terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Cap. 8 - Ecce Homo - Louis Claude de Saint Martin

Do livro Ecce Homo por Louis Claude de Saint Martin, publicado pela Sociedade das Ciências Antigas






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Capítulo VIII
Ao ressaltar a necessidade de tomarmos precauções quanto às missões extraordinárias dos tempos modernos, não pretendo culpar os agentes que costumam ser utilizados nessas missões. Em sua maioria, essas pessoas possuem virtudes e merecem nosso respeito e estima. Seu exemplo é 
certamente mais útil do que nocivo para quem busca alimentar a intensidade da sua fé ao invés de simplesmente avançar na luz. Mas como podem ser também perigosos para os que não se limitam a essa sábia medida, acredito ser meu dever prevenir contra as sedutoras maravilhas que os operadores de missões extraordinárias anunciam, assim como mostrar que não é bom confiar cegamente em seus inspiradores.
Independente do que dissemos sobre tais inspirações, não é demais lembrar que o pensamento, a palavra e as obras do homem preenchem e sempre preencherão o Universo de uma infinidade de resultados destinados a conservar seu caráter original. Isso também compôs múltiplas e diversas regiões onde se encontram os idiomas, as iluminações, as descobertas e os verdadeiros conhecimentos que os homens puderam trazer à luz. Porém, aí também se encontram em grande 
medida, as ilusões, os erros e as hipocrisias que aspectos do ser humano emanam quotidianamente. 
Tais irradiações negativas aumentam de tal forma as trevas em torno do indivíduo, que com o 
passar do tempo, terminam pelo “não ver mais claro”, dos egípcios na hora da libertação do povo de Israel.
Ora, se a chave divina não abrir sozinha a alma dos homens, no momento em que for aberta por 
alguma outra chave, encontrar-se-á no centro de uma daquelas regiões das trevas e, 
involuntariamente, passará a absorver sua linguagem. Essa linguagem, por mais que nos pareça extraordinária, pode ser falsa e enganadora; e mais, pode ser uma linguagem verdadeira mas pronunciada sem o espírito de verdade; consequentemente seus frutos não serão verdadeiramente vantajosos.
Portanto, creio oferecer um conselho salutar aos meus irmãos dizendo-lhes: Homens, meus amigos, desconfiem daquelas alegrias e entusiasmos que vos inspiram as missões dos escolhidos, onde 
geralmente encontrais amparo benevolente. Porque não estais ainda seguro que esses anúncios lhe darão tanto bem quanto prazer, já que não estais seguro de existir um remédio para ser aplicado às verdadeiras feridas do vosso ser; enfim, não estais seguro que as alegrias que vos prometem e que vos fazem saborear antecipadamente, retardam as alegrias duradouras que poderíeis obter do vosso 
interior mais profundo.
De resto, se os anunciadores das missões houvessem atingido o repouso sereno de que nos falam, vós ainda não estaríeis prontos para isso. Talvez, pelo contrário, seria funesto para eles e para vós se a hora conclusiva chegasse assim antecipadamente, se vós e eles não houvessem tido a preocupação de se purificarem antes, para não temerem nenhuma das terríveis catástrofes que certamente irão preceder o reino glorioso que vos prometem.
Ouso repeti-lo: permaneceis num estado de prudência, entre os prodígios e as predições que vos circundam; recordai-vos do que diz o Senhor através de Jeremias 23:31-32: Eis que estou contra os profetas, diz o Senhor, que usam sua língua para dizer: “Eis o que diz o Senhor”. Eis que estou 
contra os profetas que profetizam sonhos mentirosos, diz o Senhor, que os contam e seduzem o meu povo com suas mentiras e seus enganos. Mas Eu não os enviei, não lhes dei ordens, e não são de nenhuma utilidade para este povo, diz o Senhor.
Para mostrar-vos como os erros desse tipo são destruidores, e como as falsas missões e promessas ilusórias de um reino terrestre glorioso vos engana, aprendei com que preço, aqui na Terra, o homem obtém qualquer iluminação e dá qualquer passo em direção à regeneração.
