terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Espírito e Liberdade - 3 - Nikolai Berdiaev

 


III

A vida espiritual é a vida mais real. O espírito e o mundo natural são dissemelhantes, e não se encontram exteriormente nem possuem nenhuma ação recíproca. Não é senão a uma profundidade inefável que o espírito absorve em si o mundo e o ilumina com uma claridade diferente. A vida espiritual não é uma realidade objetiva, mas ela é ainda menos uma realidade subjetiva. Ambas as compreensões, a objetiva e a subjetiva do espirito são igualmente errôneas.

A questão da realidade costuma ser colocada, no mundo natural, como uma questão de relação, de justa reflexão do objeto no sujeito. Existirá uma realidade em si mesma e por si mesma que possa corresponder ao mundo concebido e conhecido por nós? Existirão efetivamente o ser físico ou psíquico? Quando consideramos a Deus de um ponto de vista naturalista, a questão da realidade de Deus é posta dessa maneira. A ideia que temos de Deus, corresponderá ela a uma existência real de Deus? A prova ontológica da existência de Deus tende a deduzir a realidade divina da ideia de Deus, da ideia do Ser Perfeito. Definitivamente, todas as provas da existência de Deus possuem um caráter naturalista e concebem a Deus como uma realidade objetiva, semelhante àquela do mundo natural. Da mesma forma, os argumentos invocados contra a existência de Deus são naturalistas e tolamente realistas. O realismo ingênuo consiste justamente em transferir para o mundo espiritual e divino a qualidade de realidade do mundo natural; os argumentos de incredulidade, da negação de Deus e do mundo espiritual, sempre estiveram ligados a esse ingênuo realismo naturalista.

A ideia de Deus existe, o sentimento de Deus existe; mas existirá uma realidade correspondente a essa ideia, a esse sentimento? Eis a questão psíquica, que atormenta tantos homens e filósofos, e é ao redor dessa questão que se desencadeiam as discussões e a luta entre os que tentam provar a existência de Deus e os que a refutam. Mas a realidade do mundo espiritual e a realidade divina não correspondem a nenhuma realidade de nossos sentimentos psíquicos e de nossos pensamentos. A realidade do mundo espiritual, a realidade de Deus existe, não em relação ou por comparação, mas antes em si mesma, como uma realidade de qualidade diferente, infinitamente maior do que os sentimentos e os pensamentos do mundo psíquico, e do que os fenômenos do mundo natural. Não é senão na experiência da alma e no pensamento a ela ligado, que se coloca a questão referente à relação das realidades, que se concebe buscar as provas da existência divina e da vida espiritual. Dentro de uma experiência espiritual esse tipo de questão não se coloca; pois a experiência espiritual é a própria vida espiritual, a realidade do espírito, a realidade do divino. As realidades espirituais são reveladas na vida espiritual e, por conseguinte, não pode haver dúvida sobre a relação que existe entre as realidades e as revelações da vida espiritual no mundo espiritual. No mundo espiritual, as realidades objetivas não correspondem à experiencia, mas a experiência espiritual é ela própria uma realidade de ordem superior. A vida espiritual não é o reflexo de uma realidade qualquer, ela é a própria realidade. É impossível se perguntar se existe uma realidade que corresponde à experiência dos grandes santos, à dos místicos, à dos homens de vida espiritual superior, pois essa é uma questão psíquica, naturalista, ingenuamente realista e não espiritual. A experiência espiritual dos santos, dos místicos e dos homens de espiritualidade superior é a própria realidade, a aparição e a manifestação do Espírito e de Deus. O espírito existe, a vida espiritual aparece e se manifesta.

Esse é um fato primordial: ele pode ser constatado, mas não provado. A experiência espiritual é a maior realidade na vida da humanidade. O divino se mostra nela, mas não se demonstra. Deus e a divindade, o espírito e o espiritual, não são dados pela vida, pela experiência; eles se manifestam, mas não podem ser justificados pela reflexão.

A meditação que consiste em se perguntar se a realidade da experiência mística não seria uma ilusão e uma autossugestão, consiste numa reflexão da alma, separada do espírito e da experiência espiritual; ela representa a impotência do pensamento que se opõe à própria vida.

Para aquele que possui uma vida, uma experiência espiritual, a questão de sua realidade não se coloca: para esse, a realidade não implica uma correspondência, algo extrínseco, uma objetividade exterior. Nada corresponde à minha vida espiritual, ela existe por si mesma. Minha
vida espiritual é limitada, mas existe uma vida espiritual que é infinita, e essa vida infinita não é para si mesma uma realidade exterior. Nada nesse mundo pode me provar que minha experiência espiritual não existe. Pode ser que o mundo não exista, mas minha vida espiritual, minha experiência do divino existe, ela é a manifestação da realidade do divino, ela é incontestável.

A elevação do espírito, sua intensidade, seu ardor existente, essas coisas são a própria realidade do espírito, a manifestação do mundo espiritual. Os que afirmam que essa elevação, essa intensidade e esse ardor são uma ilusão e uma autossugestão, esses provam simplesmente que ignoram sua existência. Ora, a ausência de vida espiritual não pode ser uma prova de sua inexistência, uma prova de que a elevação é uma ilusão. O Eros divino em mim é a própria realidade do divino. a experiência do divino não exige que se prove sua realidade, ela é em si mesma essa realidade. No mundo espiritual, a realidade não é determinada por um dado exterior, mas ela resulta da orientação e da intensidade da própria vida espiritual. A descoberta da realidade depende da atividade do espírito, de sua intensidade, de seu ardor. Não podemos esperar que as realidades espirituais nos sejam reveladas como o são os objetos do mundo natural, que elas nos sejam dadas desde o exterior como o são as pedras, as árvores, as mesas, as cadeiras, como nos são dadas as leis da lógica. Na vida espiritual, é a força do espírito que determina a realidade. No espírito, a realidade não é extrínseca, mas ela procede do interior do espírito. A questão da ilusão e da não-realidade da vida e da experiência espiritual decorre do fato
de que as identificamos com a vida e com a experiência psíquica.

Mas não será o espiritual unicamente o psíquico, não será a experiência espiritual simplesmente a vida emocional da alma? Não será a vida espiritual subjetiva e, por isso mesmo, não convincente?

