Do livro A
anatomia do estado - Murray N. Rothbard
Tradução de
Tiago Chabert.
São Paulo :
Instituto Ludwig von Mises. Brasil, 2012.
O ser humano
nasce indefeso e,
como tal, precisa
utilizar a
sua mente para aprender a como obter os re-
cursos que a
natureza lhe fornece e a como transformá-
-los (por
exemplo, através do investimento em “capi-
tal”) em
objeto e em
locais de modo
que possam ser
utilizados
para a satisfação das suas necessidades e para
a melhoria do
seu padrão de vida. A única forma por
meio da qual
o ser humano pode fazer isto é através do
uso da sua
mente e da sua energia para transformar os
recursos (“produção”)
e da troca
destes produtos por
produtos
criados pelos outros. o ser humano
desco-
briu que, por
meio do processo de troca mútua e volun-
tária
(comércio), a produtividade — e, logo, o padrão
de vida de
todos os participantes desta troca — pode
aumentar
significativamente. Portanto, o único
cami-
nho “natural”
para o ser humano sobreviver e alcançar
a
prosperidade é utilizando sua mente e energia para
se envolver
no processo de produção-e-troca . ele
rea-
liza isto,
primeiro, encontrando recursos naturais, se-
gundo,
transformando-os (“misturando seu trabalho a
eles”, tal
como disse John Locke), fazendo deles a sua
propriedade individual, e depois trocando esta proprie-
dade pela
propriedade de outros que foi obtida de for-
ma
semelhante.
O caminho
social ditado pelas exigências da nature-
za humana,
portanto, é o caminho dos “direitos de pro-
priedade” e
do “livre mercado” de doações ou trocas de
tais
direitos. Ao longo deste caminho, o ser
humano
aprendeu a
evitar os métodos “selvagens” da luta pe-
los recursos
escassos — de forma que A pudesse apenas
adquiri-los à
custa de B —, e, ao invés disso, aprendeu
a multiplicar
imensamente esses recursos por meio do
processo
harmonioso e pacífico da produção e troca.
O grande
sociólogo alemão Franz
oppenheimer
apontou para
o fato de que existem duas formas mu-
tuamente
exclusivas de adquirir riqueza: a primeira, a
forma
referida acima, de produção e troca, ele chamou
de “meio
econômico”. A outra forma é mais
simples,
na medida em
que não requer produtividade; é a forma
em que se
confisca os bens e serviços do outro através
do uso da
força e da violência. É o método do
confisco
unilateral,
do roubo da propriedade dos outros. A
este
método
oppenheimer rotulou de “o meio político” de
aquisição de
riqueza. deve estar claro que o uso pa-
cífico da
razão e da energia na produção é o caminho
“natural”
para o homem: são os meios para a sua sobre-
vivência e
prosperidade nesta terra. deve estar
igual-
mente claro
que o meio coercivo, explorador, é contrá-
rio à lei
natural; é parasítico, pois em vez de adicionar
à produção,
apenas subtrai.
O “meio
político” desvia a
produção para um
indivíduo —
ou grupo de
indivíduos — parasita
e
destrutivo; e
este desvio não só subtrai
da quanti-
dade produzida
como também reduz o incentivo do
produtor para
produzir além de sua própria subsis-
tência. no longo prazo, o ladrão destrói a sua pró-
pria
subsistência ao diminuir ou eliminar a fonte do
seu próprio
suprimento. mas não só isso: mesmo no
curto prazo,
o predador age contrariamente à sua na-
tureza como
ser humano.
Estamos agora
em uma posição
que nos permite
responder
mais satisfatoriamente à questão: o que é o
estado? o
estado, nas palavras de Oppenheimer, é
“a
organização
dos meios políticos”; é a sistematização
do processo
predatório sobre um determinado terri-
tório . Pois o crime é, no máximo, esporádico e in-
certo; já o
parasitismo é efêmero e a coerciva ligação
parasítica
pode ser cortada a qualquer momento por
meio da
resistência das vítimas. o estado, no
entanto,
providencia
um meio legal, ordeiro e sistemático para
a depredação
da propriedade privada; ele torna certa,
segura e
relativamente “pacífica” a vida da casta para-
sita na
sociedade .
