação trabalhista é tão restritiva que joga mais da metade dos trabalhadores para a informalidade, em um sistema de microempresas que nada mais é que uma forma de fugir dos encargos trabalhistas; nossa legislação tributária é tão complexa que nem os especialistas a dominam; nosso governo é dono de centenas de empresas e dispõe de mais cargos comissionados (23 941) que países com orçamento muito maior, como os eua (8 000) e a França (4 800). 

Embora o cenário venha piorando nos últimos anos, desde a formação do país sempre esteve impregnada na nossa cultura a ideia de que o Estado é a fonte de todos os bens e o responsável por todos os males, devendo controlar tudo, regularizar tudo, intrometer-se em tudo. Diante disso, não seria surpresa nenhuma para Bastiat, nem será para quem ler este livro, nossa extraordinária instabilidade política. Será que já não é hora de mudar de rumo e seguir um caminho simples, de eficácia amplamente comprovada, para a prosperidade e a justiça? 


BASTIAT E O LIBERALISMO CLÁSSICO 

Claude Frédéric Bastiat nasceu em 30 de junho de 1801, em Bayonne, França. Filho de um rico comerciante, foi criado por um tio, pois sua mãe morrera quando tinha sete anos e seu pai, quando tinha nove. Deixou a escola sem se formar aos dezessete anos para trabalhar na firma comercial do tio. Logo depois, descobriu o liberalismo clássico e começou a estudar economia. 

Publicou vários trabalhos em defesa do livre-comércio e lançou, em Paris, em 1846, Le Libre Échange, um jornal dedicado a essa causa. Em 1848, tornou-se deputado da Assembleia Constituinte, mas acabou renunciando em 1850 devido ao estado deteriorado de sua saúde. 

Morreu em 24 de dezembro de 1850, de tuberculose, em Roma, aos 49 anos. Um dos economistas mais influentes de todos os tempos, Bastiat deixou uma extensa obra dedicada à defesa da liberdade e à contestação de várias falácias econômicas, além de ter formulado ou aprofundado conceitos como o custo de oportunidade, a falácia da janela quebrada e a lei das consequências não intencionais. 

Embora Bastiat tenha feito contribuições originais ao liberalismo clássico em centenas de artigos e alguns livros, A lei é, antes de tudo, uma exposição e um resumo extremamente claro e didático, além de uma aplicação a diversos casos concretos das ideias de outros pensadores, notadamente John Locke e Adam Smith. Assim, este livro serve como uma excelente introdução ao liberalismo clássico, corrente político-econômica para a qual a liberdade individual é o valor político fundamental e o principal promotor da riqueza, da dignidade e do progresso. 

Desse modo, os liberais clássicos defendem o individualismo, a democracia representativa, os direitos civis, a propriedade privada e o mínimo de intervenção estatal possível na economia e na vida privada dos cidadãos. Para eles, cada pessoa, ao buscar satisfazer seus próprios interesses, contribuirá para a riqueza geral da sociedade, e as interações livres entre as pessoas no mercado são o melhor regulador possível da atividade econômica. 

Entre os herdeiros intelectuais mais proeminentes do liberalismo clássico estão a Escola Austríaca (que tem Ludwig von Mises e Friedrich Hayek entre seus representantes), a Escola de Chicago (da qual faz parte Milton Friedman) e os libertários ou anarcocapitalistas (que inclui Murray N. Rothbard). Embora haja diferenças substanciais entre eles, todos compartilham os mesmos princípios fundamentais. 

Aqui se deve fazer uma distinção importante: o termo “liberal” designa e designou historicamente muitas visões diferentes, às vezes, até opostas. Nos Estados Unidos, veio a significar algo muito diferente do que queremos dizer neste livro com “liberal” e do que isso significa na Inglaterra e no Brasil.

Originalmente, “liberal” é quem defende a economia de mercado, as liberdades individuais e o mínimo de intervenção estatal na economia e na vida privada. No entanto, nos Estados Unidos, passou a significar precisamente o oposto: pessoas que defendem uma presença forte do Estado tanto na economia quanto na vida privada, além de limitações à economia de mercado. Muitas vezes, em livros e artigos, o termo é traduzido de modo incorreto para o português como “liberal”, sem alterações, causando sérios mal-entendidos. 

Por isso, é preciso prestar atenção à linguagem: muitas vezes, “liberal” quer dizer “de esquerda”. Em consequência, alguns liberais passaram a se referir a si mesmos como conservadores, libertários ou anarcocapitalistas. Essas três palavras, no entanto, também têm significados próprios e podem designar visões muito diferentes do liberalismo. Estamos, aqui, em uma verdadeira Torre de Babel. 

Por fim, ainda que o liberalismo, por razões de que não convém tratar aqui, tenha péssima fama, a realidade não cessa de lhe dar razão: os países ricos e prósperos, onde há menos pobreza e melhor qualidade de vida para todos são aqueles onde vigora o capitalismo, em que a intervenção estatal é a menor possível e a liberdade individual é valorizada. 

O Índice de Liberdade Econômica da Fundação Heritage não deixa dúvidas quanto a esse ponto. A simples observação mostra que os países mais ricos do mundo são os mais liberais, assim como são países em franco desenvolvimento. Os chamados “Tigres Asiáticos” enriqueceram em pouco tempo ao aplicar o receituário liberal. O Chile é um dos países mais desenvolvidos da América Latina (43 o lugar em idh, enquanto o Brasil está no 75 o ) e é o único a aplicar o receituário liberal há décadas. 

Há exemplos negativos: a maior tentativa da história humana de planejar todos os aspectos da vida e da economia, a União Soviética, terminou em ineficiência, pobreza, opressão, morticínio e colapso. A tentativa de instaurar um “socialismo do século xxi” na Venezuela resultou em uma crise econômica e social de proporções inéditas. Os países que ainda mantêm regimes de inspiração socialista, como Cuba e Coreia do Norte, estão entre os mais pobres e opressores do mundo. É impossível, com tantos dados e exemplos práticos, negar as qualidades bastante superiores do liberalismo na promoção da riqueza, da dignidade e do bem-estar. A lei é o melhor caminho para começar a compreender isso. 

*Eduardo Levy, 27, é tradutor e professor de inglês. Estudou Filosofia e Letras na Universidade Federal de Minas Gerais além de artes liberais e literatura na Universidade de Wisconsin (EUA), mas com interesses e estudos em diversas outras áreas.



Nenhum comentário:

Postar um comentário