Não podemos provar, a alguém que não conhece mais do que a experiência psíquica, que uma experiência espiritual é possível, não podemos, exteriormente, obrigar alguém mergulhado no isolamento subjetivo, a reconhecer a existência das realidades espirituais. Somente a experiência espiritual pode convencer de sua própria existência, somente a manifestação das realidades espirituais num homem pode provar a ele a existência dessas realidades. Quem não está orientado para Deus não pode exigir que esse lhe seja mostrado, ou que Sua realidade lhe seja demonstrada. É impossível constranger um homem a reconhecer a realidade da vida espiritual, como se pode obrigá-lo a admitir a realidade do mundo natural. É preciso que essa vida espiritual se revele por si mesma à pessoa. Mas, da mesma forma, não se pode provar que não exista uma vida espiritual, que o espírito e Deus sejam ilusões sem correspondência com coisa alguma. A vida espiritual é uma realidade extra-objetiva, ela não está ligada a nenhuma determinação do tempo, do espaço ou da matéria, ela é uma realidade ideal por comparação às realidades do mundo objetivo, ela é a realidade da vida inicial.

O espaço e o tempo dentro dos quais nos é ofertado o mundo natural, são criados pelo espírito, e não designam mais do que um estado do mundo espiritual. A realidade da vida espiritual não é determinada por uma série de causas no mundo físico e psíquico, mas ela se determina a partir da profundidade, do seio mesmo da vida inicial. Se, na história do mundo, mesmo que apenas em uns poucos homens, tenha se abrasado uma vida espiritual superior e tenha sido despertada uma sede do divino, bastaria isso para provar a realidade do espírito e de Deus, e o mundo natural seria alçado acima de si mesmo.

Como provar e justificar a própria existência da experiência espiritual? Muitas pessoas negam a originalidade qualitativa da experiência espiritual e a reduzem inteiramente a uma experiência psíquica, a um objeto da psicologia. Mas as objeções à possibilidade e à existência da experiência espiritual provêm sempre de sua inexistência naquele que as negam. Pelo fato de que as qualidades da experiência espiritual sejam inacessíveis a alguns, e mesmo à maior parte da humanidade, não se segue que essa experiência seja inexistente, ou que ela seja impossível. O fato de que a consciência de um homem seja limitada não lhe dá o direito de estender essa limitação a todos os homens. Se X ou Y jamais tiveram uma experiência mística, isso só prova a limitação de sua experiência, mas não os autoriza, de modo algum, a negá-la nos outros. O empirismo autêntico, consequente, absoluto, não dá o direito de estabelecer limites à experiência.

Se na experiência de minha vida, uma coisa qualquer não se revelou, não posso concluir que ela não se revelará a outros. É preciso ter mais modéstia, mais consciência das limitações de nossa própria natureza, sem estendê-las à natureza humana em geral; essa é uma condição indispensável a todo conhecimento, a docta ignorantia. Mas os homens que possuem uma experiência limitada se orgulham de sua limitação e a erigem em norma para os demais. A “consciência média” cria uma espécie de tirania e seus limites são identificados aos da natureza humana em geral. Essa consciência nega absolutamente a experiência espiritual, a possibilidade do milagroso, e rejeita toda mística. Ela penetra na vida religiosa e afirma seu positivismo até mesmo nela. Essa “consciência média” é a consciência do homem natural, ela é a afirmação desse mundo natural, como se ele fosse o único real, e é também a negação do homem, da experiência e do mundo espirituais. Ela manifesta um contentamento de si e uma suficiência, uma consciência burguesa, sentindo-se a dona da situação do mundo. Mas a existência da experiência espiritual e do mundo espiritual nos são demonstradas por aqueles que os possuem. Os que não possuem essa experiência ou que não puderam se elevar até sua percepção, não têm o direito de se pronunciar a esse respeito. Devemos falar daquilo que conhecemos, não do que ignoramos.

O positivismo erige a ignorância como o próprio princípio do conhecimento, e confere as prerrogativas desse àqueles que são privados da experiência espiritual. O positivismo vê nessa ignorância e na ausência de experiência uma garantia de objetividade científica. Presume-se que são os seres desprovidos de experiência religiosa e de fé, os únicos que podem, de modo mais fecundo, se ocupar da ciência e da história das religiões. Essa é uma das maiores aberrações. As ciências do espírito se distinguem, por seu próprio caráter, das ciências naturais, pelo fato de que elas exigem um parentesco e uma afinidade entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido. As ciências relativas ao espírito repousam sobre uma experiência espiritual, e quem não conheceu essa experiência, e que a nega todo o tempo, nada pode obter delas. A experiência espiritual não é uma experiência psíquica, psicológica, concentrada em si, na qual a personalidade é absorvida em si mesma. Ela é uma experiência de expansão que entreabre o mundo espiritual suprapessoal, que revela o laço que une o microcosmo ao macrocosmo. Ela corresponde sempre a uma fissura na mônada psico-corporal, a uma saída de si pela imersão nas profundezas de si; ela marca uma vitória sobre as divisibilidades e sobre todo “extrinsecismo”.

A negação da realidade do mundo espiritual provém habitualmente do fato de que ele é concebido sob a forma da existência metafísica substancial, como uma realidade objetiva. Mas a substância é uma mônada acabada e fechada. Uma concepção substancialista da alma a mantém separada do mundo espiritual e torna impossível a experiência espiritual. A substância fica encarcerada em seu próprio mundo psíquico. Um mundo concentrado em si é sempre um mundo da alma, e não do espírito. Para as substâncias psíquicas, o espírito se mostra, de certa forma, como uma realidade transcendente que se opõe a elas exteriormente e à distância. Assim se dá a inserção do homem no mundo natural e sua subordinação às suas leis. A metafísica espiritualista que ainda permanece naturalista é obrigada a negar a experiência espiritual. Assim é que ela habitualmente se liga a uma teoria racionalista do conhecimento. A alma é considerada como uma realidade análoga a do mundo material. Esse é um ponto de vista estático da alma e do mundo, que fecha ao conhecimento a dinâmica da vida. Nessa metafísica, Deus é visto como uma substância inerte; Deus, o mundo e a alma se encontram separados e, por conseguinte, toda experiência espiritual se torna impossível. Ela não é possível a não ser que se suponha o homem como constituindo um microcosmo, no qual se revela todo o universo, sem que existem limites transcendentes a isolar o homem de Deus e do mundo. Deus é espírito, e por isso mesmo Ele não pode ser uma substância. A natureza do espírito está mais para Heráclito, não para Parmênides. O espírito é um movimento incandescente.

