sexta-feira, 23 de abril de 2021

Libertários e conservadores: uni-vos... Parte 2, final e mais importante

  Por Murray Rothbard

Podemos ver como os regentes do estado se beneficiam dessa sua aliança com os intelectuais; mas o que os intelectuais ganham com esse arranjo?  Intelectuais são pessoas que acreditam que, em um livre mercado, auferem uma renda muito aquém de sua sabedoria.  Para se aproveitar disso, o estado, para favorecer estes egos tipicamente hiperinflados, está disposto a oferecer aos intelectuais um nicho seguro e permanente no seio do aparato estatal; e, consequentemente, um rendimento certo e um arsenal de prestígios.  O estado está disposto a pagar a esta gente tanto para tecerem apologias ao poder estatal quanto para preencher a miríade de postos de trabalho nas universidades, na burocracia e no aparato regulatório do estado.  Com efeito, o estado democrático moderno criou uma maciça superabundância de intelectuais.

Em séculos passados, as igrejas formavam a classe exclusiva de formadores de opinião da sociedade.  Daí a importância para o estado e seus burocratas de formar uma aliança entre o estado e a igreja, e daí a importância para libertários da separação entre estado e igreja, o que na prática significa não permitir que o estado conceda a um grupo o monopólio da tarefa de moldar as opiniões da sociedade.  No século XX, obviamente, a igreja foi substituída, e o papel de moldar opiniões — ou, naquela adorável frase, de "fabricar o consentimento" — foi entregue a um enxame de intelectuais, acadêmicos, cientistas sociais, tecnocratas, cientistas políticos, assistentes sociais, jornalistas e a toda a mídia em geral. 

Portanto, para resumir o problema: na social-democracia, as elites dominantes — políticos, burocratas e grandes empresários — se uniram aos intelectuais e à mídia, e, com o apoio e o trabalho destes, conseguiram iludir e confundir as massas, doutrinando-as com uma "falsa consciência", como diriam os marxistas, fazendo-as aceitar passiva e alegremente seu domínio.  Aquilo que em arranjos mais honestos seria visto como espoliação e exploração, na social-democracia é visto como "bem comum", "desenvolvimentismo" e "justiça social".

Sendo assim, o que nós, da oposição libertária e conservadora, podemos fazer a respeito? 

Uma estratégia endêmica aos libertários e aos liberais clássicos é aquela que pode ser chamada de modelo hayekiano, em homenagem a F.A. Hayek.  Eu chamo de "educacionismo".  Ideias, segundo este modelo, são cruciais; e ideias perpassam toda uma hierarquia, começando com os filósofos do alto escalão, de onde descem para os filósofos menos proeminentes, depois para os acadêmicos, e finalmente chegam aos jornalistas e políticos, de onde então atingem as massas.  Por essa estratégia, o que deve ser feito é converter os filósofos do alto escalão para as ideias corretas.  Ato contínuo, eles irão converter os outros filósofos menos proeminentes, e daí por diante, em uma espécie de "efeito-goteira", até que as massas inevitavelmente serão convertidas e a liberdade será finalmente alcançada.

O problema com essa estratégia do gotejamento é que ela é muito suave e refinada, dependente de mediações e persuasões serenas nos austeros corredores da intelectualidade.  Essa estratégia combina bem com a personalidade de Hayek, que nunca foi exatamente um combatente intelectual agressivo.

É claro que ideias e persuasão são importantes, mas há várias falhas cruciais nesta estratégia hayekiana.  Em primeiro lugar, obviamente, essa estratégia irá, na melhor das hipóteses, levar várias centenas de anos para surgir algum efeito, e muitos de nós estamos um tanto impacientes para isso.  Mas o tempo não é de modo algum o único problema.  Várias pessoas já observaram os misteriosos bloqueios neste gotejamento feitos pela mídia.  Por exemplo, vários cientistas sérios têm uma visão bem distinta a respeito das questões ambientalistas que hoje estão em voga; no entanto, são sempre os mesmos histéricos de esquerda que são exclusivamente citados nas reportagens da mídia.  O mesmo ocorre às enfadonhas abordagens sobre racismo, homofobia e "direitos das minorias".  Sendo assim, por que esperar que uma mídia que invariavelmente distorce as coisas para o lado politicamente correto irá repentinamente vir para o lado da razão?  Já está cristalino que a mídia, principalmente a 'mídia respeitável e influenciável', possui e sempre terá uma forte inclinação progressista.

De modo geral, o modelo hayekiano do gotejamento ignora um ponto crucial: o fato de que — e eu espero não estar retirando seu prazer de viver — intelectuais, acadêmicos e a mídia não são exatamente motivados pela verdade.  É verdade que as classes intelectuais podem fazer parte da solução, mas elas também são uma grande parte do problema.  Como vimos, os intelectuais fazem parte da classe dominante, e seus interesses econômicos, bem como seus interesses em termos de prestígio, poder e admiração dependem inteiramente da continuidade do atual sistema social-democrata.

