Antônio o Grande Antônio o Grande, nosso Pai, o Corifeu do coro dos ascetas, viveu no reino de Constantino, por volta do ano 330. Ele foi contemporâneo de Atanásio, que escreveu a história de sua vida. Ele levou ao extremo a virtude e a impassibilidade. Embora tenha sido um homem simples e iletrado, foi-lhe concedido do alto ensinar a sabedoria do Espírito, que instrui os pecadores e as crianças. Com seu intelecto iluminado pela graça desta sabedoria, ele explicou diversos e numerosos princípios espirituais, e aos que o interrogavam ele deu respostas muito sábias, para grande benefício da alma, como podemos ver nos escritos dos Padres do deserto. Além destes testemunhos, ele nos deixou 170 capítulos que estão reportados no presente livro. Que é ele o verdadeiro autor destes pensamentos, João Damasceno e outros o confirmam. A textura das frases exclui a dúvida. Entretanto, ela permite interpretações aos que as examinam minuciosamente. Seja como for, os pensamentos são contemporâneos de uma santa antigüidade. Não é de espantar, assim, que as expressões procedam de uma escrita das mais simples, arcaica e sem pesquisas. O espantoso, é que tamanha simplicidade coloque o leitor no caminho da salvação e de tanto bem, a ponto de nele florescer a convicção, a ponto de nele instilar o regozijo. Direto ao ponto em que brilha a doçura e a certeza da vida evangélica. Aqueles que provarem deste mel em seu intelecto certamente alcançarão este prazer. * Estes 170 capítulos, atribuídos a santo Antônio, e que constituem o texto inicial da grande Filocalia grega, são a um tempo um paradoxo e um símbolo. O Paradoxo é evidente. O texto, o mais antigo da antologia, possui toda uma fórmula. Ele anuncia os dados e o alcance do combate espiritual. Mas ele é côo que estranho ao apoio bíblico e eclesiástico do corpus filocálico: nenhuma citação direta das Escrituras, nenhuma menção ao nome de Cristo, nenhuma referência à comunidade cristã. Apenas encontramos, no capítulo 141, e como uma breve interpolação, uma confissão das pessoas da Trindade. Mas o símbolo não é menos claro. Existe aí como que um duplo enraizamento da tradição hesiquiasta no nome de santo Antônio e em suas “exortações” que, para a crítica moderna, não são mais do que uma compilação de escritos estóicos tardios revistos por um monge cristão. Ou então se trata da redação direta de um tratado cristão que utiliza premissas estóicas daquilo que os Padres chamarão mais tarde de “filosofia pratica”. Em todo caso, a osmose é total. A esperança cristã repousa inteiramente na “conduta virtuosa”. Simplesmente Deus, a imortalidade, a vida eterna, a salvação, o Reino dos céus, constantemente invocados, mas como que separados do Evangelho, substituem aqui a ataraxia. Assim, a salvação depende menos da redenção do que do princípio da causalidade. O homem é imortal porque é dotado de intelecto e de razão, não porque tenha sido remido pela encarnação do Filho de Deus. Um abismo. Mas um abismo fecundo, cheio de palavras-chave do vocabulário hesiquiasta (o logos e o nous, a razão e o intelecto) que, para os Padres, são as próprias mediações que unem Deus e o homem, desde que a razão se faz carne em Cristo e que o intelecto se resolve em prece do coração e em deificação luminosa. A osmose total não é, assim, gratuita. Mas nestas condições, a atribuição do texto a santo Antônio não poderia ser senão simbólica. Apenas as datas coincidem aproximadamente: do século I ao IV de nossa era para os 170 capítulos, e o II e IV para santo Antônio, que foi nos desertos do Egito o Pai do monaquismo cristão: assim, Antônio e suas exortações apenas têm em comum o fato de serem os primeiros testemunhos daquilo que iria se seguir depois. O lugar dos 170 capítulos à frente da antologia filocálica, por paradoxal que seja, é, portanto, exemplar. Estes capítulos significam no mínimo que o estoicismo, esta esfera fechada em que a um tempo se refinava e petrificava a filosofia antiga, acabou por se abrir à esperança cristã, ou, em todo o caso, por lhe servir de suporte. Ele chegará aos monges, ao longo dos séculos, pelo exercício da humildade e da compaixão evangélicas, atribuindo a “filosofia prática” unicamente a prece do coração, portanto à pura espera da graça. Mas o símbolo está preservado. Na longa história do monaquismo cristão, este texto, a seu modo, corresponde exatamente àquilo que foi a experiência decisiva de santo Antônio: uma gestação.
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