É falso supor que a personalidade seja necessariamente uma substância, e que ela deva ser limitada, isolada, supor que a negação da substância seja a negação da personalidade. Na realidade, a personalidade concreta, viva, não possui nenhuma semelhança com a substância. A natureza da personalidade é dinâmica. A personalidade é antes de tudo uma energia espiritual qualitativamente original, uma atividade espiritual, ela é o centro da energia criativa. A existência da personalidade não implica necessariamente uma separação em relação a Deus e em relação ao mundo. O suprapessoal, na personalidade, não a nega, mas a constrói e a afirma. A existência da personalidade, no sentido verdadeiro do termo, não é possível senão pela eclosão nela de princípios espirituais que a ajudam a sair de seu estado de isolamento e a unem ao mundo divino. A personalidade é a ideia divina, o desígnio de Deus. Conceber a personalidade como uma substância naturalista, equivale a limitá-la na experiência e no caminho espirituais.

Toda experiência religiosa, autêntica e mística, testemunha que a personalidade não é uma substância isolada, mas que ela traz, oculta em si mesma, possibilidades inéditas, que diante dela se estende um mundo infinito, e que ela é o reservatório da energia espiritual.

Na vida espiritual, o pessoal e o suprapessoal estão unidos de maneira antinômica, de modo que o suprapessoal não nega o pessoal, enquanto que esse último se eleva até ele sem se aniquilar nele. A existência se revela em sua natureza interior quanto vida, enquanto experiência espiritual, destino, mistério divino, e não como substância ou natureza objetiva. A vida espiritual é dinâmica no mais alto grau, ela é uma vida em tudo semelhante à vida. A doutrina de Leibnitz relativa à alma humana, como uma mônada fechada, e relativa a Deus, como mônada suprema, que existe no mesmo nível que as demais mônadas, é um exemplo de metafísica naturalista, embora nela existam alguns elementos de uma concepção espiritual autêntica.

Na vida espiritual, não existe heterogeneidade absoluta, nem impenetrabilidade substancial, que possam impor limites intransponíveis. As substâncias são criadas pelo espaço, pelo tempo, pela matéria, e é seu caráter que adquirem as almas presas ao mundo corporal. A substancialidade não passa de um estado do mundo, ela não é mais do que sua solidificação, sua ossificação e sua escravidão, e não sua essência interior. Esse mundo natural é filho do ódio e da divisão, que geram o aprisionamento e a servidão. O espírito é liberdade. Essa definição de Hegel permanece sendo uma verdade imutável, que nos é confirmada pela experiência espiritual da humanidade. As restrições e os limites exteriores são criados pelos dejetos da vida exterior, pela existência em modo extrínseco das coisas desse mundo. A coisa é justamente aquilo que se se encontra fora, e não na profundidade. O espírito reside sempre na profundeza, o próprio espírito é profundidade, ele é interior e não exterior, e sua vida não pode gerar absolutamente nada de exterior, de superficial, de extrínseco, nada que possua inércia e impenetrabilidade. A profundidade é um símbolo do espírito. O mundo natural, tomado em si mesmo, não conhece a profundidade; sua profundidade só pode ser revelada no espírito, quando se considera esse mundo natural como um símbolo do espírito, como um momento interior do mistério do espírito. Mas a compreensão do mundo espiritual exige sua delimitação em relação ao mundo natural, a vitória sobre todas as confusões, a recusa de uma naturalização da vida espiritual, tão típica dos sistemas metafísicos.

Assim como não existe nenhum “extrinsecismo”, nem divisibilidade, na vida espiritual, tampouco existe nela essa oposição entre a unidade e a pluralidade, sobre a qual repousa a vida do mundo natural. A unidade não se opõe à pluralidade como se fosse uma realidade exterior, mas, ao contrário, ela a penetra, cria sua vida, sem lhe retirar o estado de pluralidade. “Eu estou no Pai, vós estais em mim e eu em vós [5]”. “Não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim [6]”. É sobre essa vitória interior sobre o “extrinsecismo” do um e do múltiplo, que repousa a vida espiritual. A oposição entre o um e o múltiplo, o “extrinsecismo” de um em relação ao outro tem origem no espaço, no tempo, na matéria, que são já resultados da Queda, da separação de Deus. A vida espiritual se desenrola fora do tempo, do espaço, da matéria, ainda que esteja ligada a elas como a uma imagem simbólica da divisão interior do espírito. Na vida e na experiência espiritual me é dada a unidade interior de meu destino, do destino do mundo e do destino de Deus. Na experiência espiritual meu destino deixa de ser divisível e isolado, e isso significa que a vida espiritual está num grau mais elevado do que a vida concreta. A realidade natural é uma realidade abstrata e divisível, na qual jamais se realizam a integridade a plenitude e a união absoluta. Na vida espiritual a integridade e a plenitude da existência são dadas, todos os degraus da existência, transformados e transfigurados, fazem parte dela, o ódio e a heterogeneidade são superados, a objetividade é vencida. A vida espiritual não é uma separação da vida do mundo natural, e o sentido do ascetismo e da purificação, que lhe são indispensáveis, não reside nisso. A espiritualidade abstrata é uma forma de espiritualidade muito imperfeita. Infinitamente mais elevada é a espiritualidade concreta que transfigura e ilumina a vida do mundo.

A vida espiritual não é uma realidade de mesma ordem que a realidade física e psíquica, que a realidade do mundo natural, mas ela absorve em si toda a realidade, considerando-a apenas como uma “simbolização”, como um reflexo de seus estados, de seus eventos interiores e de seus caminhos. O espírito não se opõe absolutamente à carne; a carne é a encarnação e o símbolo do espírito. A vida espiritual é uma vida histórica, pois essa é uma vida concreta. Mas a realidade histórica exterior não passa de uma imagem da vida espiritual no tempo, na divisibilidade. Tudo o que é exterior não passa de um símbolo do que é interior. A própria matéria não é mais do que a “simbolização” dos estados interiores do mundo espiritual, a “simbolização” de seu ódio e de sua divisibilidade, e não uma substância que existe por si mesma. Não estamos afirmando o espiritualismo, a espiritualidade abstrata, mas o simbolismo, a espiritualidade concreta.

A vida espiritual não é percebida na análise psicológica dos processos da alma. A psicologia é uma ciência que trata da natureza, não do espírito. A vida espiritual, enquanto qualidade específica da vida da alma, normalmente escapa à ciência psicológica. A maior parte dos processos psicológicos devem ser relacionados com os fenômenos do mundo natural, processos que são ligados ao corpo e ao mundo material, que escoam no tempo, que possuem algum tipo de relação com o espaço e se desenvolvem no isolamento, na divisibilidade, na união exterior. A psicologia analisa de um modo abstrato a vida espiritual e se vê em presença de uma realidade abstrata. Ora, a vida espiritual é concreta e exige um estudo concreto, ela se revela no
conhecimento de uma cultura espiritual concreta, e não no conhecimento dos elementos abstratos da alma. O conhecimento da vida espiritual é uma ciência histórica, uma ciência que trata da cultura e não uma ciência natural, para empregarmos a expressão imperfeita de Rickert.

