terça-feira, 10 de maio de 2022

A Oração de Jesus - Parte 2

 “Permanece sentado no silêncio e na solidão, inclina a cabeça, fecha os olhos; respira mais devagar, olha, pela imaginação, para o interior do seu coração, concentra tua inteligência, isto é, teu pensamento, da tua cabeça para teu coração. Dize, ao respirar: “Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim”, em voz baixa, ou simplesmente em espírito. Esforça-te para afastar todos os pensamentos, sê paciente e repete muitas vezes esse exercício”.

 A Oração de Jesus: A Alma da Espiritualidade Oriental

Conferência "A Oração de Jesus" proferida em 21/03/2010 pela Ir. Maria de Fátima Guimarães, OSB. Diretora dos Oblatos do Mosteiro de São João em Campos do Jordão - SP

A Oração de Jesus: A Alma da Espiritualidade Oriental

 

Jean-Ives Leloup esclarece sobre os elementos do método hesicasta encontrado nos ensinamentos do mestre espiritual do peregrino russo:

Assenta-te: refere-se à postura, à atitude correta, não estar impaciente, indolente, mas vigilante. É a postura da bem-amada do Cântico dos Cânticos: “Durmo, mas o meu coração vela.” A maneira correta de sentar-se é aquela que nos permite permanecer mais tempo possível imóveis, pois a imobilidade favorece o espírito. A nível psicológico é estar em harmonia consigo mesmo, equilíbrio e estabilidade. A nível espiritual é permanecer em Deus, ter Nele a nossa raiz.

Cala-te: Silêncio dos lábios, do coração e do espírito – três degraus do silêncio que nos levam ao silêncio infinito da Presença.

Respira mais suavemente: Ao acompanhar a respiração, suavizá-la, você se concentra no que está fazendo. Além disso, a respiração é um meio de controlar o psiquismo. Nós pensamos de maneira diferente quando respiramos com calma e profundidade. Para a tradição hesicasta a atenção ao respirar é um exercício espiritual. O respirar é o Ruach, o pneuma, o hálito de Deus, é o Espírito Santo. Aquele hálito, aquele sopro que Deus deu nas narinas de Adão. É aquele que sopra onde quer. É vento que você não sabe de onde vem nem aonde vai. Respirar profundamente é aproximar-se do Espírito Santo.

Olhar pela imaginação para o íntimo de teu coração: Temos que tomar cuidado com a imaginação. Como dizia Santa Teresa D’Ávila: a imaginação é a louca da casa. A imaginação pode nos distrair da oração. Os monges não querem um estado subjetivo, mas um contato objetivo. Exemplo: visualizar o coração batendo dentro do peito é objetivo. Ir além é subjetivismo. Conta-se que um jovem discípulo procurou o seu mestre porque não conseguia se concentrar na oração. O Mestre lhe disse para colocar um banquinho ao seu lado e imaginar que Jesus sentava-se ali quando ele começava a orar. Assim ele conversaria com Jesus durante a oração. Advertiu-o, no entanto, para que não imaginasse qual seria a aparência de Jesus, mas somente a sua presença. O discípulo fez como o Mestre havia mandado e conseguiu a partir daí se concentrar na oração. O tempo passou e o discípulo ficou muito doente. Quando ele morreu, encontraram-no com a cabeça apoiada no banquinho. Ele havia morrido com a cabeça apoiada nos joelhos de Jesus. Para os hesicastas o lugar de Deus é o coração.

A oração hesicasta tem como finalidade despertar a sensibilidade, a presença de Deus em todas as coisas. Em tudo nós vamos ver verdadeiras epifanias de Deus. O coração tem a função de integrar a nossa personalidade (estudo a nível teológico e psicológico).

Invocação do Nome de Jesus: Os monges do Monte Athos preferiam a fórmula “Kyrie Eleison”. Por causa da vibração do som. Sabemos que muitas músicas conseguem favorecer o estado de oração. A repetição do Kyrie Eleison para estes monges favorecia mais que o Senhor, tende piedade. Para o autor do livro sobre o hesicasmo, nós perdemos muito com a tradução. E ele ainda diz que quando pedimos piedade, queremos dizer envia o teu Espírito Santo, tua Bondade, tua Misericórdia, transforma meu coração... E o Nome de Jesus significa a sua presença. Lembrando os antigos israelitas que consideravam que o Nome de Deus é o mesmo que a Presença de Deus. Nós vemos na Bíblia que o templo de Jerusalém era habitação do Nome de Deus. Nós clamamos por Ele como a sede clama pela Fonte. É a água viva que nós queremos que brote dentro de nós como fonte a jorrar – promessa de Jesus para a Samaritana. Ou como diz o salmo 62, 2:  "Minha alma tem sede de Ti, minha carne te deseja com ardor, como terra seca, esgotada, sem água como terra seca e sem água". É o adorar em espírito e verdade. Ele vai ser o meu mestre interior. Essa invocação pode ser em voz baixa ou em espírito. O método oral é usado por muitos porque você se concentra na sua própria voz.

Ser paciente e repetir muitas vezes: O artista deve ser paciente, e repetir muitas vezes o exercício antes de se deixar levar pela inspiração. O mestre propõe ao peregrino um treinamento progressivo. A qualidade da oração depende de Deus, mas a quantidade que podemos oferecer depende de nós.