Depois do pecado, os raios da vossa essência divina foram acorrentados por uma das potências da vossa matéria. Desde aquele instante, os elementos não cessaram de circular em torno de vós e de vos envolver com um grande número de laços que se acumulam e se fecham a medida que gira a roda de vossa vida. As vossas negligências e fraquezas, após o primeiro crime, afundaram ainda mais os raios divinos nas trevas, e aumentaram o horror da vossa prisão. A cada passo que devemos cumprir para aproximar nossa razão da luz, é necessário que uma parte dos obstáculos materiais se desenrolem penosamente sobre nós, como as ataduras de uma ferida se desenrolam dolorosamente, 
quando precisamos vê-la e medicá-la. É necessário que sobre essa parte dos obstáculos se 
encontrem impressos os traços da corrupção que vos corrói e infecta. É necessário, então, que se 
pronuncie em alta voz, aos olhos de tudo aquilo que vos contempla, um juízo severo e rigoroso, e 
que vós humildemente reconheçais tal justiça.
É necessário que esses obstáculos que vos aprisionam, afastem-se gradualmente e se manifestem na qualidade de outros tantos juízos contra vós. É necessário que a longa serie de obstáculos e juízos estenda-se desde o vosso ser até aquele tempo de paz do qual o pecado vos afastou, pois tal encadeamento determinará a medida dessa distância. 
Além disso, é necessário que essa longa cadeia apareça aos vossos olhos, para que tenhais 
continuamente diante de vós o temível quadro do que custa ao homem os progressos da busca da 
verdade, para que afrontais o caminho com prudência e confessais que cada passo custa uma dor e uma separação. De fato, o vosso ser hoje é composto da ciência do bem e do mal, e é necessário que vós adoteis a faculdade de discernir entre os diversos campos; é esse o verdadeiro sentido do Deuteronômio 16:3 : ....para que te lembres do dia que saíste da terra do Egito, todos os dias da 
tua vida.
Enfim, é necessário que os obstáculos materiais impostos a todos os homens sigam esse caminho, e que todos os juízos merecidos sejam revelados e expostos na universalidade da vida, pois 
conhecendo o veneno que infecta o indivíduo, as Nações poderão dizer com horror e desprezo: Ecce Homo. Só então, o reino glorioso poderá descer até o coração do homem, e esse aspirar à 
regeneração, sem temor do engano. Somente quando o título de Ecce Homo e o juízo que dele 
deriva, estiverem esculpidos em todas as regiões do universo, a justiça estará completamente 
satisfeita.
Se, por uma analogia espiritual, o que acontecerá ao homem universal ocorrer a cada um de vós em particular, quem poderá, desde já, iniciar essa ascensão?
Não deveis duvidar: é aquele que não colocou confiança nas vias artificiosas acompanhadas de 
generalidades. Sentindo em si a dignidade da própria essência, se posicionará em direção à fonte da qual descende, pois somente essa pode gerá-lo novamente. Ele, desconfiado de todas as esperanças que lisonjeiam a sua preguiça e o seu orgulho, não se deixará seduzir pelas imagens e obras que a ignorância e as trevas se esforçam para fazer parecer com o único caminho, a única verdade, e a única vida que não pode ser substituída por ninguém.
Infeliz daquele que se deixar atrair por essas imagens e obras materiais de caráter instável. Pois estará tão angustiado que se sentirá imerso num estado de miséria - e o homem teme essa miséria mais do que a um veneno. Estejais, pois, atentos no momento em que sentirdes essa privação, para não vos dirigir aos falsos deuses, e não dizer como o povo judeu a Jeremia (44:17-18):
continuaremos a fazer tudo o que prometemos: oferecer incenso à rainha do Céu e fazer-lhes 
libações, como fazíamos nós e nossos pais, nossos reis, e nossos príncipes, nas cidades de Judá e 
nas ruas de Jerusalém: tínhamos, então, fartura de pão, éramos felizes e não víamos a desgraça. 
