sábado, 14 de setembro de 2024

O problema metafísico da Liberdade - 5 - Nikolai Berdiaev




V

Conectada a essa liberdade potencial, anterior à existência, alojada no abismo do nada, está a possibilidade de criação. A possibilidade de mudança e de desenvolvimento do mundo nasce da liberdade. Apenas na superfície, no plano raso do mundo natural, vemos o desenvolvimento. Mas a teoria evolucionista é completamente ineficaz para conceber as fontes do desenvolvimento no mundo. O entendimento disso só é possível quando se ultrapassa o movimento horizontal por um movimento vertical. Na medida da profundidade, é ao longo dessa vertical que acontece essa criação a partir da liberdade, a partir de uma potencialidade insondável, e daí ela se projeta na superfície, como desenvolvimento. Para além do desenvolvimento no mundo estão ocultas ações criadoras, em especial porque as ações criadoras pressupõem da liberdade, e a liberdade pressupõe essa insondável potencialidade que nasce do nada. Sem a potencialidade, sem o nada, nada no mundo se transformaria, não haveria desenvolvimento, nem criação ou criatividade. O ensinamento de Aristóteles a respeito do ato e da potencialidade inclui essa grande verdade, mas ele foi distorcido e estreitamente interpretado. Os Gregos temiam o infinito (apeiron) e, por isso, costumavam interpretar de modo impreciso o significado da potencialidade, coisa que passaram aos Escolásticos. Na potencialidade existe mais do que o que existe em ato, pois na potencialidade existe um infinito, enquanto que em ato tudo é sempre limitado. A infinitude da potencialidade é a fonte da liberdade e da mudança criadora e de tudo o que existe de novo no mundo. A existência efetiva do mundo constitui uma esfera final e limitada em comparação com a potencialidade ilimitada e insondável do abismo, que jaz abaixo do ser e é mais profundo do que ele. A evolução dentro do mundo se apresenta a nós como uma interação determinada e delimitada das forças terrenas e de sua redistribuição. Mas a criatividade não é determinada, num certo sentido ela sempre será a criação a partir do nada, isso é, a partir da liberdade. A criatividade livre constitui também uma liberdade não determinada, que abre seu caminho através das forças de mundo e as altera, e que não é determinada por elas. Assim só é possível dizer que, na vida do homem e na vida do mundo, existe uma grande possibilidade, a possibilidade de uma nova vida e de um novo mundo. O determinismo evolucionista constitui uma visão conservadora do mundo. O Darwinismo é conservador, o Marxismo é conservador, embora eles ainda apresentem alguns ensinamentos revolucionários, derrubando a visão de mundo religiosa tradicional. Apenas a possibilidade da liberdade criativa abre uma brecha no fechado sistema conservador do mundo, dentro do qual só é possível a redistribuição da matéria e da energia. O naturalismo igualmente afirma um sistema fechado conservador do mundo, e esse naturalismo às vezes assume a forma de um naturalismo teológico. Pois, se o mundo não se apresenta como um sistema conservador fechado, deve existir obrigatoriamente uma fonte insondável, uma potencialidade infinita, isso é, o “nada” livre, anterior ao ser, e que determina a existência.

N princípio era o Verbo, o Logos. Essa é uma verdade eterna em relação à toda a existência positiva. O mundo não poderia ter sido criado, ele não poderia ter um princípio sem o Logos. Mas no princípio havia algo como que o nada, a potencialidade, havia a liberdade, e essa liberdade, esse nada, estava fora da existência e, dessa maneira, não existe contradição com o fato de que no princípio era o Verbo. O Logos desceu até o nada e dali criou o mundo, o sol brilhou sobre o abismo mais profundo do que o ser. O Logos Divino interagiu com a liberdade. Aqui está o porquê de não ser a liberdade um problema psicológico ou moral – o livre arbítrio – mas, antes, um problema metafísico sobre o princípio das coisas, aconteceu um encontro de duas infinitudes – a infinitude do potencial, do nada, e a infinitude do real, a infinitude de Deus. Daí provém que havia também duas liberdades – a liberdade que nasce da infinitude da potencialidade, e a liberdade que vem da infinitude da graça de Deus, da Luz de Deus.

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