“É o tempo que passas com a tua rosa que a torna preciosa.”   É a quantidade que nos coloca em condições de perceber quando a graça chega até nós. Os primeiros efeitos da repetição levam luz e mostram nossas misérias.

A partir daí o peregrino começou a praticar a oração e a estudar a Filocalia.  O monge entregou a ele um rosário com o qual poderia recitar três mil orações por dia, sem pressa, docemente, sem importar o que estivesse fazendo. Quando o peregrino conseguiu rezar sem esforço e até com alegria, o monge aumentou para seis mil orações por dia. Assim o peregrino se habituou à oração – sentia-se leve, feliz, queria ficar recolhido. E nesse ponto o monge aumentou para doze mil orações por dia a fim de fortificá-lo. Assim o peregrino era acordado pela oração. Não se cansava de rezar. Nesse ponto, o monge permitiu que ele rezasse quantas vezes ele desejasse.

O livro conta que o peregrino sentia-se feliz, como se todos fossem sua família, o coração estava apaziguado. Tudo era motivo de agradecer. Com a oração ele apaziguava a fome, o frio, superava raiva e sofrimento. De acordo com os relatos, o monge faleceu e o peregrino continuou o seu peregrinar levando o rosário, a Bíblia e a Filocalia. Nesse ponto o peregrino ainda não tinha chegado à oração interior perpétua e espontânea, mas estava a caminho.  Os relatos nos contam que ele aprendia com aqueles que encontrava, com os acontecimentos, aprendia em sonhos com o falecido monge e mais tarde encontrou outro guia espiritual.
                         
Através da Oração de Jesus chegava-se ao conhecimento da linguagem da criação – conversar com as criaturas, perceber que a criação toda louva o Senhor e que foi feita em honra do homem.

De acordo com os ensinamentos dos mestres, é necessário exercitar-se em achar o próprio coração, em vê-lo tal como ele é. E depois introduzir a Oração de Jesus no coração e fazê-la sair no ritmo da respiração. Inspira-se o ar e o conserva no peito dizendo Senhor Jesus Cristo, e o solta dizendo tende piedade de mim. Para isso é necessário exercitar-se. É normal com o tempo experimentar sensações novas no coração e no espírito, tais como leveza, liberdade, alegria, amor ardente por Jesus e pela criação, gratidão, lágrimas. De acordo com o peregrino nós podemos entender as palavras de Jesus no Evangelho de Lucas (Lc 17, 21)“O Reino de Deus está dentro de vós.”



Os efeitos da oração do coração se manifestam de três maneiras:

No espírito – doçura do amor de Deus, a calma interior, arrebatamento do espírito, pureza dos pensamentos, esplendor da idéia de Deus;

Nos sentidos – agradável calor do coração, plenitude de doçura nos membros, exaltação de alegria no coração, leveza, vigor da vida, insensibilidade às doenças e dores;

Na inteligência – iluminação da razão, compreensão da Santa Escritura, conhecimento da linguagem da criação, desapego das vãs preocupações, consciência da doçura da vida interior, certeza da proximidade de Deus e de seu amor por nós.

Com o tempo da prática a oração se faz por si só, brota do espírito e do coração, mesmo em estado de vigília ou durante o sono e não se interrompe. Se estamos trabalhando a oração age por si só e o trabalho rende mais. Se escutamos ou lemos algo conseguimos sentir ambas as coisas.

Não se deve, entretanto achar que só se terá consolações com a oração interior. Sabemos que todos aqueles que iniciam no caminho de Deus encontrarão a provação – Eclesiastes. Pois bem, de acordo com um dos Padres da Igreja, cujo texto está contido na Filocalia (João de Cárpatos) – Todos que se dedicam com ardor à oração estão sujeitos às tentações terríveis e arrasadoras. Mas não existe tentação acima das forças do homem. “Aquele que está em vós é maior do que aquele que está no mundo” (1Jo 4,4)

Essa confiança e esperança sustentaram tantas pessoas, principalmente os santos. Mas não se trata só de rezar, mas de ensinar os outros a rezar. A manifestação do inimigo demonstra que a oração é autêntica. Ele é uma potência que contraria ou destrói a vida querida por Deus.

São Gregório de Tessalonica – “Não nos é suficiente rezar sem cessar conforme o mandamento divino, mas é necessário que saibamos expor esse ensinamento a todos: monges, leigos, inteligentes ou simples, homens, mulheres ou crianças, a fim de despertar neles o zelo pela oração interior.

Citação de Nicetas Stéthatos: “Aquele que chegou à oração e ao verdadeiro amor, não distingue mais os objetos, não distingue mais o justo do pecador, mas ama igualmente todos os homens e não os condena, do mesmo modo que Deus faz nascer o sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos. (MT 5, 45).

A Oração do Coração nos leva a caminhar na Presença de Deus. E é esse caminhar que nos transforma. Caminhar na presença de Deus ou sob o olhar de Deus é um traço da espiritualidade de Bento – viver sob o olhar de Deus, que nós estudamos no ano passado. Vivendo na proximidade de alguém nos leva a nos assemelharmos a esse alguém. O amor une e assemelha.

Podemos resumir dizendo que o homem é Templo do Espírito. Essa é a meta de todo o homem neste mundo de acordo com São Serafim de Sarov, santo da Igreja Oriental e um famoso staretz.




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