DOSTOIÉVSKI DENUNCIA A MENTIRA ANTICRISTÃ DO COLETIVISMO IMPESSOAL E INUMANO, A FALSA UNIVERSALIDADE DA RELIGIÃO DO SOCIALISMO
— Nikolai Berdiaev
Foi no sistema de Chigaliev que Dostoiévski estudou a natureza do socialismo revolucionário e suas consequências inevitáveis.
Já se encontra aí o primeiro que, mais tarde, desenvolverá o Grão Inquisidor, mas sem a tristeza romântica deste último, e a grandeza toda especial de sua figura.
No "chigalievismo" revolucionário revela-se um elemento de chateza infinita.
Pedro Verkhovenski explica a Stavroguin o essencial deste sistema:
"Aplainar as montanhas, diz ele, é uma ideia bela, e de modo nenhum ridícula. Não é preciso instrução, há bastante ciência.
Sem o recurso da ciência, podem-se amassar materiais por milhares de anos, mas é mister organizar a obediência...
A sede de instrução é em verdade uma sede aristocrática. Mal aparecem a família ou o amor, e eis aí já o desejo de propriedade.
Nós mataremos este desejo, deixaremos livre curso à embriaguez, às calúnias, às delações: autorizaremos uma devassidão inaudita; asfixiaremos desde a infância todo gênio.
Que tudo seja reduzido ao mesmo denominador: igualdade completa... Só o necessário é necessário, tal é doravante a divisa do globo terrestre.
Mas são precisas também crises, convulsões; nós, governadores, providenciaremos isso. Pois os escravos têm necessidade de ser governados.
Obediência completa, impersonalidade completa, — mas, uma vez em trinta anos, Chigaliev autorizará um motim, todos os homens começarão a se entredevorar, — mas só até certo ponto dado, e com o único fim de não se entediarem. O tédio é uma sensação aristocrática".
"Cada um pertence a todos, e todos a cada um. Todos os escravos são iguais na escravidão... A primeira coisa a fazer é abaixar o nível da instrução, das ciências e dos talentos.
Um nível elevado de ciência e de talento não é acessível senão às faculdades superiores e exige estas faculdades".
Mas este nivelamento geral obrigatório, este triunfo da lei assassina da entropia (aumento e repartição igual do calor do mundo) transportada para a esfera social, não significa a vitória da democracia. Não haverá liberdade democrática. Jamais a democracia triunfou nas revoluções.
Sobre a base deste nivelamento geral obrigatório e desta despersonalização será uma minoria tirânica que governará".
"Saindo da liberdade ilimitada, diz Chigaliev, se termina no despotismo ilimitado. Acrescento, todavia, que não existe, fora da minha, nenhuma solução do problema geral".
Sente-se aqui o fanatismo da fascinação por uma ideia falsa, fascinação que conduz até a degradação essencial da personalidade humana, até a perda do aspecto humano.
Dostoiévski estuda como o desvario desregrado dos revolucionários russos, da juventude russa, conduz até à própria destruição do ser com todas as suas riquezas, termina nos extremos do não-ser.
Esta convicção estava nele profundamente enraizada. Pensava ele que os desvarios sociais não são coisas inocentes. Elas constituem a doença da alma russa, doença que Dostoiévski trouxe à luz e seguiu simultaneamente por diagnose e por prognose.
Aqueles que na sua arbitrariedade e sua suficiência temerária pretendem amar e lamentar o homem mais que o ama e lastima Deus, os que rejeitam o mundo de Deus e quiseram, eles próprios, criar um mundo melhor do qual seriam banidos o mal e o sofrimento, esses inelutavelmente caminham para o reino de Chigaliev.
Não é deste modo que eles podem corrigir a obra divina.
Diz o "starets" Zósimo: "Em verdade, há neles mais fantasia imaginativa do que em nós.
Eles pensam organizar segundo a justiça, mas, tendo rejeitado ao Cristo, acabam inundando o mundo de sangue, porque o sangue chama o sangue, e o gládio desembainhado será batido pelo gládio.
Se não houvesse a promessa do Cristo, os homens se teriam destruído mutuamente até o último par sobre a terra".
Palavras espantosas por sua força profética.
Dostoiévski revelou que a falta de honra e de sentimentalidade estão na base do socialismo revolucionário russo.
"O socialismo em nós propagou-se principalmente pelo sentimentalismo".
Mas o sentimentalismo é uma sensibilidade e uma compaixão falazes. E muitas vezes ele acaba na crueldade.
Pedro Verkhovenski diz a Stavroguin: "No fundo, nosso ensinamento é a negação da honra, e, admitindo abertamente a desonra, pode-se trair a si facilmente todo homem russo".
Responde-lhe Stavroguin: "O direito à desonra: para isso todos acorrem a nós, não sobrará um só".
Verkhovenski define também a importância pela coisa revolucionária de Fedka Katorjnik e outros "belos patifes".
"Aquela é uma bela gente que oportunamente pode ser muito útil, mas que faz perder muito tempo, exigindo vigilância constante".
Analisando mais adiante os fatores da revolução diz ainda Verkhovenski:
"A força mais importante, o cimento que liga todo o conjunto é a vergonha de uma opinião própria.
Isto é uma força. Uma força que trabalha, que se esforça por chegar a este fim que ninguém guarda na cabeça uma ideia particular sua. Eles consideram isso uma vergonha."
Assim todos os fatores psíquicos da revolução testemunham que até seus fundamentos e sua fonte primária ela nega a personalidade individual, sua qualidade, sua responsabilidade, seu valor absoluto.
A moral revolucionária não conhece a personalidade, como base de toda estimação, de todo julgamento moral.
É uma moral impessoal e que nega todo valor moral à personalidade, às qualidades pessoais, que nega a autonomia moral.
Ela admite servir-se de toda personalidade humana como de simples meio, de simples material, ela permite o uso de tal meio que parece bom para a vitória da coisa revolucionária.
A revolução é amoral por natureza, ela se coloca além do bem e do mal.
E nisto a contrarrevolução exteriormente se lhe parece muito.
É em nome da dignidade da personalidade humana e de seu valor moral que Dostoiévski se ergue contra a revolução e contra a moral revolucionária.
Pois na corrente revolucionária, a personalidade nunca representa um papel moral ativo.
A revolução é obsessão, loucura. Obsessão, loucura que atacam a personalidade, paralisam sua liberdade, acarretam uma submissão completa a uma corrente impessoal e inumana.
Os próprios dirigentes da revolução não sabem qual o espírito que os conduz.
Aparentemente ativos, na verdade eles são passivos, seu espírito está em poder de demônios que eles desencadearam no fundo de si mesmos.
Joseph de Maistre, no seu livro "Considerações sobre a França", fez ressaltar a propósito da Revolução francesa este caráter passivo dos chefes da revolução.
A imagem humana altera-se na revolução. O homem perde sua liberdade, torna-se escravo dos espíritos elementares.
O homem se revolta, mas não tem mais sua autonomia, Está em poder de um senhor estranho, inumano, impessoal.
Nisto está o segredo da revolução. E nisto aparece sua falta de humanidade.
O homem que se deixasse guiar por sua liberdade espiritual, por sua força criadora de qualidade individual, não poderia ser presa de correntes revolucionárias.
É daí que vêm a desonra, a ausência de opinião particular, o despotismo de uns e a escravidão de outros.
Pelo próprio caráter de sua concepção de mundo, Dostoiévski opõe à revolução o princípio pessoal, o valor qualitativo e o preço absoluto da personalidade.
Ele denuncia a mentira anticristã do coletivismo impessoal e inumano, a falsa universalidade da religião do socialismo.
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