sexta-feira, 10 de novembro de 2017

LIBERTARISMO E PAZ parte 2 (CRISTIANISMO LIBERTÁRIO - O ANARQUISMO CRISTÃO parte 1)

Uma visão geral do libertarismo cristão que possa englobar todas as correntes deste pensamento talvez não seja possível visto que na prática cada pessoa em última análise é livre para ter sua própria ideia de anarquismo cristão. Mas se buscarmos as origens e os principais influentes podemos ter uma ideia geral desse pensamento.
Esse texto a seguir nos servirá apenas como linhas gerais, não tendo a intenção de aprofundar ou definir as diferentes linhas de pensamento, sem mais pretensões ele também nos dará em duas partes uma introdução sobre a história do movimento.

CRISTIANISMO LIBERTÁRIO - O ANARQUISMO CRISTÃO parte 1
O Anarquismo cristão (também conhecido como cristianismo libertário) é um movimento da teologia política centrado na noção de que o anarquismo é inerente ao cristianismo e aos evangelhos.[1][2] A teoria é fundamentada na ideia de que, em última análise, Deus é a autoridade sobre todas as coisas, sendo o soberano governador sobre todas as nações. Do mesmo modo o movimento rejeita a ideia de que os governos humanos têm autoridade máxima sobre as sociedades. Anarquistas-cristãos renunciam a soberania do Estado, acreditando que ele é inseparável da violência e da idolatria.[3] Os anarquistas cristãos sustentam que sob o "Reino de Deus", as relações humanas seriam caracterizadas pela liderança servidora e compaixão universal no lugar das estruturas hierárquicas e autoritárias que normalmente são atribuídas à ordem social religiosa. A maioria dos anarquistas cristãos são pacifistas, deste modo rejeitam a guerra e o uso da violência.[4]
Mais do que qualquer outra fonte bíblica, o Sermão da Montanha é usado como base para o anarquismo cristão. A obra de Liev Tolstói, "O reino de Deus está em vós também" é frequentemente associada como um dos textos-chaves do anarquismo cristão moderno.[4][5]
Origens
The Deserter (1916) obra de Boardman Robinson.
Antigo testamento
Jacques Ellul, filósofo francês e anarquista cristão, observou que o versículo final do Livro dos Juízes (21:25) afirma que não havia rei em Israel, pois "todos fizeram o que acharam conveniente".[6][7][8] Posteriormente, conforme registrado no primeiro Livro de Samuel (Samuel 8), o povo de Israel desejava um rei "como o têm as demais nações."[9][10] Deus declarou então que o povo o havia rejeitado como seu rei. Ele advertiu que um rei humano levaria ao militarismo, ao recrutamento e à tributação, e que as súplicas de misericórdia às vontades desse rei não seriam atendidas. Samuel transmitiu o aviso de Deus aos israelitas, mas ainda assim eles ainda exigiram um rei, e Saul tornou-se o governante de Israel.[11]
Novo Testamento
O Sermão da Montanha retratado por Carl Heinrich Bloch.
Mais do que qualquer outra fonte bíblica, o Sermão da Montanha é frequentemente usado como base para o anarquismo cristão. Alexandre Christoyannopoulos explica que o Sermão ilustra perfeitamente o ensino central de amor e perdão de Jesus Cristo. Anarquistas cristãos afirmam que o estado, fundado na violência, corrompe o mandamento de amar nossos inimigos.[12]
As Escrituras ainda narram a tentação de Jesus no deserto. Durante a tentação final, Jesus foi levado a uma grande montanha por Satanás que lhe propôs todos os reinos terrenos, caso Jesus resolvesse se inclinar diante dele. Os anarquistas cristãos usam essa narrativa como prova de que todos os reinos e governos terrestres são governados por Satanás, já que ele os ofereceu a Jesus. O filho de Deus recusou a tentação, escolhendo servir ao pai, fato que, segundo os anarquistas cristãos, indica que ele estaria ciente da natureza corruptora do poder terrestre.[13]
A escatologia cristã e vários anarquistas cristãos, como Jacques Ellul, identificaram o poder político e estatal como a Besta mencionada no Livro do Apocalipse.[14]
A compatibilidade entre anarquismo e cristianismo causa discordâncias entre teóricos. Alguns sustentam que não se pode ser integralmente cristão e anarquista concomitantemente. Parte dessa discordância se dá pelo fato de que outras correntes anarquistas são de origem ateia ou laica. Os anarco-sindicalistas, por exemplo, citam frequentemente a frase "sem deuses, sem mestres", ao passo que os cristãos frequentemente citam a Epístola aos Romanos. O versículo 6 indica que os cristãos também devem pagar tributos.[15]
Cristianismo Primitivo
De acordo com Alexandre Christoyannopoulos, vários dos escritos dos Padres da Igreja sugerem o anarquismo como o ideal de Deus.[16] Os primeiros cristãos se opuseram ao primado do Estado: "Devemos obedecer a Deus como governante no lugar de homens" ( Atos 4:19, 5:29, 1 Coríntios 6: 1-6); "E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo". (Colossenses 2:15). Além disso, algumas comunidades cristãs primitivas parecem ter praticado uma espécie de comunismo anarquista. Os integrantes do grupo de Jerusalém descrito em Atos compartilhavam o trabalho e dinheiro de forma equivalente entre seus membros.[17] Alguns anarquistas cristãos, como Kevin Craig, insistem que essas comunidades estavam centradas no amor verdadeiro e se preocupavam umas com as outras em vez de se preocuparem com uma liturgia. Eles também alegam que a razão pela qual os primeiros cristãos foram perseguidos não era porque adoravam a Jesus Cristo, mas porque se recusavam a adorar os ídolos humanos que reivindicavam o status divino. Dado que eles se recusaram a adorar o Imperador romano, eles se recusaram a jurar qualquer ato de fidelidade ao Império. Por exemplo, quando solicitado que eles jurassem pelo nome do imperador, Speratus, porta-voz dos mártires scillitanos, disse: "Eu reconheço não o império deste mundo... pois eu sei que meu Senhor é o Rei dos reis e imperador de todas as nações."[18]
Thomas Merton, em sua introdução a uma tradução de Sayings of the Desert Fathers, descreve os primeiros monásticos como "verdadeiros anarquistas em sentido estrito".[19]
O ANARQUISMO CRISTÃO NA HISTÓRIA
Império Romano
Para os anarquistas cristãos, o momento que sintetizou a degeneração do cristianismo foi a conversão do Imperador Constantino após a sua vitória na Batalha da Ponte Mílvia em 312.[20] Após este evento, o cristianismo foi legalizado pelo Édito de Milão de 313, fato que marcou a transformação de uma igreja humilde governada de baixo para cima para a edificação de uma organização autoritária que governava de cima para baixo. Os anarquistas cristãos apontam o édito como o ponto inicial da "mudança constantiniana", na qual o cristianismo gradualmente foi se mesclando com a vontade da elite dominante, e terminou como a Igreja Estadual do Império Romano. Sob essa perspectiva, o Édito também foi responsável pelas Cruzadas, pela Inquisição e pelas Guerras religiosas na França.[20]
Idade Média
Após a conversão de Constantino, Alexandre Christoyannopoulos relata que o pacifismo cristão e o anarquismo foram abandonados por quase um milênio até o surgimento de pensadores como Francisco de Assis e Petr Chelčický. Francisco de Assis (c.1181-1226) era um pregador ascético, pacifista e amante da natureza. Como filho de um rico comerciante de roupas, ele desfrutou de uma vida privilegiada, mas se alistou como soldado e, a partir de então, mudou radicalmente suas crenças e práticas após um despertar espiritual. Francisco tornou-se um pacifista e evitou bens materiais, tentando seguir os passos de Jesus. Peter Maurin, co-fundador do Movimento dos Trabalhadores Católicos, foi fortemente influenciado por Francisco de Assis. O trabalho de Petr Chelčický (c.1390-c.1460), especificamente The Net of Faith , influenciou Leon Tolstoy e é referenciado em seu livro "O reino de Deus está em vós".[21]
Revoltas populares durante a pós-reforma
Os "Diggers".
Vários autores socialistas libertários identificaram o reformador social protestante inglês Gerrard Winstanley bem como o ativismo social de seu grupo, os Diggers, como coerentes com o anarquismo cristão.[22] Para o historiador anarquista George Woodcock "Embora (Pierre Joseph) Proudhon tenha sido o primeiro escritor a se chamar anarquista, pelo menos dois predecessores delinearam sistemas que contêm todos os elementos básicos do anarquismo. O primeiro foi Gerrard Winstanley (1609-c. 1660). Winstanley e seus seguidores protestaram em nome de um cristianismo radical contra a crise econômica que se seguiu à Guerra civil inglesa e contra a desigualdade que os grandes do novo exército pareciam querer preservar".[23]