Os materiais da filosofia da vida espiritual são constituídos pela própria vida espiritual da humanidade, tal como ela se desenvolveu na história: é sempre a vida concreta, quer se trate de religião, de mística, de filosofia, de ciência, de moral, de criação artística. Basta que consideremos os grandes monumentos do espírito, as grandes manifestações da vida espiritual!

Essa experiência espiritual, histórica, da humanidade, deve ser relacionada com a experiência espiritual da pessoa, e a ela deve ser comparada.

A pessoa que pretende conhecer deve abrir sua alma, até que nela se derrame essa vida espiritual única que se revela na história do espírito. É nos estados mais elevados da cultura espiritual que se manifesta a experiência espiritual autêntica. Por meio deles se adquire uma vida
espiritual intemporal. Quem busca a vida espiritual deve estar com todos aqueles que participaram do desenvolvimento do conhecimento do espírito na história. Eis porque a filosofia do espírito contém inevitavelmente em si um elemento tradicional, que ela pressupõe uma comunhão com a tradição. A personalidade, ao se isolar, não pode conhecer a vida, pois ela não pode começar por si mesma. O ponto de partida de Descartes não favorece o conhecimento da vida espiritual. O reconhecimento da autenticidade da vida espiritual na humanidade anterior é uma premissa indispensável na filosofia da vida espiritual. Platão não é para nós simplesmente um objeto de investigação; nós vivemos com ele uma vida em comum, uma mesma experiência, nós nos encontramos com ele na vida espiritual, em suas profundezas. O mundo espiritual não se revela no mundo natural exterior, mas no espírito humano, na vida espiritual do homem e da humanidade, e seu conhecimento pressupõe um espírito ecumênico dentro da humanidade [7]. Esse ecumenismo espiritual é em tudo estranho à psicologia e à metafisica espiritualista. A biografia dos santos e dos gênios, as criações dos inovadores religiosos, dos grandes pensadores, dos grandes artistas, os monumentos da vida espiritual da humanidade, são de uma importância infinitamente maior dos que as deduções do pensamento abstrato. A vida espiritual se manifestou de forma concreta e real na experiência espiritual da humanidade, e nos legou numerosas criações. Já não mais se trata de uma manifestação da natureza, mas de uma manifestação do espírito. O sentido profundo da tradição religiosa consiste em descobrir a vida espiritual, não n
a natureza exterior ou no pensamento abstrato, mas no ecumenismo espiritual.

Filosofia

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domingo, 5 de janeiro de 2025

A DIVISÃO DOS SANTOS MANDAMENTOS DE DEUS EM DUAS TÁBUAS


 721. Qual é o significado da divisão dos dez Santos Mandamentos de Deus em duas tábuas? Esta divisão significa que nestas tábuas distinguem-se duas qualidades de amor:  Amor a Deus e as obrigações dêle decorrentes;  Amor ao próximo e as obrigações quedêle decorrem.



 722. Nosso Senhor Jesus Cristo fêz menção a êste assunto? Sim. Eis a resposta dada pelo Nosso Salvador à per, guntasôbrç "Qual é o supremo mandamento da Lei de Deus:" "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de tóda a tua alma, e de todo o teu pensamento." Èste é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a êste, é: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Dêstes dois mandamentos depende tõda a Lei e os Profetas" (Evangelho de São Mateus 22:36-40). 

723. Por que não existe um Santo Mandamento que ordene o amor do homem para consigo próprio? Não havia necessidade de estabelecer um mandamento separado para um fenõmeno perfeitamente natural que oriente a vida de todo indivíduo: "Nunca ninguém aborreceu (odiou) a sua própria carne antes a alimenta e sustenta" (Epístola de São Paulo, apóstolo, aos Efésios 5:5-29). 

724. De que forma devemos amar a Deus, ao próximo e a nós mesmos?  Devemos amar a Deus sôbre tôdas as cousas e pela razão de ser verdade inconfundível de ser Êle o nosso Deus;  Devemos amar ao próximo pelo nosso amor a Deus;  Devemos amar a nós mesmos pelo amor a Deus e ao próximo. Todavia devemos sacrificar o amor a nós mesmos prol do amor a Deus e ao próximo. Da mesma forma o amor ao próximo deve ser sacri: cado em prol do amor a Deus. "Ninguém tem maior amor do que êste: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos" (Evangelho. de São João 15:13). "Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim, e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim, não é digno de mim" (Evangelho de São Mateus 10:37). 

725. Que quer dizer amar a Deus pela razão de ser verdade inconfundível de ser Éle o nosso Deus? Isto significa que devemos amar a Deus, porque Êle é infinitamente perfeito e por esta razão merece o amor perf eito e total. 113 

726. Que quer dizer: "Amar a Deus sõbre todas as coisas?" Amar a Deus sôbre tõdas as coisas significa que devemos amá-lo mais do que tudo neste mundo, e estar pre parados a sacrificar o nosso maior tesouro tanto material quanto espiritual, se fõr necessário para dar prova dêste nosso amor. É preferível desistir de tudo que possuímos a perder o amor e a benevolência de Deus! 

727. Como devemos proceder a fim de acordar em nossos corações um amor verdadeiro e profundo a nosso Deus? A fim de conseguir isto devemos:  Meditar sóbre o amor manifestado pelo Criador no ato da criação do homem.  Meditar sôbre o amor demonstrado por Deus, que após infligir o justo castigo aos homens que  pecaram, sacrificou o seu Filho Unigênito a fim de salvá-los da eterna condenação.  Meditar sóbre as infinitas e celestiais graças, que Deus proporcionou aos homens pelo supremo sacrifício do Filho de Deus.  Meditar sõbre o supremo altruísmo do amor divino, pois Deus nos dá tudo sem receber nada em retribuição à sua magnanimidade. 

 728. Quem são os nossos próximos? Os nossos próximos são todos os sêres humanos sem nenhuma exceção. Amigo ou inimigo; cristão ou pagão; ortodoxo ou herege; homens de todas as raças, religiões ou credos políticos, todos êles são criaturas humanas e como tais devem ser considerados os nossos próximos. É evidente que os nossos irmãos da fé são mais queridos aos nossos corações, o que é bem natural, visto serem os mesmos filhos do único Pai celestial pela fé em Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. 

