“Permanece sentado no silêncio e na solidão, inclina a cabeça, fecha os olhos; respira mais devagar, olha, pela imaginação, para o interior do seu coração, concentra tua inteligência, isto é, teu pensamento, da tua cabeça para teu coração. Dize, ao respirar: “Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim”, em voz baixa, ou simplesmente em espírito. Esforça-te para afastar todos os pensamentos, sê paciente e repete muitas vezes esse exercício”.
A Oração de Jesus: A Alma da Espiritualidade Oriental
Conferência "A Oração de Jesus" proferida em 21/03/2010 pela Ir. Maria de Fátima Guimarães, OSB. Diretora dos Oblatos do Mosteiro de São João em Campos do Jordão - SP
Jean-Ives Leloup esclarece sobre os elementos do método hesicasta encontrado nos ensinamentos do mestre espiritual do peregrino russo:
Assenta-te: refere-se à postura, à atitude correta, não estar impaciente, indolente, mas vigilante. É a postura da bem-amada do Cântico dos Cânticos: “Durmo, mas o meu coração vela.” A maneira correta de sentar-se é aquela que nos permite permanecer mais tempo possível imóveis, pois a imobilidade favorece o espírito. A nível psicológico é estar em harmonia consigo mesmo, equilíbrio e estabilidade. A nível espiritual é permanecer em Deus, ter Nele a nossa raiz.
Cala-te: Silêncio dos lábios, do coração e do espírito – três degraus do silêncio que nos levam ao silêncio infinito da Presença.
Respira mais suavemente: Ao acompanhar a respiração, suavizá-la, você se concentra no que está fazendo. Além disso, a respiração é um meio de controlar o psiquismo. Nós pensamos de maneira diferente quando respiramos com calma e profundidade. Para a tradição hesicasta a atenção ao respirar é um exercício espiritual. O respirar é o Ruach, o pneuma, o hálito de Deus, é o Espírito Santo. Aquele hálito, aquele sopro que Deus deu nas narinas de Adão. É aquele que sopra onde quer. É vento que você não sabe de onde vem nem aonde vai. Respirar profundamente é aproximar-se do Espírito Santo.
Olhar pela imaginação para o íntimo de teu coração: Temos que tomar cuidado com a imaginação. Como dizia Santa Teresa D’Ávila: a imaginação é a louca da casa. A imaginação pode nos distrair da oração. Os monges não querem um estado subjetivo, mas um contato objetivo. Exemplo: visualizar o coração batendo dentro do peito é objetivo. Ir além é subjetivismo. Conta-se que um jovem discípulo procurou o seu mestre porque não conseguia se concentrar na oração. O Mestre lhe disse para colocar um banquinho ao seu lado e imaginar que Jesus sentava-se ali quando ele começava a orar. Assim ele conversaria com Jesus durante a oração. Advertiu-o, no entanto, para que não imaginasse qual seria a aparência de Jesus, mas somente a sua presença. O discípulo fez como o Mestre havia mandado e conseguiu a partir daí se concentrar na oração. O tempo passou e o discípulo ficou muito doente. Quando ele morreu, encontraram-no com a cabeça apoiada no banquinho. Ele havia morrido com a cabeça apoiada nos joelhos de Jesus. Para os hesicastas o lugar de Deus é o coração.
A oração hesicasta tem como finalidade despertar a sensibilidade, a presença de Deus em todas as coisas. Em tudo nós vamos ver verdadeiras epifanias de Deus. O coração tem a função de integrar a nossa personalidade (estudo a nível teológico e psicológico).
Invocação do Nome de Jesus: Os monges do Monte Athos preferiam a fórmula “Kyrie Eleison”. Por causa da vibração do som. Sabemos que muitas músicas conseguem favorecer o estado de oração. A repetição do Kyrie Eleison para estes monges favorecia mais que o Senhor, tende piedade. Para o autor do livro sobre o hesicasmo, nós perdemos muito com a tradução. E ele ainda diz que quando pedimos piedade, queremos dizer envia o teu Espírito Santo, tua Bondade, tua Misericórdia, transforma meu coração... E o Nome de Jesus significa a sua presença. Lembrando os antigos israelitas que consideravam que o Nome de Deus é o mesmo que a Presença de Deus. Nós vemos na Bíblia que o templo de Jerusalém era habitação do Nome de Deus. Nós clamamos por Ele como a sede clama pela Fonte. É a água viva que nós queremos que brote dentro de nós como fonte a jorrar – promessa de Jesus para a Samaritana. Ou como diz o salmo 62, 2: "Minha alma tem sede de Ti, minha carne te deseja com ardor, como terra seca, esgotada, sem água como terra seca e sem água". É o adorar em espírito e verdade. Ele vai ser o meu mestre interior. Essa invocação pode ser em voz baixa ou em espírito. O método oral é usado por muitos porque você se concentra na sua própria voz.
Ser paciente e repetir muitas vezes: O artista deve ser paciente, e repetir muitas vezes o exercício antes de se deixar levar pela inspiração. O mestre propõe ao peregrino um treinamento progressivo. A qualidade da oração depende de Deus, mas a quantidade que podemos oferecer depende de nós.
