domingo, 26 de outubro de 2025

OS LIBERTÁRIOS


O termo "libertário" abrange diversas correntes de pensamento, com ênfase na liberdade individual, na limitação (ou abolição) do poder estatal e no Princípio da Não Agreção (que significa não iniciar a força, ou violência ou a ameaça de força contra a liberdade de outro, outros, mesmo grupos maiores, mais poderosos, nações,etc.)

As principais vertentes são geralmente classificadas, embora não adequadamente, em Libertarianismo de Direita (associado ao liberalismo clássico e ao anarcocapitalismo) e o Libertarianismo de Esquerda (associado ao anarquismo e ao socialismo libertário). Porém, seria mais adequado enquadrar todas as formas de libertarianismo como uma "terceira via", ou melhor, nem esquerda nem direita, mas sim, com tendências ou elementos mais à direita ou à esquerda a depender do proponente ou idéia.

Abaixo está uma lista de alguns dos autores proeminentes, das diferentes correntes libertárias e suas principais idéias. As idéias libertárias são complexas e se subdividem em muitas escolas de pensamento. Esta lista é apenas um resumo dos autores mais influentes:

1. Libertarianismo considerado de Direita (Minarquismo e Anarcocapitalismo)

John Locke (1632-1704) Considerado um precursor. Defesa dos direitos naturais (vida, liberdade e propriedade). A teoria do governo limitado através de uma constituição e divisão de poderes. A propriedade é adquirida pelo trabalho.

Adam Smith (1723-1790) Defesa do livre mercado e da não-intervenção estatal na economia. Conceito de "mão invisível" para descrever como a busca do interesse próprio na economia beneficia a sociedade. 

Ludwig von Mises (1881-1973) 

Proponente da Escola Austríaca de Economia. Crítico do socialismo, argumentando que a ação humana e o mercado livre são essenciais. Defesa do liberalismo clássico.
 

Friedrich Hayek (1899-1992)

Crítica ao planejamento centralizado, argumentando que o conhecimento necessário para gerenciar a economia é disperso e só o mercado consegue coordená-lo ("O Caminho da Servidão"). Defesa da ordem espontânea. 

Ayn Rand (1905-1982) Fundadora do Objetivismo. Defesa do egoísmo racional, do individualismo e do capitalismo laissez-faire. O Estado deve ser estritamente limitado à polícia, exército e tribunais (posição minarquista). 



Murray Rothbard (1926-1995)
Principal teórico do Anarcocapitalismo. Defesa do Axioma da Não-Agressão (proibição de iniciar a força ou a ameaça de força). Defende a abolição do Estado e a provisão de todos os serviços (incluindo segurança e justiça)
pelo mercado. 

Robert Nozick (1938-2002) Defensor do Minarquismo (Estado Mínimo). Em "Anarquia, Estado e Utopia", argumenta que o único estado moralmente justificável é o que se limita à proteção contra força, roubo, fraude e ao cumprimento de contratos. A redistribuição de riqueza é uma violação da propriedade individual. 

Milton Friedman (1912-2006) 

Nobel de Economia, expoente da Escola de Chicago (Monetarismo). Defesa do livre mercado, da limitação do poder governamental e da política de intervenção mínima. Defendia a abolição do serviço militar obrigatório e o uso de vouchers na educação. 

David Friedman (n. 1945) Economista e proponente do Anarcocapitalismo. Defende que até a justiça e a segurança poderiam ser fornecidas pelo mercado, usando a análise econômica para mostrar a viabilidade de uma sociedade sem Estado em "O Maquinário da Liberdade". 

2. Libertarianismo considerado de Esquerda (Anarquismo/Socialismo Libertário)

William Godwin (1756-1836) Considerado o percursor do anarquismo moderno. Crítica a toda forma de governo e coerção, defendendo uma sociedade baseada na razão, benevolência e autonomia individual. 

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) O primeiro a se autodenominar anarquista. Conhecido pela frase "A propriedade é um roubo" (referindo-se à propriedade que gera lucro sem trabalho) e pela defesa do Mutualismo, um sistema de cooperativas e associações de crédito e troca. 