729. Que significa que devemos amar ao próximo pelo nosso amor a Deus? Quer dizer, que devemos amar ao próximo pela razão que Deus o considera igualmente digno do seu supremo amor e o haver convocado a tomar parte da sua eterna felicidade nos Céus.

 730. Co mo devemos amar ao próximo pelo nosso amor a Deus? Devemos amar ao próximo como a nós mesmos. 

731. Quando amamos ao nosso próximo como a nós mesmos? Quando proporcionamos a êle tudo aquilo que desejamos obter em nosso próprio beneficio;  Quando não fazemos ao próximo tudo aquilo que desejamos evitar em relação a nós mesmos;  Quando cuidamos da salvação da alma do nosso próximo. "Portanto tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós" (Evangelho de São Mateus 7:12). 

 732. Quem nos ensinou que devemos amar também os nossos inimigos? Foi Nosso Senhor Jesus Cristo, que perdoou aos seus algozes; orou por êles, ofereceu a sua preciosa vida em prol da salvação dêles e deu-nos o mandamento de amálos incondicionalmente: "Pai, perdóa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Evangelho de São Lucas 23:34). "Eu, porém, vos digo: Ama! a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos persequem; Para que sejais filhos de vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sôbre maus e bons, e a chuva desça sôbre justos e injustos" (Evangelho de São Mateus 5:44-45). 

733. Que quer dizer que devemos amar a nós mesmos pelo amor a Deus? Significa que Deus nos considera igualmente dignos de seu supremo amor e que nos convocou para partilhar na eterna felicidade. 

734. Quando amamos a nós mesmos pelo amor a Deus? Amamos a nós' mesmos pelo amor a Deus quando cuidamos sõbretudo da salvação das nossas almas imortais. 114 "Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo in, teiro, se perder a sua alma?" (Evangelho de São Mateus 16:26). 

735. O amor cristão é imprescindível? Sim. O amor cristão é absolutamente necessário, pois sem êle não podemos ser salvos: "Quem não ama a seu irmão permanece na morte" (I Epístola universal de São João, apóstolo 3:14). 

736. Como manifestamos o amor cristão? Cumprindo os santos mandamentos da Lei de Deus: "Aquêle que tem os meus mandamentos e os guarJoão. da, êsse é o que me ama" (Evangelho de São 14:21). 

737. Se a Lei de Deus se resume em dois Santos Mandamentos principais (parágrafo 722), por que foram êles subdivididos em dez? Isto foi feito a fim de proporcionar a melhor compreensão dos nossos deveres perante Deus e o próximo.

 738. Quais são os Santos Mandamentos que tratam das nossas obrigações perante Deus? Essas obrigações são indicadas nos primeiros quatro Santos Mandamentos.

739. Em que consistem êstes quatro Santos Mandamentos?  O primeiro Santo Mandamento indica que devemos adorar a Deus Verdadeiro, oferecendoLhe a devida adoração;  O segundo Santo Mandamento proibe-nos o culto de fetiches (estátuas, esculturas) (Veja-se o parágrafo 718. A alteração nos dez Santos Mandamentos de Deus introduzida pelos papas romanos foi causada pelo renascimento das artes plásticas. Os célebres escultores da época do Renascimento tiveram assim um vasto campo de atividades artísticas, criando obras de invulgar valor. Todavia as esculturas, representando Deus, a Santissima Virgem Maria, os Santos e os Anjos estavam em flagrante desacõrdo com o segundo Santo Mandamento de Deus. Havia, Pois, duas alternativas: ou impedir a criação de estátuas ou então suprimir o segundo Santo Mandamento. Os papas escolheram esta última solução, caindo num dos mais terríveis erros que jamais foi cometido na história do Cristianismo).  O terceiro Santo Mandamento ordena não perturbar a majestade de Deus de forma alguma, principalmente por meio de palavras vãs.  O quarto Santo Mandamento indica que, na veneração de Deus, devemos manter a ordem quanto ao tempo e os procedimentos. 

 740. Quais são os Santos Mandamentos de Deus que tratam sôbre as nossas obrigações para com o próximo? As obrigações que temos em relação ao nosso próximo são contidas nos seis Santos Mandamentos finais:  O quinto Santo Mandamento recomenda-nos de amar e honrar o nosso próximo;  O sexto Santo Mandamento proíbe atentar contra a vida do próximo;  O sétimo Santo Mandamento proíbe atentar contra a pureza de costumes e a moral do nosso próximo;  O oitavo Santo Mandamento proíbe atentar contra a propriedade privada do próximo;  O nono Santo Mandamento proíbe molestar o próximo por meio de palavra unida ao sentimento de falsidade;  O décimo Santo Mandamento proíbe desejar o que quer que seja, de propriedade tanto material quanto espiritual do nosso próximo. 

 741. Nos seis últimos Santos Mandamentos de Deus estão contidas as obrigações concernentes a nós mesmos? Sim. As obrigações concernentes a nós mesmos estio realmente contidas nos Santos 115 Mandamentos que tratam das relações para com o nosso próximo, visto que devemos ama ao próximo como amamos a nós mesmos.

Excerto do MANUAL DE DOUTRINA CRISTÃ ORTODOXA 

(EM PERGUNTAS E RESPOSTAS)

De Abbud Issaia


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sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

MAX STIRNER e o Anarco Individuaismo

 


Max Stirner e a Revolução Filosófica da Liberdade Individual

Um século antes de Murray Rothbard nascer, um homem desafiou as concepções estabelecidas para trazer a autonomia individual.

Max Stirner, cujo verdadeiro nome era Johann Kaspar Schmidt, surge como uma figura marcante no cenário filosófico do século XIX. Esse pensador alemão desafiou as convenções estabelecidas com suas ideias provocativas e sua obra seminal, "O Único e Sua Propriedade", de 1844. Neste vídeo, não apenas mergulharemos nas profundezas da filosofia de Stirner, mas também exploraremos a história de sua vida e a relação de suas ideias com correntes modernas como o anarcocapitalismo e o agorismo. 

Nascido em 1806 em uma cidade na Baviera, na Alemanha, no período que coincidiu com um momento crucial na história alemã, quando o país estava se recuperando das profundas transformações causadas pelas guerras napoleônicas. Esses eventos tumultuosos moldaram o cenário socioeconômico e político alemão, contribuindo para o surgimento de intelectuais críticos como Stirner. 

