sábado, 16 de janeiro de 2016

O QUE É A LEI

Muitos no Brasil, quando se fala de leis, dizem "eu estudo a lei", outros simplesmente acreditam que a solução para os problemas sociais está na criação de novas leis. Mas entre todos dificilmente se poderia perguntar o que é a lei e ter uma resposta lógica ou acertada.
Primeiro precisamos perguntar o que é a lei e segundo sob qual perspectiva se estuda ou se propõe o estudo da lei. Mas o mais importante de tudo é questionar, não a intensão da lei (ou aparente intensão), mas sua consequência a curto, médio e longo prazo, ou seja, o seu resultado.
Entretanto, o mais comum entre a população e os políticos é o senso comum, acreditar que a solução são novas leis, emendas, enfim, tudo que se acredita ser o aperfeiçoamento de um código legal existente. Mal se percebe que na maioria dos casos esta é justamente a causa das injustiças, e continua-se engrossando o caldo das tão discursadas injustiças sociais e de todas as injustiças que possam existir justamente através das imposições legais. nesse livro do qual a seguir temos um trecho  Bastiat discute tudo isso e mais um pouco. Uma leitura obrigatória num país onde só se foi permitido conhecer um lado do mundo das ideias em se tratando de lei.

Do livro A Lei, de Frédéric Bastiat, São Paulo : Instituto
Ludwig von Mises Brasil, 2010.
O que é então a lei? É a organização coletiva do direito individual
de legítima defesa.
Cada um de nós tem o direito natural, recebido de Deus, de defender
sua própria pessoa, sua liberdade, sua propriedade. Estes são os
três elementos básicos da vida, que se complementam e não podem
ser compreendidos um sem o outro. E o que são nossas faculdades
senão um prolongamento de nossa individualidade? E o que é a propriedade
senão uma extensão de nossas faculdades?
Se cada homem tem o direito de defender — até mesmo pela força
— sua pessoa, sua liberdade e sua propriedade, então os demais
homens têm o direito de se concertarem, de se entenderem e de organizarem
uma força comum para proteger constantemente esse direito.
O direito coletivo tem, pois, seu princípio, sua razão de ser, sua
legitimidade, no direito individual. E a força comum, racionalmente,
não pode ter outra finalidade, outra missão que não a de proteger as
forças isoladas que ela substitui.
Assim, da mesma forma que a força de um indivíduo não pode,
legitimamente, atentar contra a pessoa, a liberdade, a propriedade de
outro indivíduo, pela mesma razão a força comum não pode ser legitimamente
usada para destruir a pessoa, a liberdade, a propriedade dos
indivíduos ou dos grupos.
E esta perversão da força estaria, tanto num caso como no outro,
em contradição com nossas premissas. Quem ousaria dizer que a força
nos foi dada, não para defender nossos direitos, mas para destruir
os direitos iguais de nossos irmãos? E se isto não é verdade para cada
força individual, agindo isoladamente; como poderia sê-lo para a força
coletiva, que não é outra coisa senão a união das forças isoladas?
Portanto, nada é mais evidente do que isto: a lei é a organização do
direito natural de legítima defesa. É a substituição da força coletiva
pelas forças individuais. E esta força coletiva deve somente fazer o
que as forças individuais têm o direito natural e legal de fazerem: garantir
as pessoas, as liberdades, as propriedades; manter o direito de
cada um; e fazer reinar entre todos a JUSTIÇA.
Um governo justo e estável
E se existisse uma nação constituída nessa base, parece-me que a
ordem prevaleceria entre o povo, tanto nos fatos, quanto nas ideias. Parece-
me que tal nação teria o governo mais simples, mais fácil de aceitar,
mais econômico, mais limitado, menos repressor, mais justo e mais
estável que se possa imaginar, qualquer que fosse a sua forma política.
E, sob tal regime, cada um compreenderia que possui todos os privilégios,
como também todas as responsabilidades de sua existência.
Ninguém teria o que reclamar do governo, desde que sua pessoa fosse
respeitada, seu trabalho livre e os frutos de seu labor protegidos contra
qualquer injustiça. Se felizes, não teríamos de atribuir tampouco
ao governo nossos deveres, da mesma forma que nossos camponeses
não lhe atribuem a culpa da chuva de granizo ou das geadas. O estado
só seria conhecido pelos inestimáveis benefícios da SEGURANÇA,
proporcionados por esse tipo de governo.
Pode-se ainda afirmar que, graças à não-intervenção do estado
nos negócios privados, as necessidades e as satisfações se desenvolveriam
numa ordem natural; não se veriam mais as famílias
pobres buscando instrução literária antes de ter pão para comer.
Não se veria a cidade povoar-se em detrimento do campo ou o
campo, em detrimento da cidade. Não se veriam os grandes deslocamentos
de capital, de trabalho, de população, provocados por
medidas legislativas.
As fontes de nossa existência tornam-se incertas e precárias com
esses deslocamentos criados pelo estado. E, ainda mais, esses atos
agravam sobremaneira a responsabilidade dos governos.
A completa perversão da lei
Infelizmente, a lei nem sempre se mantém dentro de seus limites
próprios. Às vezes os ultrapassa, com consequências pouco defensáveis
e danosas. E o que aconteceu quando a aplicaram para destruir a
justiça, que ela deveria salvaguardar. Limitou e destruiu direitos que,
por missão, deveria respeitar. Colocou a força coletiva á disposição de
inescrupulosos que desejavam, sem risco, explorar a pessoa, a liberdade
e a propriedade alheia. Converteu a legítima defesa em crime para
punir a legítima defesa.
Como se deu esta perversão da lei? Quais foram suas consequências?
A lei perverteu-se por influência de duas causas bem diferentes: a
ambição estúpida e a falsa filantropia.