Mikhail Bakunin (1814-1876) Teórico do Anarquismo Coletivista. Defesa da abolição do Estado, da religião e de toda hierarquia. Defendia a organização social a partir de federações livres de associações de produtores e comunas.

Piotr Kropotkin (1842-1921) Principal teórico do Anarquismo Comunista. Defendia uma sociedade sem Estado nem propriedade privada, baseada na ajuda mútua (em oposição à luta pela sobrevivência) e na distribuição "de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades". 

Emma Goldman (1869-1940) Anarquista e feminista. Defesa do anarquismo social e da luta pela emancipação feminina, liberdade sexual e livre-pensamento. 

Noam Chomsky (n. 1928)  Linguista e pensador político, defensor do Socialismo Libertário ou Anarcossindicalismo. Crítico do poder corporativo e da política externa dos EUA. Defende a organização da sociedade por meio de conselhos de trabalhadores e democracia direta. 
CONTINUA...




quinta-feira, 23 de outubro de 2025

2ª parte de O Legado da Escola de Gurdjieff e seus Herdeiros


Fazer uma lista
 exaustiva de todos os discípulos de Gurdjieff e seus respectivos alunos é praticamente impossível por vários motivos: (1) 
O ensinamento de Gurdjieff não era rigidamente hierárquico, e muitos dos seus alunos e dos alunos deles continuaram o trabalho de forma independente, sem uma lista centralizada; (2) Alguns grupos e indivíduos mantêm a transmissão de forma privada, sem divulgação pública; e (3) O ensinamento se espalhou por diferentes países e culturas, com diversas interpretações e vertentes.

No entanto, é possível listar alguns dos nomes mais conhecidos e influentes, tanto os discípulos diretos de Gurdjieff quanto aqueles que seguiram a linhagem de seus alunos mais proeminentes.

Lembrando alguns Discípulos diretos de G. I. Gurdjieff:

P. D. Ouspensky: Filósofo e matemático russo, principal sistematizador do ensinamento.

  • Thomas de Hartmann: Compositor russo que colaborou com Gurdjieff na música para os movimentos sagrados.
  • Olga de Hartmann: Esposa de Thomas de Hartmann, colaborou na documentação da vida com Gurdjieff.
  • Jeanne de Salzmann: Aluna próxima que liderou o trabalho após a morte de Gurdjieff.
  • J. G. Bennett: Cientista e filósofo que continuou o trabalho de forma independente, integrando diversas fontes de sabedoria.
  • Maurice Nicoll: Psicoterapeuta e psiquiatra, aluno de Ouspensky e Gurdjieff.
  • A. R. Orage: Crítico literário e editor britânico.
  • Jane Heap: Co-fundadora da revista Little Review, que divulgou o trabalho nos EUA.
  • Margaret Anderson: Co-fundadora da Little Review, também seguidora de Gurdjieff.
  • Katherine Mansfield: Escritora neozelandesa que esteve com Gurdjieff.
  • Olgivanna Lloyd Wright: Esposa do arquiteto Frank Lloyd Wright e aluna de Gurdjieff.
  • Fritz Peters: Sobrinho de Gurdjieff, autor de livros sobre sua convivência com ele.
  • Louis Pauwels: Escritor e jornalista francês.
  • Peter Brook: Diretor de teatro e cinema.
  • Lord Pentland (Henry John Sinclair): Aluno de Ouspensky que se tornou líder do trabalho nos EUA, nomeado por Gurdjieff. 
Alunos de P. D. Ouspensky e seus seguidores 
  • Rodney Collin: Aluno proeminente de Ouspensky, escritor prolífico e líder de grupo no México.
  • Kenneth Walker: Cirurgião e autor, seguiu os ensinamentos de Ouspensky.
  • Robert S. de Ropp: Aluno de Ouspensky, autor de livros sobre o trabalho.
  • Remedios Varo: Pintora surrealista, influenciada por Ouspensky. 
Alunos de Jeanne de Salzmann e seus seguidores 
  • Michel de Salzmann: Filho de Jeanne, continuou a liderança das Fundações Gurdjieff.
  • Maurice Desselle: Colaborador de Jeanne na transmissão do trabalho.
  • Henriette Lannes: Líder de grupo na França, sob a orientação de Jeanne.
  • * Henri Tracol: Líder de grupo na França, também próximo a Jeanne. 
Alunos de J. G. Bennett e seus seguidores
  • A. G. E. Blake: Aluno de Bennett, dedicou-se aos aspectos esotéricos e cosmológicos do ensinamento.
Esta lista, embora incompleta, cobre os principais nomes da linhagem do ensinamento de Gurdjieff. A natureza do trabalho, que valoriza a transmissão oral e a experiência pessoal, faz com que muitos outros indivíduos também tenham contribuído para a continuidade do legado, mesmo que seus nomes não sejam tão conhecidos.