Embora detalhes sobre a vida pessoal de Stirner permaneçam em grande parte obscuros, sua jornada acadêmica é notável. Ele empreendeu estudos na renomada Universidade de Berlim, uma instituição conhecida por seu ambiente intelectual vibrante e pela presença de pensadores influentes da época. Foi nesse ambiente que o filósofo foi exposto a uma variedade de ideias e correntes filosóficas que desafiariam e, em última análise, moldariam suas convicções profundamente. 

Entre essas notáveis figuras estavam Karl Marx e Friedrich Engels, os idealizadores do famoso Manifesto Comunista, publicado em 1848. Ao debater suas ideias com esses pensadores, Stirner contribuiu para o caldeirão intelectual que influenciaria profundamente o desenvolvimento do pensamento filosófico e político daquela época. 

As discussões entre Stirner, Marx e Engels exploraram temas cruciais da época, como a natureza da propriedade, a dinâmica das relações sociais e o papel do Estado na sociedade. Stirner, com sua filosofia do egoísmo e sua rejeição da autoridade, desafiou as concepções mais coletivistas defendidas por Marx. A divergência entre Stirner e Marx tornou-se evidente em suas obras, especialmente na crítica de Stirner a conceitos como a alienação e a ênfase de Marx na luta de classes. Em "A Ideologia Alemã", Karl Marx dedica mais da metade do livro a refutação, obviamente falha, as teorias do filósofo individualista. 

Essas interações intelectuais, marcadas por debates acalorados e divergências fundamentais, ilustram a riqueza do contexto filosófico da época. Enquanto Marx e Engels prosseguiam no desenvolvimento de suas teorias socialistas, Stirner permanecia um crítico feroz dessas ideias. Assim, ele buscou destacar a complexidade e a pluralidade de pensamento que caracterizaram essa fase crucial na história do pensamento filosófico alemão do século XIX. 

O período em que Max Stirner viveu e estudou não apenas coincidiu com importantes eventos históricos, mas também se desenrolou em um ambiente intelectual estimulante que, por sua vez, teve um impacto fundamental em suas percepções filosóficas. Esse contexto histórico-cultural se revelaria vital para o desenvolvimento do pensamento stirneriano, que posteriormente transcenderia as fronteiras do tempo, influenciando gerações futuras e desafiando as concepções convencionais sobre liberdade, autoridade e moralidade. 

Sua Filosofia do Egoísmo é uma abordagem radical que coloca o indivíduo no centro de sua própria existência. O "Único", conceito fundamental proposto por Stirner, não apenas representa a singularidade de cada ser humano, mas também serve como a medida definitiva de todas as coisas. Em sua visão, o indivíduo é dotado de uma liberdade intrínseca, uma essência inalienável que transcende as construções sociais e as instituições estabelecidas. 

Portanto, o filósofo individualista desafia vigorosamente a noção convencional de autoridade, argumentando que instituições, ideias e sistemas são produtos da criação humana e, como tal, devem ser subordinados à vontade individual. Nessa perspectiva, a moralidade e as instituições sociais não são entidades inquestionáveis, mas sim construções que o indivíduo pode conscientemente escolher, aceitar ou rejeitar com base em seus próprios valores e interesses. 

Ao desafiar as normas morais tradicionais e a concepção de dever, Stirner propõe uma abordagem ética que coloca a busca pelos interesses pessoais no centro da conduta humana. Ele sugere que a verdadeira liberdade só é alcançada quando as pessoas se libertam das restrições externas, abandonando a submissão a ideias abstratas e agindo conforme seus desejos e impulsos genuínos. 

Nesse contexto, o filósofo alemão encoraja uma transformação fundamental na abordagem ética e social, em que a autonomia individual é valorizada acima de tudo. Sua filosofia não é apenas uma crítica às estruturas de poder existentes, mas também uma provocação para que os indivíduos assumam o controle de sua própria narrativa moral. Ao rejeitar a imposição de deveres externos, Stirner propõe que a verdadeira moralidade surja da autenticidade e da autodeterminação, criando um paradigma ético que respeita a diversidade de escolhas individuais e reconhece a singularidade humana. 

Assim, sua filosofia do egoísmo transcende a mera rebelião contra autoridades externas; ela fundamenta uma visão de liberdade que busca a verdadeira emancipação do indivíduo dos grilhões da moralidade convencional e das estruturas institucionais. Em sua busca por autonomia, Stirner convida cada pessoa a explorar a totalidade de sua singularidade, a questionar as normas preestabelecidas e a forjar um caminho ético baseado na expressão autêntica de suas vontades e desejos. 


As conexões entre a filosofia de Stirner e o anarcocapitalismo são intrigantes. Apesar de, hoje em dia, os seguidores de cada vertente se mostrarem rivalizando seus ideais na internet, seus princípios de autonomia e rejeição de autoridade institucional podem ser vistos como influência para as ideias econômicas anarcocapitalistas. 

A anarquia de mercado, desenvolvida por pensadores como Murray Rothbard, coloca em destaque a centralidade da propriedade privada e do livre comércio como pilares fundamentais de uma sociedade livre. Ao questionar as normas sociais e morais impostas pelo coletivo, Stirner pode ser interpretado como um precursor de uma mentalidade que desafia as estruturas estatais, criando um terreno fértil para a apreciação da liberdade individual – um princípio central no anarcocapitalismo. 

Ao explorarmos a convergência entre as ideias de Stirner e os fundamentos anarcocapitalistas, percebemos que ambos compartilham uma desconfiança fundamental em relação às instituições que impõem restrições à liberdade individual. O filósofo individualista, ao destacar a importância da autonomia, questiona a validade das normas que limitam muitas vezes as escolhas e a expressão genuína do indivíduo. Essa visão cria um terreno propício para a apreciação de um ambiente em que a liberdade individual é considerada a base da ordem social. 

O anarcocapitalismo, por sua vez, abraça o princípio de um mercado livre e desregulado como o meio mais eficaz para garantir a liberdade econômica e, por extensão, a liberdade individual. Embora as bases argumentativas difiram, a afinidade de princípios entre Stirner e ideal anarcocapitalista revela uma conexão mais profunda na resistência compartilhada contra a imposição externa sobre as escolhas e autonomia individuais. 

Apesar de Stirner não ter delineado um sistema econômico específico em seus escritos, sua filosofia do egoísmo e sua crítica à autoridade estabelecem um terreno comum com uma sociedade capitalista sem controle estatal. Isso fica claro com sua proposta socioeconômica de "União Egoísta" que é uma ideia que tem muitas semelhanças com a "Sociedade de leis privadas" do economista alemão, Hans Herman Hoppe. 

