domingo, 18 de abril de 2021

Libertários e conservadores: uni-vos... Parte 1

 Libertários e conservadores: uni-vos contra o verdadeiro inimigo

Embora haja algumas divergências pontuais, libertários e conservadores possuem, em termos gerais, o mesmo objetivo: reduzir o tamanho do estado e sua interferência na economia e na sociedade.  Conservadores e libertários moderados defendem um governo estritamente limitado à defesa dos direitos de propriedade.  Libertários mais radicais querem ir além e abolir todo o governo. 

Caso houvesse uma coalizão entre libertários e conservadores, haveria inevitáveis diferenças de opinião em relação aos meios e aos fins.  No entanto, todas estas diferenças podem ser reduzidas à seguinte questão: quanto do governo atual você estaria disposto a abolir?  Até que ponto você reverteria e encolheria o governo? 

Há outras diferenças mais filosóficas.  Alguns conservadores se consideram hobbesianos (tradicionalistas).  Alguns libertários se consideram lockeanos (defensores dos direitos naturais).  E ambos têm um quê de burkeanos (utilitaristas).  Há também divergências quanto ao arcabouço político: devemos ser monarquistas, federalistas ou radicais descentralizadores?

Não obstante essas indefinições, o fato é que, uma vez definido que o objetivo principal é encolher o estado, divergências pontuais sobre o que fazer após isso podem ser perfeitamente deixadas para depois.  Uma coalizão entre libertários e conservadores é essencial para a derrubada do principal inimigo da atualidade.  Qual é este inimigo que libertários e conservadores têm em comum?

Trata-se justamente daquele arranjo que ascendeu vigorosamente com a derrocada do comunismo, e que representa uma ameaça tanto às liberdades individuais e econômicas quanto à família e à tradição: a social-democracia. 

Não apenas a social-democracia, em todos os seus formatos e disfarces, é onipresente e já demonstrou ser mais longeva que o seu parente mais violento, o comunismo, como também os social-democratas — agora que Stalin e seus herdeiros estão fora do caminho — são implacáveis em sua avidez para a conquista do poder total.  Por serem defendidos pela "Mídia Respeitável" e por adornarem seus reais objetivos de poder absoluto em uma linguagem polida e politicamente correta, os social-democratas são inimigos traiçoeiros e lisos.  Exatamente por isso eles têm de ser combatidos vigorosamente — e o maior objetivo de uma coalizão entre conservadores e libertários é colocar um freio nesta gente.

Mas apenas apontar o dedo para a social-democracia não basta.  Uma coisa é reconhecer o arranjo inimigo; outra coisa, tão essencial quanto, é reconhecer os integrantes deste arranjo.

E esta é uma questão que não pode de modo algum ser deixada para depois.  Ao contrário, aliás: ela deve ser abordada antes de qualquer plano de ação.  Os marxistas, que sempre dedicaram uma enorme quantidade de tempo pensando em uma estratégia para seu movimento, sempre se fizeram a seguinte pergunta: quem é o agente da mudança social?  O marxismo clássico encontrou uma resposta fácil: o proletariado.  Porém, com o passar do tempo — e com a recusa do proletariado em ser este agente da mudança —, as coisas foram se tornando menos definidas, e o agente da mudança social passou por sucessivas alterações: camponeses, mulheres oprimidas, minorias, e todos os tipos de grupos vitimológicos (negros, feministas, gays, deficientes, índios, cegos, surdos, mudos etc) que aceitassem este papel.

Para nós, libertários e conservadores, a questão relevante está do outro lado da moeda: quem são os vilões que dão sustento à social-democracia?  Quem são os agentes das mudanças sociais negativas?  Mais ainda: quais grupos da sociedade representam as maiores ameaças para a liberdade?  Basicamente, sempre foram apresentadas duas respostas: (1) as massas que vivem do assistencialismo e que, por isso, são apologistas do estado; e (2) as elites que controlam o poder.

Ainda em minha juventude, concluí que o maior perigo sempre foi a elite dominante, e pelos seguintes motivos.

Em primeiro lugar, mesmo que as massas dependentes do estado assistencialista tenham o potencial para se rebelar de forma violenta e passar a agir como se seu sustento fosse um direito inalienável ("direito", no caso, nada mais é do que um dever impingido aos pagadores de impostos), o fato é que tais massas simplesmente não têm tempo para se dedicar à política e às peripécias e trapaças do jogo político.  O cidadão pertencente a este grupo passa a maior parte do seu tempo cuidando de seus afazeres rotineiros, interagindo com seus amigos e se divertindo com a família.  Apenas muito esporadicamente ele irá se interessar por política ou se engajar politicamente em uma causa.

As únicas pessoas que têm tempo para se dedicar à política são os profissionais: burocratas, políticos e grupos de interesse (como lobistas e grandes empresários) que dependem diretamente das regras estipuladas por políticos e burocratas.  Dado que tais pessoas ganham muito dinheiro com o jogo político — como, por exemplo, quando conseguem subsídios e protecionismos —, elas são intensamente interessadas no assunto, e dedicam vinte e quatro horas de seus dias pensando em novas maneiras de espoliar a população em benefício próprio.  Sendo assim, estes grupos de interesse sempre representarão um perigo muito maior para a nossa liberdade e propriedade do que as massas desinteressadas.

Esta foi a constatação básica dos seguidores da Escolha Pública.  Os únicos outros grupos interessados em política em tempo integral são aqueles que se interessam em estudar o assunto, ideólogos como nós, um segmento nada volumoso da população.  Portanto, o problema está tanto na elite que controla o aparato estatal quanto na elite cuja riqueza depende diretamente das políticas implantadas por este aparato estatal. 