Esse legado continuou através de praticantes, pesquisadores, 
professores, grupos, escolas, ou dentro de outras escolas, 
fraternidades e ordens. Isto através muitas linhas de trabalhos,
de ènfases em certos aspectos, diferentes interpretações, por
um viés mais científico ou academico, ou por outro viès mais 
místico ou esotérico ou mesmo religioso, ou outro mais psicológico
ou terapêutico, ou mais artístico e linguístico; ou uma combinação
de alguns destes, ou de todos estes... Entre os mais inventivos e 
outros mais ortodoxos, tudo que podemos dizer é que O Trabalho
continuou, muito foi desenvolvido, descoberto e aperfeiçoado; 
enquanto por outros foi mais preservado em sua forma original
ou sintetizado e resumidos aos aspéctos práticos mais efetivos
ou mesmo em simbiose com outros métodos, sistemas e escolas.
O fato é que sobreviveu e continua vivo, despertando cada vez mais
pessoas para a importancia da cosnciencia, do despertar, e do
tornar-se livre das prisoes psicolóicas, dos condicionamentos, 
manipulaçoes e limitaçoes a que nos permitimos submeter e 
escravisar nossa consciencia e nossa liberdade de conhecer, 
de viver e de ser donos de nossas próprias vidas de forma 
consciente , nítida e bela.

E.T.C.A. 

Escola Terapêutica das Ciências Antigas  


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quarta-feira, 22 de outubro de 2025

A IGREJA ORTODOXA - Santos, monges e imperadores


6. Santos, monges e imperadores

Com muita propriedade, Bizâncio foi chamada "o ícone da Jerusalém celeste”. A religião fazia parte de cada aspecto da vida bizantina, Os feriados bizantinos eram festas religiosas; as corridas realizadas no circo começavam com o canto de hinos; seus contratos comerciais invocavam a Trindade e eram marcados com o sinal da cruz. Hoje em dia, numa época não teológica, é impossível imaginar o entusiasmo que se tinha por questões religiosas em toda a sociedade, tanto os leigos como o clero, tanto os pobres e sem instrução, como a corte e os estudiosos. Gregório de Nissa descreve as intermináveis discussões teológicas em Constantinopla à época do segundo Concílio Ecumênico:

«Toda a cidade está repleta, os quarteirões, as praças, as estradas, as alamedas, andarilhos, cambistas, feirantes: todos estão ocupados discutindo. Se você pede troco a alguém, ele filosofa a respeito do Criado e do Incriado; se você pergunta o preço do pão, obtém como resposta que o Pai é superior e o Filho inferior; se você pergunta "meu banho está pronto?" o criado responde que o Filho foi criado do nada.»

Este relato curioso nos mostra a atmosfera na qual o Concílio se realizou. As paixões surgidas eram por vezes tão violentas que as sessões não eram sempre contidas ou elegantes. "Sínodos e Concílios eu os saúdo a distância”, notou secamente Gregório de Nazianzo, "pois sei como eles são problemáticos.

Nunca mais me sentarei naquelas reuniões de garças e gansos”. Os Padres, às vezes, defendiam suas causas por meios questionáveis: Cirilo de Alexandria, por exemplo, em sua luta contra Nestório subornou pesadamente a Corte e aterrorizou a cidade de Efeso com uma guarnição privada de monges.