En 1649-1650, os Diggers tentaram criar comunidades baseadas no trabalho na partilha de bens ao sul da Inglaterra. As comunidades falharam após serem fortemente repreendidas pelas autoridades inglesas, mas uma série de panfletos de Winstanley foram preservados dos quais Nova Lei da Justiça (1649) foi o mais importante. Sustentando um cristianismo racional, Winstanley comparou Cristo com "a liberdade universal" e sustentou a natureza universalmente corruptora da autoridade. Ele traçou um vínculo entre a instituição da propriedade e a falta de liberdade. Para Murray Bookchin "No mundo moderno, o anarquismo apareceu pela primeira vez como um movimento do campesinato e simpatizante face ao declínio das instituições feudais. Na Alemanha, o principal porta-voz das guerras camponesas foi Thomas Müntzer; na Inglaterra, Gerrard Winstanley. Os conceitos de Müntzer e Winstanley estavam perfeitamente adaptados às necessidades de seu tempo - um período histórico em que a maioria da população vivia no campo e quando as forças revolucionárias mais militantes vieram do meio agrário. Seria muito difícil argumentar se Müntzer e Winstanley poderiam ter alcançado seus ideais. O que é de importância real é que eles foram proeminentes; seus conceitos anarquistas surgiram naturalmente da sociedade rural".[24]


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