Dado que a
produção tem sempre de preceder qual-
quer depredação,
conclui-se que o
livre mercado é
anterior ao
estado. o estado nunca foi criado por um
“contrato
social”; ele sempre nasceu da conquista e da
exploração. o paradigma clássico é aquele de uma tri-
bo
conquistadora que resolveu fazer uma pausa no seu
método —
testado e aprovado pelo tempo — de pilha-
gem e
assassinato das tribos conquistadas ao perceber
que a duração
do saque seria mais longa e segura — e a
situação mais
agradável — se ela permitisse que a tribo
conquistada
continuasse vivendo e produzindo, com a
única
condição de que os conquistadores agora assumi-
riam a
condição de governantes, exigindo um tributo
anual
constante .
Um dos
métodos de nascimento de um estado pode
ser ilustrado
como se segue: nas colinas da “Ruritânia
do sul”, um
grupo de bandidos organiza-se de modo a
obter o
controle físico de um determinado território.
Cumprida a
missão, o chefe
dos bandidos autopro-
clama-se “Rei
do estado soberano
e independente da
Ruritânia
do sul”. e se ele e os seus homens tiverem
a força para
manter este domínio durante o tempo su-
ficiente,
pasmem!, um novo estado acabou de se juntar
à “família
das nações”, e aqueles que antes eram meros
líderes de
bandidos acabaram se transformando na no-
breza legítima do reino.
1 Franz
oppenheimer, The State (new York: Vanguard Press, 1926) p. 24-27:
Existem duas
formas fundamentalmente opostas através das
quais o
homem, em necessidade, é impelido a obter os meios
necessários
para a satisfação dos seus desejos. são elas o tra-
balho e o
furto, o próprio trabalho e a apropriação forçosa do
trabalho dos
outros. eu proponho, na discussão que se segue,
chamar ao
trabalho próprio e à equivalente troca do trabalho
próprio pelo
trabalho dos outros, de “meio econômico” para
a satisfação
das necessidades enquanto a apropriação unila-
teral do
trabalho dos outros será chamada de “meio políti-
co”. o estado
é a organização dos meios políticos. Como tal,
nenhum estado
pode existir enquanto os meios econômicos
não criaram
um definido número de objetos para a satisfação
das
necessidades, objetos que são passíveis de ser levados ou
apropriados
por roubo bélico.
2 Albert Jay nock escreve de forma clara que:
O estado
reivindica e exercita o monopólio do crime. Ele pro-
íbe o
homicídio privado mas ele mesmo organiza o assassí-
nio numa
escala colossal. ele pune o roubo privado mas ele
próprio deita
as suas mãos sem escrúpulos a tudo o que ele
quer, seja
propriedade dos seus cidadãos seja de estrangeiros.
Nock, On Doing
the Right Thing,
and other essays
(new York: Harper
and
Bros., 1929), p.143
3 oppenheimer,
The State, p.15:
O que é,
então, o estado como conceito sociológico? o esta-
do, na sua
verdadeira gênese, é uma instituição social forçada
por um grupo
de homens vitoriosos sobre um grupo vencido,
com o
propósito singular de domínio do grupo vencido pelo
grupo de
homens que os venceram, assegurando-se contra a
revolta interna
e de ataques externos. Teleologicamente, este
domínio não
possuía qualquer outro propósito senão o da ex-
ploração
econômica dos vencidos pelos vencedores.
E de Jouvenel
escreveu: “o estado é na sua essência o resultado dos sucessos
alcançados por
um grupo de
bandidos que se
impôs a uma sociedade gentil
e pacífica”. Bertrand de Jouvenel, On Power (new York: Viking Press, 1949)
p.100-101.
Nenhum comentário:
Postar um comentário