DOSTOIÉVSKI SE FAZ ADVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO
— Nikolai Berdiaev
[...] Mas na revolução não é só o "chigalievismo" que triunfa, é também o "smerdiakovismo".
Ivã Karamazov e Smerdiakov são dois fenômenos do niilismo russo, duas formas de insurreição russa, dois aspectos de uma só e mesma realidade.
Ivā Karamazov é uma manifestação evoluída, filosófica, da revolta niilista; Smerdiakov é sua manifestação baixa e subalterna.
Ivã Karamazov age no apogeu da vida intelectual como Smerdiakov nas baixas da vida.
Smerdiakov porá em ação a dialética ateia do seu semi-irmão. Ele encarna seu castigo interior.
Nas massas humanas, nas massas populares há mais Smerdiakovs do que Ivãs. E igualmente nas revoluções que são movimentos de massas e de coletividades.
A dedução segundo a qual tudo é lícito, Smerdiakov fá-la passar para a prática.
Ivā comete o crime em espírito, em pensamento; Smerdiakov o perpetra efetivamente, dando corpo à ideia de Ivã.
O parricídio que este comete em pensamento, Smerdiakov comete-o fisicamente.
À revolução ateia compete, da mesma forma, inevitavelmente um parricídio, ela nega todo laço filial, e separa violentamente o filho do pai, justificando o crime pelo fato de o pai ser homem vicioso e mau.
Esta relação assassina do filho com o pai constitui o smerdiakovismo.
E, tendo cometido em ação o que Ivã cometeu em pensamento, o que ele decidiu em seu espírito, Smerdiakov pergunta a Ivã:
"Vós mesmos dizeis então que tudo era lícito, e agora, por que vos alarmais da sorte?"
Assim os Smerdiakovs da revolução, tendo efetivamente realizado o princípio segundo o qual tudo é permitido, estão no direito de perguntar aos Ivãs revolucionários: "E agora, por que vos alarmais?"
Smerdiakov odiava a Ivã que lhe ensinara o ateísmo e o nilismo. Em tempo de revolução, suas relações recíprocas podem simbolizar as relações entre o "povo" e a "intelligentsia".
A tragédia da revolução russa foi testemunho disso e confirmou o alcance da profecia de Dostoiévski. O lacaio Smerdiakov se erguerá e mostrará por seus atos que "tudo é lícito".
Na hora do perigo mortal para sua pátria, ele dirá: "Eu odeio toda a Rússia".
Pois, o que a revolução nega não é somente a personalidade, mas também todo laço com o passado, com os avós, ela proclama a religião da matança, e não da ressurreição.
O assassínio de Chatov é o resultado tangível da revolução. Eis por que Dostoiévski se fez o adversário da revolução.
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