segunda-feira, 17 de março de 2025

O Fator Melquisedeque - POVOS COM COSTUMES ESTRANHOS

Do livro O Fator Melquisedeque 

de Don Richardson 



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POVOS COM COSTUMES ESTRANHOS

Os leitores que conhecem meus dois primeiros livros - O Totem
da Paz e Senhores da Terra - já têm uma idéia do que entendo por
“ costumes estranhos” . Para os que ainda não leram O Totem da
Paz, por exemplo, dou aqui um breve resumo:
Em 1962, minha esposa Carol e eu, levando nosso filho Estevão
de dezoito meses, viajamos para a Nova Guiné e vivemos como mis-
sionários entre os sawi - uma das quase mil tribos que existem no
semi-continente de 2.400 km da Nova Guiné. Os sawi eram uma das
cinco ou seis tribos deste planeta que praticavam tanto o canibalismo
como a caça a cabeças. Mais tarde, tivemos mais três filhos -
Shannon, Paulo e Valerie - que passaram seus primeiros anos co-
nosco, entre os sawi.

Nossas primeiras tentativas de transmitir o evangelho a eles fo-
ram frustradas devido à sua admiração pelos “ mestres da traição”
- impostores ardilosos que conseguiam manter uma ilusão de amiza-
de durante meses, enquanto firmemente “ engordavam” suas vítimas
com essa amizade, tendo em vista um dia inesperado de matança!

Por causa deste raro tipo de reverência pelo heroísmo, ao ouvi-
rem minhas primeiras tentativas de explicar o evangelho, os sawi
consideraram Judas Iscariotes, o traidor de Jesus, como sendo o he-
rói da história! Jesus, aos olhos dos sawi, não passava do tolo enga-
nado, objeto de riso!

Repentinamente, minha esposa e eu nos vimos diante de dois
problemas graves. Primeiro, como poderíamos tornar claro o signifi-
cado real do evangelho para aquele povo, cujo sistema de valores
parecia tão oposto ao do Novo Testamento? Segundo, como nos as-
segurar de que os sawi não estavam nos engordando com sua ami-
zade para uma matança inesperada?

Orando para que Deus nos desse uma ajuda especial, desco-
brimos finalmente que os sawi tinham um método singular de fazer a
l>iiz e evitar surtos de traição. Quando um pai sawi oferecia seu filho
I>»rn outro grupo como uma "Criança da Paz” , não só as diferen­
ças antigas eram canceladas, como também prevenidas futuras oca-
siões de perfídia - isso, porém, só enquanto a Criança da Paz per-
manecesse viva. Nossa chave para comunicação foi, então, a apre-
sentação de Jesus Cristo aos sawi como o derradeiro Filho da Paz,
usando Isafas 9.6, João 3.16, Romanos 5.10 e Hebreus 7.25 como os
principais correspondentes bíblicos à analogia da Criança da Paz.
Por este meio, o significado do evangelho penetrou na mente
sawi! Uma vez compreendido que Judas traíra uma Criança da Paz,
não mais o consideraram um herói. Para os sawi, a traição de uma
Criança da Paz representava o mais hediondo dos crimes!

Desde aqueles dias, aproximadamente dois terços do povo sa-
wi, em suas próprias palavras, “ colocaram as mãos sobre a Criança
da Paz de Deus, Jesus Cristo, por meio da fé", aludindo à sua exi-
gência de que os recipientes de uma criança da paz colocassem as
mãos individualmente sobre o filho que lhes fora dado e dissessem:
"Recebemos esta criança como uma base para a paz!”

Outros povos, no entanto, possuem costumes igualmente estra-
nhos que fornecem analogias para o evangelho. Os capítulos se-
guintes contêm diversos exemplos. Em primeiro lugar, porém, note o
fundamento bíblico para encontrar e usar tais costumes como escla-
recimento da verdade espiritual:
Saulo de Tarso - que se tornou o apóstolo Paulo - tinha uma
vantagem sobre os judeus que passaram todo o seu tempo na Pales-
tina. Teve muito maior oportunidade de observar os gentios e seus
costumes. Nascido numa cidade predominantemente gentia, fluente
em pelo menos uma língua gentia e cidadão de um império cosmopo-
lita verdadeiramente gentio, Paulo chegou a algumas conclusões in-
teressantes sobre os gentios.

Esta é uma delas: Paulo observou que os gentios freqüente-
mente se comportavam como se estivessem obedecendo voluntaria-
mente à lei de Moisés, quando de fato jamais tinham ouvido falar de
Moisés ou de sua lei! Como isso podia acontecer? perguntou ele.