A filosofia de Stirner ecoa o agorismo de Samuel Edward Konkin III, propondo uma abordagem única para a busca da liberdade individual, enfatizando a importância da economia subterrânea - ou contra-economia - e da desobediência civil para minar as estruturas de controle estatais. 

Ao explorar as ideias desse pensador individualista, encontramos paralelos fascinantes com os fundamentos do agorismo. Stirner, ao promover de forma incisiva a liberdade individual e desafiar a autoridade, pode ser interpretado como um precursor intelectual do agorismo. 

O agorismo, em sua essência, propõe que os indivíduos exerçam sua liberdade de maneira prática, participando ativamente de transações econômicas e interações sociais que contornem as imposições governamentais. Essa abordagem, influenciada pela visão de Stirner sobre a autonomia individual, sugere que a verdadeira liberdade é alcançada quando os indivíduos se engajam em práticas econômicas e sociais que não apenas desafiam, mas contornam as estruturas de controle centralizadas. 

Nesse contexto, a afinidade entre Stirner e o agorismo transcende a mera coincidência ideológica; ela revela uma convergência de princípios fundamentais. Ambas as filosofias celebram a ação direta como um meio de resistência pacífica, incentivando os indivíduos a tomarem as rédeas de sua própria liberdade, buscando soluções que não estejam sujeitas à intervenção estatal. 

Ao reconhecer a influência desse pensador individualista nas ideias agoristas, percebemos que suas ideias continuam a inspirar movimentos contemporâneos que buscam remodelar as estruturas sociais em prol da liberdade individual. Esse diálogo entre a filosofia do egoísmo e o agorismo destaca a resiliência e a relevância contínua das ideias de Stirner na busca pela verdadeira liberdade em um contexto moderno. 

Apesar de sua influência, as ideias de Max Stirner também geraram críticas. Seu egoísmo radical foi visto por alguns como excessivamente individualista, negligenciando a importância de responsabilidades sociais e éticas. Críticos argumentam que uma sociedade baseada exclusivamente no egoísmo stirneriano poderia levar ao caos e à falta de cooperação. 

Outros afirmam que Stirner negligenciou a importância das relações sociais e da solidariedade na busca pela liberdade. No entanto, seus defensores argumentam que a ênfase do filósofo alemão na liberdade individual é um chamado à autenticidade e à autodeterminação, respeitando a diversidade de escolhas que cada pessoa faz em sua vida.

Ao estudar a obra de Stirner, mergulhamos em uma exploração profunda da natureza humana, da liberdade individual e do papel do governo na sociedade. Sua mensagem provocativa continua a inspirar debates sobre a verdadeira natureza da liberdade e o equilíbrio entre a autonomia individual e as responsabilidades sociais. Enfim, o legado de Max Stirner ecoa como um desafio constante para questionarmos as estruturas de dominação estabelecidas e explorarmos as fronteiras da liberdade individual. 

Para conhecer o agorismo e as ideias de seu idealizador, Samuel Konkin, recomendamos o vídeo: O que é agorismo e quem foi Samuel E. Konkin?, o link está na descrição. 


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https://se.olx.com.br/sergipe/livros-e-revistas/livros-e-revistas-novos-e-usados-1270882552?


Referências:

https://razaoinadequada.com/max-stirner/ 

O que é agorismo e quem foi Samuel E. Konkin? 
https://youtu.be/UDdIVpSnW4U


Fonte:

https://visaolibertaria.com/site/artigo/max-stirner-e-a-revoluo-filosfica-da-liberdade-individual



quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Anarco Agorismo

 



Agorismo

Agorismo

Agorismo é uma filosofia política fundada por Samuel Edward Konkin III que definiu um agorista como um praticante consciente da “contra-economia”. O objetivo dos agoristas é uma sociedade na qual todas “relações entre as pessoas são de trocas voluntárias – um livre mercado”. O termo vem da da palavra grega “Agora”, um local aberto para assembleias e mercado nas antigas cidades-estados gregas. (...) Os agoristas consideram a propriedade intelectual ilegítima, vêm em suas idéias uma evolução das de Murray Rothbard. Como o mutualismo, o agorismo advoga um “livre mercado não-capitalista”.

Visão da propriedade

propriedade privada, particularmente a terra, não continuaria infinitamente, e sim se usaria apenas enquanto haja uma capacidade regular para evitar que seja considerada abandonada. Alguns anarcocapitalistas creem que “toda” propriedade deveria ser Propriedade Privada, enquanto os agoristas acreditam que a propriedade coletiva pode ser permitida, assim como a propriedade de “ocupação e uso”.

Os agoristas veem as empresas favorecidas pelo governo como um vínculo da ilegitimidade do Estado com muitos desses negócios. Creem que as restrições estatais que limitam a responsabilidade nas empresas corrompem os negócios de tal maneira que os gerentes atuam irresponsavelmente com os Ativos das empresas. Por exemplo, se esses negócios pagam excessivamente aos executivos e não podem resolver dívidas contratuais, muitas leis estatais protegem os salários daqueles que são responsáveis pela bancarrota. Os agoristas afirmam que a responsabilidade não pode desaparecer simplesmente por uma lei governamental e assim os negócios legítimos sempre teriam administradores ou donos que seriam responsáveis de qualquer ação executada.

Os agoristas tendem a se opor aos copyrights e patentes como um monopólio ilegítimo como sustentou Benjamin Tucker. Promovem e sustentam uma reconciliação entre as obras de autores diferentes como Pierre-Joseph Proudhon e David Friedman em parte reconhecendo as diferenças terminológicas, sendo a mais evidente a palavra “propriedade”. Porém, uma parcela dos agoristas considera a propriedade intelectual legítima.

