segunda-feira, 19 de outubro de 2020

A SUPER ILUMINAÇÃO NA QUAL OS OCIDENTAIS ACREDITAM

 Um dia fui ao retiro, três dias apenas. Meu professor máximo, o principal, assim o considerava, veio ao Brasil especialmente só para ensinar nosso grupo e outro do mesmo em outro estado. Ele tinha me dado ensinamentos maravilhorosos em suas aulas, aberto portas da prática que eu precisava, tanto nas aulas como nas entrevistas particulares. Ele é monge budista desde criança, sua experiência e sabedoria são enormes. 

Tinha uma pessoa no grupo ainda nessa ideologia ocidental sobre a onisciência dos mestres, dos despertos, e acreditava que ele era um iluminado, um buda, portanto onisciente (no budismo a onisciência se refere ao que já aconteceu e está acontecendo, não ao futuro, mas desde que a pessoa queira buscar, não entra automaticamente toda informação na consciência). Era minha oportunidade. Eu tinha que testar. 

Tentava conversas em particular com ele como outras vezes. Meu inglês era péssimo e eu era bem atrapalhado com as palavras, ele também tinha um inglês muito dificil (e com seu forte sotaque asiático), mas já morava na Europa a muitos anos. Já tinhamos conversado assim nos anos ateriores. Dessa vez ele fuigia, escorregava como um quiabo, minhas perguntas e afirmações mechiam muito com suas emoções, ninguém viu a cara do monge em tantas expressões de tensão, medo, aversão, raiva, como eu vi, mas continuei. Até que ele praticamente correu e se trancou no quarto.

Meu iluminado de quase 70 anos de idade e 65 anos de monge e de experiência de meditação não tinha a mesma paz e sorriso de sempre, e nem tinha consciência do que se passava no meu interior (como muitos acreditavam que ele tinha). Não dava pra sustentar mais as expressões, além das micro expressões que, dizem, nunca mentem. 

Anos mais tarde esse amigo que acreditava na onisciência do mestre também pegou um monge em um ato inesperado, ele e mais alguém que estava no grupo a quase tantos anos quanto eu. O que eles viram os deixou escandalizados, mas combinaram de não contar o que viram, nunca. 

E assim ele descobriu que não existe a tal iluminação que os ocidentais acreditam, mas preferiu mentir para si mesmo e pensar apenas que aquele monge, praticante desde criancinha, não era iluminado. Me parece que ele esteja num delírio de que ele mesmo é alguém muito especial, mais que o monge pelo jeito, pois acredita que meditando meia ou uma hora por dia ele vai alcaçar a iluminação, mesmo sem deixar a vida mundana, como fez o monge e mesmo assim não alcançou. 

Essa história pessoal exponho aqui só para mostrar que nós vemos aquilo que queremos ver, porque a verdade, a realidade, é muito mais assombrosamente terrível, diante de nossas projeções e expectativas, do que esperamos encontrar. 

Por isso as pessoas não querem saber a história daquilo em que acreditam. E por isso preferem autoridades que deem respostas baseadas em suposta iluminação, experiência, nível de consciência que suposta a pessoa alcançou, etc., do que admitir que muitas das respostas que procura não existem, que vai morrer sem tê-las, ou admitir a humanidade insuperável do ser humano, seus limites, erros, paixões, enganos... Então procura um paliativo, como a uma droga entorpecente, para suportar viver diante da realidade da dúvida humana ou mesmo do não poder saber nunca...

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