Cirilo era temperamental nos seus métodos por causa de seu ardoroso desejo de ver o lado certo triunfar; e se os cristãos foram as vezes amargos, foi porque estavam preocupados com a fé cristã. Talvez a desordem seja melhor do que a apatia. A Ortodoxia reconhece que os Concílios foram realizados por homens imperfeitos, mas ela acredita que estes homens imperfeitos foram guiados pelo Espírito Santo.

O bispo bizantino não era apenas uma figura distante que participava dos Concílios; ele agia também em muitos casos como um verdadeiro pai para seu povo, um amigo e protetor em quem as pessoas confiavam quando tinham algum problema. A preocupação com os pobres e oprimidos que João Crisóstomo demonstrava é encontrada também em muitos outros. São João o "Doador de Esmolas”, Patriarca de Alexandria (morto em 619), por exemplo, doou toda a riqueza de sua sé para ajudar aqueles a que ele chamava "meus irmãos, os pobres”. Quando seus próprios recursos acabaram, ele pediu a outros: Ele costumava dizer, um conceito contemporâneo, "que se, sem rancor, alguém tirar a camisa do rico para dar aos pobres, não estaria errado. Aqueles que você chama pobres e pedintes, estes eu declaro meus mestres e ajudantes, pois apenas eles, podem realmente nos ajudar e nos conceder o reino do céu”. A Igreja no Império bizantino não deixava de cuidar de suas obrigações sociais, e uma de suas funções principais era com obras de caridade.

O monasticismo teve um papel decisivo na vida religiosa de Bizâncio, da mesma forma que em todos os países ortodoxos. Tem-se dito corretamente que "o melhor modo de penetrar na espiritualidade ortodoxa é fazê-lo por meio do monasticismo. Existe uma grande variedade de formas de vida espiritual a serem encontradas nos limites da ortodoxia, mas o monasticismo continua a ser a mais clássica de todas”. A vida monástica, como instituição definitiva, surgiu primeiro no Egito, no inicio do século IV, e de lá espalhou-se rapidamente pela cristandade. Não é coincidência que o monasticismo tenha se desenvolvido imediatamente após a conversão de Constantino, no tempo que as perseguições cessaram e o cristianismo tornou-se moda. Os monges, com sua austeridade, eram mártires numa época em que o martírio de sangue já não existia mais; formavam o contra-peso do cristianismo estabelecido. As pessoas na sociedade bizantina corriam o perigo de esquecer que Bizâncio era um ícone e um símbolo, não a realidade; corriam o risco de identificar o reino de Deus com um reino terrestre. Os monges com sua saída da sociedade para o deserto preenchiam um ministério profético e escatológico na vida de Igreja. Eles lembravam aos cristãos que o reino de Deus não é deste mundo.

O monasticismo tomou três formas principais, todas apareceram no Egito por volta de 350 DC, e todas subsistem até hoje na Igreja Ortodoxa. Existe primeiro os eremitas, homens vivendo uma vida solitária em cabanas ou cavernas, e mesmo em tumbas, troncos de árvores ou topo de colunas. O grande modelo de vida eremita é o próprio pai do monasticismo. Santo Antônio do Egito (251 - 356). Em segundo existe a vida comunitária, onde monges moram juntos sob um regulamento comum e num mosteiro constituído regularmente. Aqui o grande pioneiro foi São Pacomio do Egito (286 - 346), autor de um regra usado por São Bento no ocidente. Basílio o Grande, cujos escritos ascéticos exerceram influência na formação do monasticismo ocidental, era um forte defensor da vida comunitária. Dando ênfase social ao monasticismo, ele recomendava com insistência que as casas religiosas deviam cuidar dos doentes e dos pobres, mantendo hospitais e orfanatos, e trabalhando diretamente para o benefício da sociedade de um modo geral. Mas em geral o monasticismo oriental tem sido muito menos voltado a um trabalho ativo do que o ocidental. Na Ortodoxia a principal tarefa de um monge é orar e é através disso que ele ajuda os outros. O importante não é tanto o que o monge faz, mas o que ele é. Finalmente existe uma forma de vida monástica intermediária entre estas duas, a vida semi-eremita, um "meio termo" onde ao invés de uma única comunidade altamente organizada existe um grupo disperso em uma pequena colônia, cada colônia abriga de dois a seis irmãos morando juntos e sob a orientação de um mais velho. Os grandes centros de vida semi-eremita no Egito foram Nítria e Setis, que ao final do quarto século haviam produzido muitos monges ilustres - Ammon fundador de Nítria, Macário do Egito e Macário de Alexandria, Evagrio Pôntico e Arsênio o Grande. (Este sistema semi-eremita não é encontrado apenas no oriente, mas também no extremo ocidente, no monasticismo celta).

