Há ainda muitas páginas a serem viradas e muitas rodas a serem circuladas:

 

Quarta Quaternal

 

Lembro-lhes que, quatro séculos antes de Jesus Cristo, existiam os habitantes da Capadócia, os monges como Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa, Gregório de Nazianzo e Evágrio Pôntico. Havia o monastério, o jardim e a importância da horta. Os primeiros monges eram agricultores, aqueles que cultivavam, mas essa cultura era algo sagrado para eles. Fazer a terra frutificar, produzindo frutos, é a nossa colaboração. Daí a importância do jardim, ao lado da biblioteca.

Na vida monástica, em cada dia há um tempo de estudo. Há o trabalho manual, há o trabalho na terra, mas há também o estudo dos textos sagrados. E ao lado da biblioteca, há a igreja, o local da celebração, do louvor e da contemplação. Essa é uma dimensão do ser humano que não deve ser esquecida.

No final de sua vida Heidegger dizia: pensar e agradecer. Agradecer é a forma mais elevada de pensar. A gratidão é algo importante. Há coisas que compreendemos apenas se, antes, tivermos expressado a elas a nossa gratidão.

Esses anciãos desenvolveram o que chamamos de filocalia.  Há o conhecimento científico, que explica como as coisas funcionam; há o conhecimento filosófico, que se pergunta porque as coisas existem dessa maneira, qual o sentido de tudo isso. É próprio da filosofia questionar aquilo que conhecemos. Mas há também a filocalia, que quer dizer o amor à beleza. Nesse caso, é o conhecimento através da celebração: conhecer é celebrar. E há um conhecimento que adquirimos através da dança, do canto e da gratidão. Essa é a função de todos os rituais sagrados: celebrar a consciência em nós e no universo. Eis o sentido da palavra eucaristia, “efharisto” que, em grego, quer dizer obrigado. Se você já esteve na Grécia, você deve ter ouvido “efharisto poli”, muito obrigado.

Saber cultivar a terra, tentar compreender pelo estudo dos livros e também celebrar, agradecer. No monastério há um outro local importante, o refeitório – onde partilhamos a refeição. Neste espaço partilha-se também a palavra, mas não qualquer tipo de palavra. Não é a fala banal e sem sentido, mas a palavra profunda, onde cada um troca e comunga: a comunicação do essencial.

O Colégio Internacional dos Terapeutas é o herdeiro de todas essas escolas filosóficas, dos terapeutas de Alexandria e também dos habitantes da Capadócia, de todas as tradições que evocamos.

Para nós, o importante – e aqui vamos encontrar as dez orientações – é esse trabalho de anamnese. Lembrar-se da presença do ser no corpo que somos.

No Festival Mundial da Paz nós falamos dos doze corpos que somos, de todos esses elementos que nos constituem, nos quais precisamos introduzir a paz, o relaxamento. Pois esse corpo é também o corpo do universo.

Por isso, a importância da anamnese do corpo que somos e do corpo da terra, do qual participamos. Anamnese é a lembrança do meu sopro, no Sopro que me habita. Lembrar-nos das próprias raízes, dos pés sobre a terra, do sopro sob o céu: encontrar o nosso lugar através do trabalho de anamnese, da lembrança de si.

Outra orientação importante para os terapeutas é a do estudo. Cada dia, dedicar um tempo para estudar; nutrir com cuidado não apenas o corpo, mas também a inteligência. Atualmente o problema não é de falta, mas de um excesso de informação que, por vezes, cria confusão. Não nos falta informação, mas nos falta formação.

No caso dos terapeutas, não se trata apenas de adquirir uma enormidade de saberes, mas saber usar os saberes. Aprender a aprender, como diz Edgar Morin.

Outro aspecto das dez orientações é a importância da antropologia, da nossa visão do ser humano. Porque a partir da nossa visão do ser humano é que vamos considerar algo justo e não justo, normal e anormal. Qual é a nossa imagem do ser humano? Uma imagem do ser humano não dissociada do ambiente e não separada da sua fonte, da sua causa – como diria Aristóteles, do seu princípio.

Nós, terapeutas, também consideramos a importância de cuidar do imaginal. Dos pensamentos que nos habitam, mas também das imagens. Trata-se de cuidar também da nossa liberdade, para nos mantermos livres.

Há outra orientação importante, que chamamos de gratuidade, que vem da mesma raiz da palavra graça. Há algo em nós que não se compra, algo que não se vende, que não pertence ao mundo das trocas, mas que é da ordem do dom gratuito. E os verdadeiros momentos de felicidade que vivenciamos são, com frequência, os momentos de uma dedicação gratuita, de generosidade, quando sentimos a nossa liberdade.

Há também o cuidar do outro, das nossas relações: a importância do reconhecimento. De ver que não nos conhecemos por nós mesmos, mas nos conhecemos também pelo olhar do outro. Quando caminhamos juntos, e os nossos encontros podem nos elevar, nos devolver a quem somos. Então, é necessário desenvolver a ligação entre essas quatro dimensões do ser humano: eu sou a vida, eu sou a consciência, eu sou a liberdade, eu sou capaz de amar. Como cuidar da presença do Ser em nós?