VII
A liberdade está na base do desígnio de Deus concernente ao mundo e ao homem. A liberdade gera o mal, mas sem a liberdade não existe nada que seja bom. A bondade compulsória não seria boa. Aqui está a contradição fundamental da liberdade. A liberdade para o mal constitui evidentemente uma condição para a liberdade para o bem. Abolir o mal forçadamente, sem deixar traços, implica não restar nada para uma liberdade voltada para o bem. É por isso que Deus tolera a existência do mal. A liberdade gera a tragédia da vida e o sofrimento da existência. Por isso a liberdade é algo difícil e áspero. Nem a liberdade é algo fácil, nem uma vida em liberdade é uma vida fácil. É mais fácil viver dentro da necessidade. Dostoievsky, que tinha profundos plpensamentos sobre a liberdade, sugeriu que a coisa mais difícil wwpara o homem está em suportar a liberdade de espírito, a liberdade de escolha. O homem está pronto para abdicar da liberdade em nome de mitigar o sofrimento da vida por meio de alguma organização compulsória do bem (como nas teocracias compulsórias e no Comunismo Stalinista). Seria um erro pensar que o homem valoriza especialmente a liberdade. Ao contrário, ele tende sempre a ver o dom da liberdade como algo fatal e de modo algum a defende. Não estou falando aqui da liberdade no sentido político, mas exclusivamente da liberdade no sentido metafísico. Mas a liberdade metafísica tem suas próprias consequências vivas e práticas, ela possui sua própria projeção social. Não existe nenhuma espécie de expressão adequada para a liberdade metafísica na vida social. Aqui as correlações são demasiado complexas e misturadas. A liberdade, numa projeção política, costuma ser entendida como os direitos do homem, como as pretensões do homem. Mas se a liberdade é tomada em sua profundidade metafísica, então é forçoso reconhecer que a liberdade não é de modo algum uma questão de direitos e de pretensões humanas, mas antes uma obrigação. O homem deve ser livre em espírito, ele tem que carregar o peso da liberdade até o fim, uma vez que a liberdade está incluída na ideia que Deus faz dele, ela consiste na sua semelhança para com Ele. Deus pede que o homem seja livre, Ele espera do homem o ato da liberdade. Deus precisa da liberdade do homem, mais ainda do que o próprio homem. O homem está pronto para renunciar à liberdade em nome de uma vida fácil, mas Deus não renuncia à liberdade do homem, uma vez que é nisso que está amarrado seu desígnio para a criação do mundo. O ensinamento a respeito do livre arbítrio, tradicionalmente defendido pela teologia Cristã, constitui uma vulgarização do problema da liberdade e uma adaptação dessa com fins utilitários. O ensinamento sobre a liberdade deve estar conectado com o ensinamento sobre o espírito, a respeito do qual eu abordei em meu estudo Freedom and the Spirit.
O problema da liberdade é uma questão filosófica central. A ele estão vinculadas não apenas todas as disciplinas filosóficas (a metafísica, a teoria do conhecimento, a ética, a filosofia da história), como ainda a filosofia se torna contígua à teologia. A história do ensinamento sobre a liberdade é notavelmente a história dos ensinamentos religiosos e teológicos sobre a liberdade. Santo Agostinho e Lutero tiveram grande importância para a questão da liberdade, assim como para os filósofos acadêmicos. E eu me utilizei não apenas da filosofia, mas também da teologia, pois de outra forma é impossível considerar o problema em toda sua profundidade. O problema da liberdade é central e definitivo para a metafísica, e pode ser orientado em prol de todas as questões filosóficas básicas. É possível fazer-se uma classificação dos tipos de conceitos verbais filosóficos de acordo com sua maior ou menor relação com o problema da liberdade. Para o problema da liberdade a diferença mais nítida é entre a filosofia da antiguidade, dos Gregos, em contraste com a filosofia do período Cristão, na história da autoconsciência humana. Aqui o problema da liberdade envolve-se com a questão do infinito e do finito. Os Gregos consideravam que a perfeição era finita. O finito é determinístico. Para eles, o infinito era imperfeito e não determinístico. A perfeição consistia em estabelecer limites, definições, ou seja, ela era determinada. Um entendimento semelhante passou para os Escolásticos medievais, quando Aristóteles foi prescrito, em especial para o sistema de São Tomás de Aquino. Mas no mundo Cristão, na essência do Cristianismo, havia uma infinitude revelada, não apenas com significado negativo, mas também positivo. E com a infinitude revela-se a liberdade, como uma indeterminação. Com Orígenes encontramos um dos primeiros ensinamentos a respeito da liberdade. A filosofia Alemã se distingue ainda mais da filosofia antiga e medieval, na medida em que ela vê na irracionalidade a base da existência e investiga a questão da liberdade a partir daí. Mas o idealismo Alemão tende para um monismo idealista, no qual o problema da liberdade evanesce e a liberdade do homem se esvai. A autêntica filosofia Cristã é uma filosofia de liberdade, e uma solução autêntica para a questão da liberdade só pode ser construída procedendo da ideia do Deus-homem. E a filosofia religiosa Russa, mais do que todas, entendeu o problema da liberdade, como uma indeterminação e como uma infinitude.
[1] “Freiheit ist bei sich selbst zu sein”.
https://precedejesus1.blogspot.com/2020/01/nikolai-berdiaev-o-problema-metafisico.html?m=1
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