Mas desde que cessamos de oferecer incenso à rainha do Céu e de fazer-lhes libações, tudo nos 
faltou e nós perecemos pela espada e pela fome.
Se sujeitai-vos à preguiça de vosso coração, vossas alegrias serão passageiras e terminarão em 
sofrimentos piedosos, devido a vossas desilusões e a vossa cegueira. E o mesmo Príncipe que vos 
induziu a esses sofrimentos, vos conduzirá triunfalmente por países distantes para manter-vos em escravidão numa terra que vós e vossos pais não conhecestes; servireis lá a outros deuses, de dia e de noite, pois eu não usarei mais misericórdia convosco (Jeremia 16:13). Enquanto, sempre segundo Jeremia (15:19): Por isso assim disse o Senhor e retornas, eu te faço retornar e estarás diante de mim. Se separas o que é valioso do que é vil, tu serás como a minha boca.
Quanto a vós, ministros da santa religião que fostes chamados a vigiar sobre o verdadeiro caminho da Aliança - que é o pensamento do homem - se não tomardes o lugar que lhes foi confiado, (se deixardes Deus sob tendas e não construirdes nenhuma casa depois que ele tirou do Egito os filhos de Israel, baseado nas lamentações que o profeta Natan dirigiu à Davi) sobre vós cairão diretamente as ameaças desses profetas. Se as missões da ilusão e das trevas têm conseqüências tão terríveis sobre os órgãos instrumentalizados e as almas que arrastam, o que será das verdadeiras missões, convertidas em missões da cobiça, da má fé e do sacrilégio voluntário? Sem dúvida, não poderão elevar a dignidade da vossa pessoa, pois segundo Ezequiel e Malaquias, vós é que deveríeis ser os anjos do Senhor sobre a terra, os sentinelas de seu povo.
A partir do vasto quadro que vos foi oferecido, podeis assegurar que nunca haveis desviado a 
inteligência das pessoas das fontes instrutivas e confortantes? De jamais haver desejado subjugá-las a uma doutrina humanizada e de interesses? De não haver nunca oferecido aos povos a fé necessária para submeterem-se ao vosso império? De não haver jamais retirado da frente de seus olhos o cetro vivificante que a sabedoria eterna gerou na Terra - como sol de todos os povos? De não haver jamais construído um gládio temível com o bastão de paz que vos havia sido confiado, para que fossemos governados mais no amor do que na justiça? De jamais haver abandonado o título de pastor quando era necessário instruir vosso rebanho e conduzi-lo ao pasto? E finalmente, de não estar investido desse título somente quando se apresentava a ocasião de abandonar tal rebanho à sorte fatal?
Estais certos que o espírito humano deva se contentar com as respostas que vós dais - quando 
buscam saber porque não ofereceis mais os dons e as iluminações que alegraram os que vos 
precederam no tempo? Ora, vós dizeis que todas aquelas coisas eram necessárias para estabelecer a Igreja e que deixaram de ser quando essa foi constituída.
Mas os direitos do nosso ser nos permitem questionar de qual igreja pretendeis falar. Seguramente não se trata da igreja cujo espírito conciliador do Evangelho se viu substituído por furor, sangue e carnificina; certamente não é aquela na qual os ensinamentos de seus fundadores, a quem o espírito tudo ensinava, foram transformados em doutrinas obscuras e contraditórias; nem se trata da igreja 
em que o espírito do Senhor que preserva as almas, deu espaço para a entrada de falsos profetas que fazem essas almas se perderem, assim como os espíritos de Piton, que as infectam.
Os direitos do nosso ser também nos colocam em condição de observar que vossos fundadores eram admitidos a conhecer os mistérios do Reino de Deus, que curavam os doentes, que preparavam a 
ceia do Senhor, e que perdoavam os pecados a quem deviam perdoar.
Ora, por que desses quatro mistérios, haveis conservado somente os dois invisíveis, pelos quais solicitais ainda uma fé cega, enquanto afastais sempre mais dos olhos do nosso corpo e da nossa 
inteligência, os outros dois dons que eram visíveis, e que longe de serem supérfluos para nossa fé, poderiam ter guiado a fé do povo?