Por causa de seus mosteiros, o Egito no século IV era considerado a Segunda Terra Santa, e viajantes para Jerusalém achavam sua peregrinação incompleta se não incluíam as casas ascéticas do Nilo. Nos séculos V e VI a liderança dos movimentos monásticos transferiu-se para a Palestina, com São Eutímio o Grande (morto em 473) e seu discípulo São Sabbas (morto em 532). O mosteiro fundado por São Sabbas no vale do Jordão representa uma história ininterrupta até os dias de hoje; era a esta comunidade que João Damasceno pertencia. Quase tão antiga é uma outra casa importante com uma história ininterrupta até o presente, o mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai, fundado pelo Imperador Justiniano (reinou de 527-565). Com a Palestina e o Sinai nas mãos dos árabes, a proeminência monástica no Império bizantino passou para o imenso mosteiro de Studium em Constantinopla, originalmente fundado em 463; São Teodoro foi abade lá e fez uma revisão do regulamento da comunidade.

Desde o século X o centro mais importante de monasticismo ortodoxo é Athos, uma península rochosa ao Norte da Grécia que se projeta no Mar Egeu e culminando com um pico de 2033 metros de altura. Conhecido como a "Montanha Santa”, Athos abriga vinte mosteiros "regulares" e um grande número de casas menores, assim como eremitérios; toda a península é inteiramente cedida para estabelecimentos monásticos, e nos dias de sua maior expansão diz-se que contava com aproximadamente quarenta mil monges. Apenas um dos vinte mosteiros regulares, produziu, sozinho, 26 Patriarcas e 144 bispos; isto nos dá uma idéia da importância de Athos na história ortodoxa.

Não existem "Ordens" no monasticismo ortodoxo. No ocidente um monge pertence à Ordem cartusiana, cistersciense ou qualquer outra Ordem; no oriente ele é apenas um membro de uma grande irmandade que inclui todos os monges e monjas, embora, é claro, ele esteja ligado a um mosteiro particular.

Escritores ocidentais, às vezes, referem-se aos monges ortodoxos como "monges Basílios" ou "monges da Ordem Basília”, mas isto não é correto. São Basílio é uma figura importante no monasticismo ortodoxo, mas não fundou Ordem alguma, e embora duas de suas obras sejam conhecidas como Regras Maiores e Regras Menores, não são de forma alguma comparáveis às Regras de São Bento.

Uma figura característica no monasticismo ortodoxo é o "ancião" ou "homem velho" (no grego, geron; no russo, staretz, no plural, startsi). O ancião é um monge de discernimento espiritual e sabedoria, a quem os outros - monges ou pessoas de fora - adotam como seu guia e diretor espiritual. Ele é às vezes um padre, mas freqüentemente um monge leigo; ele não recebe ordenação especial ou indicação para o trabalho de presbítero, mas é dirigido a ele pela inspiração direta do Espirito. O ancião vê de um modo prático e concreto qual é o desejo de Deus em relação a cada pessoa que vem consultá-lo: este é o dom especial do ancião ou carisma. O mais antigo e mais celebrado dos startsi monásticos foi Santo Antônio. A primeira parte de sua vida, de dezoito aos cinqüenta e cinco anos, passou-a em retiro e na solidão; então, embora ainda vivendo no deserto, abandonou esta vida de clausura total e começou a receber visitantes. Um grupo de discípulos reuniu-se em torno dele, e além desses discípulos havia um grande círculo de pessoas que vinham freqüentemente de longa distância pedir seus conselhos; tão grande era o volume de visitas que, como escreveu Atanásio o biógrafo de Antônio, tornou-se o médico de todo o Egito. Antônio teve muitos sucessores, e na maioria deles encontra-se o mesmo modelo exterior de eventos - um retiro para retornar. Um monge deve primeiro retirar-se, e em silêncio deve aprender a verdade a seu respeito e a respeito de Deus. Então, após essa longa e rigorosa preparação na solidão, tendo recebido os dons do discernimento necessários a um ancião, ele pode abrir a porta de sua cela e receber o mundo do qual ele anteriormente fugiu.