Mais tarde, o Espírito de Deus guiou Paulo a uma resposta surpreen-
dente: "Quando, pois, os gentios que não têm lei, procedem por natu-
reza de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei pa-
ra si mesmos" (Rm 2.14). Em outras palavras, a lei expressa na na-
tureza pagã do homem serve para ele como uma espécie de Antigo
Testamento intermediário. Isso na realidade não basta, mas é muito
melhor do que não ter lei alguma!
Paulo continua: “ Não tendo lei, servem eles de lei para si mes-
mos. Estes mostram a norma da lei gravada nos seus corações,
testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos
mutuamente acusando-se ou defendendo-se” (vv. 14-15, grifo acres-
centado).

Paulo foi evidentemente justo com os gentios. Ele lhes deu até
aos mais rudes, crédito por possuirem uma sensibilidade morai dada
por Deus, em separado da revelação judia-cristã. Salomão, como já
vimos, discerniu que Deus “ pôs a eternidade no coração do homem”
(veja Ec 3.11). Agora, o apóstolo acrescenta que Deus também es-
creveu as exigências da sua lei no mesmo lugar!

O homem não-regenerado é duplamente perseguido! Primeiro,
ele sente a eternidade, em direção à qual se move - partícula finita
que é - como alguém estranhamente destinado. A seguir, descobre
gravada em seu próprio coração uma lei que o condena a não atingir
o seu destino eterno!
Não é de admirar que Paulo tenha escrito em outro ponto: “ Ai
de mim se não pregar o evangelho” (1 Co 9.16). Nada mais pode dar
fim a esta dupla perseguição do homem!

Aqueles dentre nós que estudaram as jornadas do apóstolo ain-
da mais profundamente no domínio gentio, descobriram que a sua ob-
servação cumpriu-se de maneiras que ele mesmo talvez jamais ti-
vesse julgado possíveis. Por exemplo: Uma das exigências da lei
mosaica era um estranho rito anual envolvendo dois bodes machos.
Ambos os bodes eram primeiro apresentados ao Senhor (Lv 16.7). A
seguir, o sumo sacerdote hebreu tirava sortes para escolher um dos
bodes como oferta sacrificial. Depois disso, ele matava o bode es-
colhido e aspergia seu sangue sobre o “ propiciatório” (Lv 16.15).

O que acontecia ao outro bode?


O sumo sacerdote impunha as mãos sobre a cabeça dele, de-
pois confessava os pecados do povo, colocando-os simbolicamente
sobre o segundo bode. Uma pessoa indicada para a tarefa levava
então o mesmo para longe do povo e o soltava no deserto. Uma vez
que o “ bode emissário” desaparecia de vista, o povo hebreu come-
çava a louvar a Javé pela remoção de seus pecados.

Quando João Batista apontou para Jesus e disse: “ Eis o Cor-
deiro de Deus, cue tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29), ele identificou
Jesus Cristo como o cumprimento perfeito e pessoal do simbolismo
hebreu do bode expiatório. Eram necessários dois animais para re-
presentar o que Cristo iria realizar sozinho quando morresse pelos
nossos pecados. Não satisfeito em simplesmente expiar nossos pe-
cados, Ele também removeria a própria presença dos mesmos!

Uma determinada seita tentou desenvolver uma interpretação
diferente. Embora concordando que o primeiro animal fosse uma
sombra ou tipo de Cristo, eles insistem em que o bode expiatório re-
presenta Satanás. O autor do pecado, raciocinam eles, deve ser o
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rtltlmo a levá-lo embora. Esta teoria fica prejudicada por ignorar um
ii«lHlhe que assoma como uma advertência em seu caminho. Ambos
ou bodes, e não só o primeiro, tinham de ser apresentados perante o
'•onhor, implicando em que não deviam ter qualquer defeito, como era
noütume em todas as ofertas dos hebreus.

De acordo com esse pano-de-fundo, considere a seguinte ceri-
mônia realizada anualmente por certos clãs entre os dyaks, de Bor-
nóu.

Os Dyaks de Bornéu


Os anciãos dyaks ficam agrupados observando os artesãos da-
rom os últimos retoques a um barco em miniatura. Os peritos entre-
gam o barco aos anciãos que o levam cuidadosamente até à margem
do rio, perto da aldeia em que moram, chamada Anik. Enquanto toda
n população de Anik fica olhando, um dos anciãos escolhe duas gali-
nhas do bando da aldeia. Depois de verificar se ambas são sadias,
ele mata uma delas e asperge o seu sangue ao longo da margem. A
outra galinha é amarrada viva a uma das extremidades do pequeno
barco.
Alguém traz uma pequena lanterna e a prende do outro lado do
barco, acendendo-a. Neste ponto, cada residente da aldeia aproxima-
se do barquinho e coloca mais alguma coisa, algo invisível, entre a
lanterna acesa e a galinha viva.

Pergunte a um dyak o que ele colocou entre a lanterna e a gali-
nha e ele responderá: “ Dosakul" (meu pecado).