Estais seguros de serem irrepreensíveis aos olhos das nações, afirmando que essas crescem em 
vossos pastos, enquanto vós diminuís o seu sustento? Ainda sobre as Nações, em relação às santas instituições que haveis conservado, não haveis jamais dado os meios pelo fim, as formas pelos meios, e a tradição pela lei, como repreendia o Reparador aos doutores judeus (Mateus 15)? Não temeis fazer as pessoas adormecerem em um repouso apático? Não temeis haver trabalhado vós mesmos para demolir aquela igreja que nos anunciais como bem consolidada?
No entanto, essa igreja encontra-se hoje constituída, apesar dos danos que sofreu, sem os quais não haveria mediação entre o amor supremo e os pecados da Terra. Assim, nem a força do homem nem o poder do inferno prevalecerão sobre essa igreja. Ela encontra-se constituída apenas para depor, um dia, contra os ministros que não lhe foram fiéis, para servir à eles como voz de juízo e condenação - quando se lamentará perante o tribunal soberano das injúrias que lhe causaram, transformando seus hábitos de glória em hábitos de luto e indigência. Dado que essa igreja terá patrocinado sobre a Terra a causa do amor, o próprio amor defenderá por sua vez a causa dessa igreja perante o juiz eterno, dos quais os seus ministros haverão suscitado os temíveis atos de justiça. Pensai como serão terríveis esses atos de justiça, pois serão aqueles do amor ultrajado e ferido até sua misericórdia.
Se esses juízos futuros vos assustam, se por desgraça deveríeis dirigir a vós mesmos as repreensões das quais falamos, retornem o mais rápido possível aos caminhos do vosso sublime ministério para prevenir sobre os terríveis atos de justiça aos apóstolos da mentira que freqüentemente encontram-se sentados sobre a cátedra da verdade. À eles se dirigia Davi no Salmo 94(93):20: Pode o trono da destruição ser associado à Ti? Aqueles que talham o mal num estatuto? À estes se dirigia Sofonias falando dos crimes de Jerusalém (3:3): Seus príncipes, em seu seio, são leões que rugem; seus juizes são lobos da estepe que não deixam nada para amanhã.
Como fizeram aqueles ministros enganadores para atingir tal injustiça? Começaram fechando os olhos sobre a santidade da nossa natureza, que nos chamava a ser os sinais e os testemunhos do 
Deus da paz do universo. E ainda mais fecharam os olhos sobre a terrível sentença que envolve toda a raça humana no humilhante significado Ecce Homo. Portanto não perceberam mais aquele rio de amor sobre o qual havia-lhes estabelecido o seu ministério para saciar as Nações.
Suas inteligência ofuscadas não mais reconheceram as confirmações da verdade reportadas em todas as linhas da Sagrada Escritura. Consequentemente, não podendo explicar as Escrituras com a única e verdadeira chave justa, esforçaram-se em explicar primeiro com a chave falsa da sua ignorância, depois com aquela da ambição e finalmente com aquela das paixões. Os ministros se tornaram assim os exterminadores das nossas inteligências, e segundo Isaias 5:20: Ao mal chamam de bem e ao bem chamam de mal, transformam as trevas em luz e a luz em trevas, mudam o amargo 
em doce e o doce em amargo. Estes sempre segundo o mesmo profeta 5:18, se apegam a 
iniquidade, arrastando-a com as cordas da mentira e o pecado com os tirantes de um carro. Estes são os opressores que saqueiam o povo.......os teus condutores te desencaminham, baralham as veredas em que deves andar (3:12).
Em vão, diz Jeremias, queriam justificar a sua conduta para retornar na graça com o Senhor, 
porque estes mesmos ensinaram aos outros o mal que fizeram, pois foi encontrado em suas mãos o 
sangue daqueles que assassinaram. Estes atacaram a verdade até no seu santuário, que é o 
pensamento do homem e o verdadeiro depositário ao qual devem responder.

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