Um segundo ponto crucial é que a social-democracia, com seu estado fiscalmente voraz e obeso, divide a sociedade em dois grupos: a elite dominante, que necessariamente é a minoria da população, e que é sustentada pelo segundo grupo — nós, o resto da população.  Neste quesito, sempre recomendo um dos mais brilhantes ensaios já escritos sobre filosofia política: Disquisition on Government, de John C. Calhoun.  Segundo Calhoun:

[O] inevitável resultado desta iníqua ação fiscal do governo será a divisão da sociedade em duas grandes classes: uma formada por aqueles que, na realidade, pagam os impostos — e, obviamente, arcam exclusivamente com o fardo de sustentar o governo —, e a outra formada por aqueles que recebem sua renda por meio do confisco da renda alheia, e que são, com efeito, sustentados pelo governo.  Em poucas palavras, o resultado será a divisão da sociedade em pagadores de impostos e consumidores de impostos.

Porém, o efeito disso será que ambas as classes terão relações antagonistas no que diz respeito à ação fiscal do governo e a todas as políticas por ele criadas.  Pois quanto maiores forem os impostos e os gastos governamentais, maiores serão os ganhos de um e maiores serão as perdas de outro, e vice versa.  E, por conseguinte, quanto mais o governo se empenhar em uma política de aumentar impostos e gastos, mais ele será apoiado por um grupo e resistido pelo outro.

O efeito, portanto, de qualquer aumento de impostos será o de enriquecer e fortalecer um grupo [os consumidores líquidos de impostos] e empobrecer e enfraquecer o outro [os pagadores líquidos de impostos].

Logo, quanto mais inchado se torna o governo, maior e mais intenso passa a ser o conflito entre essas duas classes sociais.

No entanto, dado que uma elite minoritária é capaz de governar, tributar e explorar a maioria do público sem sofrer retaliações, isso nos leva ao principal problema da teoria política: o mistério da obediência civil.  Afinal, por que a maioria do público aceita se submeter a estes fracassados, sem oferecer resistência?  Esta indagação foi respondida por três grandes teóricos políticos: Étienne de la Boétie, teórico libertário francês de meados do século XVI; David Hume e Ludwig von Mises.  Eles demonstraram que, exatamente pelo fato de a elite dominante estar em minoria, a coerção por si só não pode funcionar no longo prazo.  Até mesmo na mais despótica das ditaduras, o governo irá se manter apenas se contar com o apoio da maioria da população.  No longo prazo, o que é preponderante são as ideias, e não a força — e qualquer governo tem de ter legitimidade na mente do público.

Esta verdade foi perfeitamente demonstrada durante o colapso da União Soviética.  Quando os tanques foram enviados para capturar Boris Yeltsin, eles foram persuadidos a apontar suas armas para o outro lado e a defender Yeltsin e o Parlamento russo.  Em linhas gerais, estava claro que o governo soviético havia perdido toda a legitimidade e apoio entre a população.  Para um libertário, foi particularmente fantástico assistir à morte de um estado, particularmente um estado monstruoso como a União Soviética.  Até o final, Gorbachev continuou emitindo decretos, como sempre fez, mas a diferença é que ninguém mais prestava atenção e nem dava a mínima.  O antes todo poderoso Supremo Soviético (a legislatura da URSS) continuava se reunindo frequentemente, mas ninguém se dava ao trabalho de comparecer.  Glorioso!

Mas ainda não resolvemos o mistério da obediência civil.  Se a elite dominante está tributando, espoliando e explorando o público, por que o povo não se rebela?  Por que ele tolera tudo isso?  Por que ele simplesmente não retira seu consentimento?

Resposta: não se deve jamais ignorar o papel crucial dos intelectuais, a classe que molda as opiniões da sociedade.  Se as massas soubessem como o estado realmente opera, elas imediatamente retirariam seu consentimento.  Elas rapidamente perceberiam que o rei está nu, e que elas estão sendo espoliadas.  É para evitar essa "tragédia" que os intelectuais entram em cena.

A elite dominante, seja ela os monarcas de antigamente, os comunistas de pouco tempo atrás ou os social-democratas da atualidade, necessita desesperadamente de exércitos de intelectuais que teçam apologias para o poder estatal.  O estado governa por determinação divina; o estado assegura o bem comum e o bem-estar geral; o estado nos protege dos bandidos que estão sempre à espreita; o estado garante o pleno emprego; o estado ativa o multiplicador keynesiano; o estado garante a justiça social.  Como demonstrou Karl Wittfogel em sua grande obra, Oriental Despotism, nos impérios asiáticos, os intelectuais lograram êxito com a teoria de que o imperador ou o faraó era uma entidade divina.  Se o soberano é Deus, poucos se atreverão a desobedecer ou a questionar suas ordens.

Podemos ver como os regentes do estado se beneficiam dessa sua aliança com os intelectuais; mas o que os intelectuais ganham com esse arranjo?  Intelectuais são pessoas que acreditam que, em um livre mercado, auferem uma renda muito aquém de sua sabedoria.  Para se aproveitar disso, o estado, para favorecer estes egos tipicamente hiperinflados, está disposto a oferecer aos intelectuais um nicho seguro e permanente no seio do aparato estatal; e, consequentemente, um rendimento certo e um arsenal de prestígios.  O estado está disposto a pagar a esta gente tanto para tecerem apologias ao poder estatal quanto para preencher a miríade de postos de trabalho nas universidades, na burocracia e no aparato regulatório do estado.  Com efeito, o estado democrático moderno criou uma maciça superabundância de intelectuais.

Continua...


Fonte: 

https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1583

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