“É o tempo que passas com a tua rosa que a torna preciosa.” É a quantidade que nos coloca em condições de perceber quando a graça chega até nós. Os primeiros efeitos da repetição levam luz e mostram nossas misérias.
A partir daí o peregrino começou a praticar a oração e a estudar a Filocalia. O monge entregou a ele um rosário com o qual poderia recitar três mil orações por dia, sem pressa, docemente, sem importar o que estivesse fazendo. Quando o peregrino conseguiu rezar sem esforço e até com alegria, o monge aumentou para seis mil orações por dia. Assim o peregrino se habituou à oração – sentia-se leve, feliz, queria ficar recolhido. E nesse ponto o monge aumentou para doze mil orações por dia a fim de fortificá-lo. Assim o peregrino era acordado pela oração. Não se cansava de rezar. Nesse ponto, o monge permitiu que ele rezasse quantas vezes ele desejasse.
O livro conta que o peregrino sentia-se feliz, como se todos fossem sua família, o coração estava apaziguado. Tudo era motivo de agradecer. Com a oração ele apaziguava a fome, o frio, superava raiva e sofrimento. De acordo com os relatos, o monge faleceu e o peregrino continuou o seu peregrinar levando o rosário, a Bíblia e a Filocalia. Nesse ponto o peregrino ainda não tinha chegado à oração interior perpétua e espontânea, mas estava a caminho. Os relatos nos contam que ele aprendia com aqueles que encontrava, com os acontecimentos, aprendia em sonhos com o falecido monge e mais tarde encontrou outro guia espiritual.
Através da Oração de Jesus chegava-se ao conhecimento da linguagem da criação – conversar com as criaturas, perceber que a criação toda louva o Senhor e que foi feita em honra do homem.
De acordo com os ensinamentos dos mestres, é necessário exercitar-se em achar o próprio coração, em vê-lo tal como ele é. E depois introduzir a Oração de Jesus no coração e fazê-la sair no ritmo da respiração. Inspira-se o ar e o conserva no peito dizendo Senhor Jesus Cristo, e o solta dizendo tende piedade de mim. Para isso é necessário exercitar-se. É normal com o tempo experimentar sensações novas no coração e no espírito, tais como leveza, liberdade, alegria, amor ardente por Jesus e pela criação, gratidão, lágrimas. De acordo com o peregrino nós podemos entender as palavras de Jesus no Evangelho de Lucas (Lc 17, 21): “O Reino de Deus está dentro de vós.”
Os efeitos da oração do coração se manifestam de três maneiras:
No espírito – doçura do amor de Deus, a calma interior, arrebatamento do espírito, pureza dos pensamentos, esplendor da idéia de Deus;
Nos sentidos – agradável calor do coração, plenitude de doçura nos membros, exaltação de alegria no coração, leveza, vigor da vida, insensibilidade às doenças e dores;
Na inteligência – iluminação da razão, compreensão da Santa Escritura, conhecimento da linguagem da criação, desapego das vãs preocupações, consciência da doçura da vida interior, certeza da proximidade de Deus e de seu amor por nós.
Com o tempo da prática a oração se faz por si só, brota do espírito e do coração, mesmo em estado de vigília ou durante o sono e não se interrompe. Se estamos trabalhando a oração age por si só e o trabalho rende mais. Se escutamos ou lemos algo conseguimos sentir ambas as coisas.
Não se deve, entretanto achar que só se terá consolações com a oração interior. Sabemos que todos aqueles que iniciam no caminho de Deus encontrarão a provação – Eclesiastes. Pois bem, de acordo com um dos Padres da Igreja, cujo texto está contido na Filocalia (João de Cárpatos) – Todos que se dedicam com ardor à oração estão sujeitos às tentações terríveis e arrasadoras. Mas não existe tentação acima das forças do homem. “Aquele que está em vós é maior do que aquele que está no mundo” (1Jo 4,4)
Essa confiança e esperança sustentaram tantas pessoas, principalmente os santos. Mas não se trata só de rezar, mas de ensinar os outros a rezar. A manifestação do inimigo demonstra que a oração é autêntica. Ele é uma potência que contraria ou destrói a vida querida por Deus.
São Gregório de Tessalonica – “Não nos é suficiente rezar sem cessar conforme o mandamento divino, mas é necessário que saibamos expor esse ensinamento a todos: monges, leigos, inteligentes ou simples, homens, mulheres ou crianças, a fim de despertar neles o zelo pela oração interior.
Citação de Nicetas Stéthatos: “Aquele que chegou à oração e ao verdadeiro amor, não distingue mais os objetos, não distingue mais o justo do pecador, mas ama igualmente todos os homens e não os condena, do mesmo modo que Deus faz nascer o sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos. (MT 5, 45).
A Oração do Coração nos leva a caminhar na Presença de Deus. E é esse caminhar que nos transforma. Caminhar na presença de Deus ou sob o olhar de Deus é um traço da espiritualidade de Bento – viver sob o olhar de Deus, que nós estudamos no ano passado. Vivendo na proximidade de alguém nos leva a nos assemelharmos a esse alguém. O amor une e assemelha.
Podemos resumir dizendo que o homem é Templo do Espírito. Essa é a meta de todo o homem neste mundo de acordo com São Serafim de Sarov, santo da Igreja Oriental e um famoso staretz.
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