Três tipos de capitalistas

Aonde os anarcocapitalistas geralmente se referem ao livre mercado como “capitalismo”, os agoristas fazem a seguinte distinção em três partes.

empreendedor (Apesar de um empreendedor não ser necessariamente um capitalista) o capitalista que se arrisca (venture capitalist)capitalista não estatistacapitalista pro-estatista
(bom)(neutro)(mal)
inovador, aventureiro, produtor; a força do mercado livredonos de capital, não necessariamente informados ideologicamente; “relativamente drone-like non-innovators“O principal mal no reino político”

Ação política

Os agoristas tendem a se opor ao voto e a participação política ou não creem que tais meios poderiam ser os mais eficazes para uma sociedade livre.

https://www.anarquista.net/agorismo/

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quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Espírito e Liberdade - 2 - Nikolai Berdiaev

 

Espírito e Liberdade

Nikolai Berdiaev

II

Não é a distinção entre o espírito e a matéria, entre o psíquico e o físico, que aparece como a oposição fundamental e última. É sobre essa distinção que foram elaboradas as metafísicas espiritualista e materialista, todas as duas naturalistas. Estabeleceu-se, na “natureza”, uma distinção entre o psíquico e o físico, que foram identificados com o espírito e a alma. A metafísica religiosa e a teologia vão ainda mais longe ao estabelecer uma oposição entre o Criador e a criação, entre a graça e a natureza. Mas nessa oposição, cujo sentido é pragmático e profundo, a criação é naturalizada e objetivada, e, por conseguinte, naturaliza-se e objetiva-se o Criador. No mundo natural criado, já não encontramos mais o espírito – o mundo é inteiramente naturalizado e desprovido de qualquer profundidade. A profundidade só existe no Criador, que lhe é oposto, e o espírito não está senão na ação da graça divina, de onde se pode deduzir que que somente o Espírito Divino existe. Vemos o homem sob o ponto de vista do naturalismo, concedemos a ele uma alma, mas retiramos dele o espírito. O homem passa a ser exclusivamente um a ser natural; somente pela ação da graça ele se torna um ser espiritual. A teologia cristã afirma em geral que o homem é constituído de uma alma e de um corpo, e que o espírito não passa da resultante, neles, da ação do Espírito Santo. São Tomás de Aquino expressou em seu sistema, de uma maneira clássica e clara, a antítese entre o “natural” e o “sobrenatural”. O tomismo naturaliza definitivamente a existência do mundo criado, a existência do homem, e reduz a filosofia a um conhecimento natural do natural. Nessa concepção da criatura natural, existe uma verdade relativa aos caminhos seguidos pelo homem, a verdade de uma experiência autêntica. Entretanto, a metafísica religiosa e a teologia, que pretendem expressar a verdade última e definitiva da existência, consistem numa metafísica e numa teologia naturalistas. Não apenas a “natureza”, como também a “graça”, são ambas naturalizadas, porque são objetificadas, porque são sitiadas “desde fora” e não “na profundeza”.

A antítese entre Espírito e Natureza deve ser considerada como primordial. Essa antítese não significa que uma metafísica dualista qualquer deva ser estabelecida. A oposição se afirma numa esfera que não é aquela da existência objetificada, vale dizer, naturalizada. O espírito não é a realidade e a existência, no sentido em que a natureza é vista como realidade e existência. Essa é precisamente a falta cometida pela teologia naturalista: o dualismo extremo entre o Criador e a criação, entre o sobrenatural e o natural aí se alia a um monismo extremo na compreensão da realidade e daquilo que constitui a existência. O sobrenatural se encontra sobre a mesma linha ascendente que o natural, ele é também um natural, mas levado a um grau mais alto, a uma altura incomensurável. A antinomia que existe entre o espírito e a natureza não nos fornece uma metafísica dualista da existência, mas introduz uma distinção na compreensão da própria realidade. Trata-se, antes de tudo, da antítese entre a vida e a coisa, entre a liberdade e a necessidade, entre o movimento criador e a submissão passiva aos impulsos exteriores. O primeiro ponto, e o mais elementar, que se pode estabelecer para conhecer o espírito é a distinção de princípio entre “espírito” e “alma”. A alma pertence à natureza, sua realidade é uma realidade de ordem natural, ela não é menos natural do que o corpo. A alma é uma entidade diferente do corpo, do que a matéria [2]. Mas o espírito não pode ser oposto ao corpo e à matéria como se ele fosse uma realidade de mesma ordem do que o corpo e o mundo material. É desde dentro, das profundezas, que o espírito absorve em si o corpo e a matéria, assim como a alma, embora o espírito pertença a uma outra realidade, a um plano diferente. A natureza não é negada, mas iluminada no espírito. O espírito une interiormente à alma e a transfigura. A distinção entre espírito e alma não implica a separação do espiritual e do psíquico. Mas todo psicologismo, em filosofia, não passa de uma forma de naturalismo. O espiritualismo não é ainda uma filosofia do espírito, ele é uma metafísica naturalista, que tende a ver a substância da existência no psíquico, nos fenômenos objetificados da alma.

A distinção entre o espiritual e o psíquico é muito antiga. Platão a conhecia. O apóstolo Paulo a expressou com um profundo religioso. “O homem animal não compreende as coisas que são do Espírito de Deus, pois elas lhe parecem loucura; e ele não as pode escutar, porque elas só podem ser julgadas espiritualmente. Mas o homem espiritual julga todas as coisas, e ninguém pode julgá-lo [3]”. “Ele foi semeado num corpo animal, mas ressuscitará num corpo espiritual [4]”. As categorias do “espiritual” e do “físico” são categorias religiosas e metafísicas. Os gnósticos salientaram a diferença entre o espiritual e o psíquico, e abusaram dela. Hegel tinha consciência dessa diferença, e considerava o conhecimento do espírito como o conhecimento mais concreto. A distinção entre o espiritual e o psíquico é característico de toda mística. Todos os místicos ensinaram o homem espiritual, a experiencia e o caminho espiritual. O espiritual, para eles, não era jamais uma categoria metafísica abstrata, ele era a vida autêntica. A confusão entre o espiritual e o psíquico nas categorias da existência metafísica objetificada, foi uma das fontes do falso naturalismo e do falso espiritualismo. O espírito não é uma substância, ele não é uma realidade objetiva, da mesma qualidade que as outras. O espírito é a vida, a experiência, o destino. Uma metafísica racional do espírito é impossível. A vida não se revela senão na experiência. O espírito é vida e não objeto, e, por conseguinte, ele não pode ser conhecido a não ser por uma experiência concreta, numa experiência de vida espiritual, na realização do destino.

No conhecimento do espírito, o sujeito e o objeto não se opõem um ao outro. O espírito que conhece é o mesmo que o espírito conhecido. A vida espiritual não é objeto do conhecimento, ela é o próprio conhecimento da vida espiritual. A vida não se abre, senão para a vida. O conhecimento da vida é a própria vida. A vida do espírito não se opõe ao conhecimento como uma coisa objetiva, semelhante à natureza. Na vida do espírito e no seu conhecimento, tudo se passa no interior, nas profundezas. Tudo o que se realiza no mundo espiritual, se realiza em mim.

Filosofia

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