Quando todos os habitantes de Anik tiverem colocado o seu do-
sa sobre o pequeno barco, os anciãos da aldeia o levantam cuidado-
samente do solo e entram no rio com ele, soltando-o na correnteza.

À medida que é levado por esta, os dyaks que observam da
margem ficam tensos. Os anciãos que permaneceram no rio, com
água até o peito, prendem a respiração. Se o barquinho voltar para a
margem, ou bater em algum obstáculo oculto, à vista da aldeia, o po-
vo de Anik viverá sob uma nuvem de ansiedade até que a cerimônia
possa ser repetida no ano seguinte!

Mas se o barquinho desaparecer numa curva do rio, todo o gru-
po levanta os braços para o céu e grita: "Selamat! Selamat! Sela-
mat!’’ ( Estamos salvos! Estamos salvos!)1

Mas só até o próximo ano.
Os judeus tinham os seus bodes emissários; os dyaks, os seus
barcos emissários.
Qual deles podia realmente remover os pecados? Resposta:
nem um nem outro! O apóstolo que escreveu a Epístola aos Hebreus,
disse: “ Nesses sacrifícios faz-se (os judeus) recordação de pecados
todos os anos, porque é impossível que sangue de touros e bodes
remova pecados... Temos sido santificados mediante a oferta do cor-
po de Jesus Cristo, uma vez por todas” (Hb 10.3-10).

Se até mesmo os sacrifícios judeus, ordenados por Deus, ser-
viam somente como sombra de algo que ainda estava para vir, não é
necessário dizer que o barco emissário dos dyaks também não pode-
ria remover verdadeiramente os pecados. Então, será que ele não
tem qualquer significado? Tem sim! O barco emissário dos dyaks in-
corpora vários conceitos válidos. O homem precisa ter seus pecados
removidos! A remoção do pecado não exige apenas a morte, mas
também a presença viva de algo puro! A iluminação da verdade (sim-
bolizada pela lanterna acesa) é um pré-requisito necessário para es-
sa remoção!

Quem poderia ter sonhado que os dyaks, antes temidos como
caçadores de cabeças, iriam se mostrar já pré-sintonizados com
conceitos neste comprimento de onda fortemente para-bíblico?

Cuidado, porém: os budistas no Camboja também enviam bar-
quinhos correnteza abaixo pelo rio Mekong, em certas épocas do
ano. Dezenas dessas pequenas embarcações levando lanternas, têm

sido vistas brilhando nas águas do Mekong à noite. Os barcos cam-
bojanos têm como propósito levar embora os espíritos dos mortos ou
transportar ofertas de alimento aos mortos, nada tendo a ver com a
remoção de pecados.
É necessário estudar o objetivo por trás de qualquer costume
estabelecido, antes de tirar conclusões sobre a sua ligação potencial
com conceitos bíblicos. Os barcos cambojanos desse tipo podem,
originalmente, ter tido um propósito semelhante ao dos “ barcos emis-
sários” de Bornéu. Os adoradores predecessores, com o passar dos
séculos, cedendo ao Fator Sodoma, talvez tenham mudado o costu-
me original de forma tão drástica que ele não representa mais uma li-
gação com a verdade bíblica.

As boas-novas de que Cristo tornou-se o Portador do pecado
da humanidade são um dos principais componentes do evangelho,
mas não representam todo ele. O mesmo Cristo que remove o nosso
pecado também implanta um novo espírito em nós, para que não vol-
temos a repetir infindavelmente as mesmas ofensas. Jesus disse que
todos os que recebem este dom de um novo espirito “ nasceram de
novo” (Jo 3.3).
O verdadeiro significado do “ novo nascimento" é difícil de ser
compreendido pela maioria das pessoas. O primeiro indivíduo com
quem Jesus falou sobre o novo nascimento foi um judeu conhecedor
de teologia, chamado Nicodemos - um membro do conselho judeu
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dominante. Se havia alguém em Jerusalém capaz de entender o que
)« h u s queria dizer com “ novo nascimento” , essa pessoa era Nico-
ilmnos. Todavia...

No momento em que Jesus afirmou “ Se alguém não nascer de
novo, não pode ver o reino de Deus", Nicodemos respondeu com a
••guinte objeção literal, ingênua e quase infantil: “ Como pode um
lioinem nascer, sendo velho?... Pode, porventura, voltar ao ventre
materno e nascer segunda vez?’’ (vv. 3,4).

Se um conhecedor de religião como Nicodemos teve tanta difi-
culdade em compreender o significado do novo nascimento, segundo
n Indicação de Jesus, "gentios incultos” em todo globo terão muito
maior dificuldade para entendê-lo, não é? Esta não é uma insinuação
do que, na verdade, os ensinos de Jesus podem ser complexos de-
mais para quase todos?

De modo algum!
Vamos examinar um dos casos mais complicados da terra...
  

Continua...
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