Outra estratégia é aquela comumente perseguida por vários institutos conservadores e liberais: a persuasão silenciosa feita diretamente nos corredores do poder, sem passar pela comunidade acadêmica.  Tal estratégia é chamada de estratégia fabiana, e os institutos saem divulgando relatórios pedindo uma redução de 5 pontos percentuais na alíquota de importação e de 2 pontos percentuais na alíquota do imposto de renda, além de uma pequena redução das regulamentações e da burocracia.  Os defensores dessa estratégia apontam para o sucesso da sociedade fabiana, a qual, por meio de suas detalhadas pesquisas empíricas, suavemente submeteu o estado britânico a um gradual crescimento do poder socialista.

O defeito desta estratégia, no entanto, está no fato de que aquilo que funciona para aumentar o poder estatal não funciona para fazer o inverso.  Afinal, os fabianos estavam estimulando as elites dominantes a aumentar seu poder, que era exatamente o que elas queriam.  Por outro lado, tentar encolher o estado vai fortemente contra sua natureza, e o resultado mais provável é que o estado acabe cooptando e 'fabianizando' os institutos que tentem reduzir seu poder.  Esse tipo de estratégia pode, é claro, ser pessoalmente muito agradável para os membros desses institutos, e pode acabar garantindo alguns contratos lucrativos ou até mesmo alguns confortáveis empregos na máquina pública para essas pessoas.  E esse é exatamente o problema.

Portanto, além de se esforçar para converter os intelectuais para a nossa causa, a ação mais adequada a ser empreendida por uma coalizão entre conservadores e libertários tem necessariamente de ser uma estratégia baseada na confrontação, na coragem e na ousadia.  Uma estratégia que gere dinamismo e entusiasmo; uma estratégia que agite as massas, que as desperte de sua letargia e que exponha as elites arrogantes que estão nos subjugando, nos controlando, nos tributando e nos espoliando.

Logo, a estratégia adequada tem de se basear naquilo que chamo de "populismo liberal": um movimento intelectual empolgante, dinâmico, tenaz, obstinado e confrontador; um movimento que continuamente desafie e chame para o debate público os principais quadros da social-democracia, para expô-los pelo que realmente são; um movimento que desperte e inspire não apenas as massas exploradas, mas também todos os poucos quadros intelectuais da direita.  Nesta era em que as elites intelectuais são todas social-democratas e hostis a uma genuína direita, é necessário um movimento carismático e dinâmico, cujos membros tenham a habilidade de contornar a mídia e saibam se comunicar diretamente com as massas exploradas que dão sustentação ao regime.

Conclusão

Em todas as questões cruciais, os social-democratas se opõem à liberdade e à tradição, posicionando-se sempre a favor do estado interventor, regulador e controlador.  No longo prazo, social-democratas são mais perigosos do que comunistas, e não apenas porque eles são mais resistentes e protegidos, mas também porque seu programa e seu apelo retórico são muito mais insidiosos, dado que eles sabem combinar o charme das ideias socialistas com as atraentes "virtudes" da democracia, tudo cuidadosamente envolto em uma linguagem politicamente correta que promete liberdade de expressão e proteção aos credenciados membros de todos os tipos de grupos vitimológicos, aquela gente que se diz perseguida e que vive lutando por "direitos iguais" — sendo que o 'iguais' significa na verdade 'superiores'. 

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Por muito tempo, os social-democratas obstinadamente se recusaram a aceitar a lição libertária de que liberdades civis e econômicas são indissociáveis; porém, agora, mais maduros e experientes, eles polidamente fingem defender a existência de algum tipo de "mercado", desde que este seja devidamente tributado, regulado e restringido por um maciço estado interventor e assistencialista.  Em suma, há pouca distinção entre os atuais social-democratas e os antigos "socialistas de mercado" da década de 1930, que alegavam ter solucionado aquele defeito fatal do socialismo apontado por Ludwig von Mises: a impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo, que impedia que os planejadores socialistas calculassem preços e custos, impossibilitando-os de planejar uma economia moderna e funcional.

No arsenal coletivista que dominou o cenário mundial do século XX, havia vários programas estatistas concorrentes: dentre eles, o comunismo, o fascismo, o nazismo e a social-democracia.  Os nazistas e os fascistas estão mortos e enterrados; o comunismo ainda existe apenas em alguns países sem nenhuma importância.  Restou somente a mais insidiosa forma de estatismo: a social-democracia.  Em meio a uma cultura capturada por ideias progressistas e programas sociais esquerdistas, somente uma coalizão entre conservadores e libertários pode frustrar os planos dos social-democratas de alcançarem uma completa e irreversível tomada do poder.



autor

Murray N. Rothbard
(1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

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