Falemos da primeira.
A tendência fatal da humanidade
A autopreservação e o autodesenvolvimento são aspirações comuns
a todos os homens.
Assim, se cada um gozasse do livre exercício de suas faculdades e
dispusesse livremente dos frutos de seu trabalho, o progresso social
seria incessante, ininterrupto e infalível.
Mas há ainda outro fato que também é comum aos homens.
Quando podem, eles desejam viver e prosperar uns a expensas dos
outros. Não vai aí uma acusação impensada, proveniente de um espírito
desgostoso e pessimista. A história é testemunha disso pelas
guerras incessantes, as migrações dos povos, as perseguições religiosas,
a escravidão universal, as fraudes industriais e os monopólios,
dos quais seus anais estão repletos.
Esta disposição funesta tem origem na própria constituição do homem,
no sentimento primitivo, universal, invencível que o impele
para o bem-estar e o faz fugir da dor.
Propriedade e espoliação
O homem não pode viver e desfrutar da vida, a não ser pela assimilação
e apropriação perpétua, isto é, por meio da incessante aplicação
de suas faculdades às coisas, por meio do trabalho. Daí emana
a propriedade.
Por outro lado, o homem pode também viver e desfrutar da vida,
assimilando e apropriando-se do produto das faculdades de seu semelhante.
Daí emana a espoliação.
Ora, sendo o trabalho em si mesmo um sacrifício, e sendo o homem
naturalmente levado a evitar os sacrifícios, segue-se daí que — e
a história bem o prova — sempre que a espoliação se apresentar como
mais fácil que o trabalho, ela prevalece. Ela prevalece sem que nem
mesmo a religião ou a moral possam, nesse caso, impedi-la.
Quando então se freia a espoliação? Quando se torna mais árdua e
mais perigosa do que o trabalho.
É bem evidente que a lei deveria ter por finalidade usar o poderoso
obstáculo da força coletiva contra a funesta tendência de se preferir
a espoliação ao trabalho. Ela deveria posicionar-se em favor da propriedade
contra a espoliação.
Mas, geralmente, a lei é feita por um homem ou uma classe de
homens. E como seus efeitos só se fazem sentir se houver sanção e
o apoio de uma força dominante é inevitável que, em definitivo, esta
força seja colocada nas mãos dos que legislam.
Este fenômeno inevitável, combinado com a funesta tendência que
constatamos existir no coração do homem, explica a perversão mais ou
menos universal da lei. Compreende-se então por que, em vez de ser
um freio contra a injustiça, ela se torna um instrumento da injustiça,
talvez o mais invencível. Compreende-se por que, segundo o poder
do legislador, ela destrói, em proveito próprio, e em diversos graus,
no resto da humanidade, a individualidade, através da escravidão; a
liberdade, através da opressão; a propriedade, através da espoliação.
Vítimas da espoliação legal
É próprio da natureza dos homens reagir contra a iniquidade da
qual são vítimas. Então, quando a espoliação é organizada pela lei, em
prol das classes dos que fazem a lei, todas as classes espoliadas tentam,
por vias pacíficas ou revolucionárias, participar de algum modo da
elaboração das leis. Estas classes, segundo o grau de lucidez ao qual
tenham chegado, podem-se propor dois objetivos bem diferentes ao
perseguir a conquista de seus direitos políticos: ou querem fazer cessar
a espoliação legal ou aspiram a participar dela.
Malditas, três vezes malditas as nações nas quais este último objetivo
domina as massas e estas vêm a deter o poder de legislar!
Até então a espoliação legal era exercida por um pequeno número
de pessoas sobre as demais. É assim que se observa entre os povos
cujo direito de legislar está concentrado em algumas mãos. Mas, uma
vez tornado universal, busca-se o equilíbrio na espoliação universal.
Em lugar de extirpar o que a sociedade continha de injustiça,
generaliza-se esta última. Tão logo as classes deserdadas recobram
seus direitos políticos, o primeiro pensamento que as assalta não é o
de livrar-se da espoliação (isto suporia nelas conhecimentos que não
podem ter), mas organizar, contra as outras classes e em seu próprio
detrimento, um sistema de represálias — como se fosse preciso, antes
do advento do reinado da justiça, que uma cruel vingança venha ferilas,
umas por causa da iniquidade, outras por causa da ignorância.
Resultados da espoliação legal
Não poderiam, pois, ser introduzidas na sociedade mudança e infelicidade
maiores que esta: a lei convertida em instrumento de espoliação.
Quais as consequências de semelhante perturbação? Seriam necessários
volumes e mais volumes para descrevê-las todas. Contentemo-
nos em indicar as mais notáveis.
A primeira é a que apaga em todas as consciências a noção do justo
e do injusto. Nenhuma sociedade pode existir se nela não impera de
algum modo o respeito às leis. Porém, o mais seguro para que as leis
sejam respeitadas é que sejam de fato respeitadas.
Quando a lei e a moral estão em contradição, o cidadão se acha na
cruel alternativa de perder a noção de moral ou de perder o respeito à
lei, duas infelicidades tão grandes tanto uma quanto a outra e entre as
quais é difícil escolher.
Fazer imperar a justiça está tão inerente à natureza da lei, que lei
e justiça formam um todo no espírito das massas. Temos todos forte
inclinação a considerar o que é legal como legítimo, a tal ponto que
são muitos os que falsamente consideram como certo que toda a justiça
emana da lei. Basta que a lei ordene e consagre a espoliação para
que esta pareça justa e sagrada diante de muitas consciências. A
escravidão, a restrição, o monopólio acham defensores não somente
entre os que deles tiram proveito como entre os que sofrem as suas
consequências.
...

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