No centro da política cristã de Bizâncio existia a figura do Imperador, que não era um regente comum, mas o representante de Deus na terra. Se Bizâncio era um ícone da Jerusalém celeste, então a monarquia terrestre do imperador era uma imagem ou ícone da monarquia de Deus no céu; na igreja os homens prostravam-se diante do ícone de Cristo, e no palácio diante do ícone vivo de Deus - o Imperador. O palácio labiríntico, o elaborado cerimonial da corte, a sala do trono onde leões mecânicos rugiam e pássaros cantavam: tais coisas foram elaboradas para deixar claro o status de vice-regente de Deus do Imperador. Por tais meios, escreveu o Imperador Constantino VII, o Porfirogênito, "nós representamos o movimento harmonioso de Deus Criador em seu universo, enquanto o poder imperial é preservado em harmonia e ordem”. O Imperador tinha um lugar especial no rito da Igreja: não podia é claro celebrar a eucaristia, mas recebia comunhão como os padres, pregava sermões, em certas festas incensava o altar. As vestimentas que os bispos ortodoxos usam hoje em dia são as vestes usadas outrora pelo Imperador na igreja.

A vida em Bizâncio formava um todo uniforme, e não havia uma linha rígida de separação entre religiosos e seculares, entre Igreja e Estado: ambos eram vistos como partes de um mesmo organismo. Mesmo que fosse inevitável o Imperador ter uma participação ativa nos assuntos da Igreja. Ao mesmo tempo não é justo acusar Bizâncio de cesaropapismo, de subordinar a Igreja ao Estado. Embora Igreja e Estado formassem um mesmo organismo, dentro deste organismo único havia dois elementos distintos, o presbiterado (sacerdotium) e o poder imperial (imperium); e mesmo trabalhando em total cooperação, cada um desses elementos tinha sua esfera própria na qual atuava com autonomia. Entre os dois havia "sinfonia" ou "harmonia”, mas nenhum elemento exercia controle absoluto sobre o outro.

Esta é a doutrina explicada no grande código da lei bizantina redigida sob Justiniano (veja o sexto apêndice) e repetida em vários outros textos bizantinos. Tome por exemplo as palavras do Imperador João Tzimices: "Reconheço duas autoridades, clero e império; o Criador do mundo confiou ao primeiro a guarda das almas e ao segundo o controle dos corpos dos homens.

Não permita que nenhuma autoridade seja atacada e o mundo gozará de prosperidade." Assim era tarefa do Imperador convocar concílios e fazer suas decisões serem cumpridas, mas estava além de seus poderes ditar o conteúdo de tais decretos; cabia aos bispos reunidos nos concílios a decisão do que significava a verdadeira fé. Os bispos foram indicados por Deus para ensinar a fé, enquanto o Imperador era o protetor da Ortodoxia, não seu expoente.

Assim era a teoria, assim na maioria das vezes foi praticado. Devemos admitir que houve ocasiões nas quais o Imperador interferia injustificadamente em assuntos eclesiásticos; mas quando surgia uma questão de base, as autoridades da Igreja mostravam rapidamente que tinham vontade própria. O iconoclasmo, por exemplo, foi vigorosamente defendido por toda uma série de Imperadores, e, apesar disso, foi com sucesso rejeitado pela Igreja. Na história bizantina a Igreja e o Estado eram bastante interdependentes, mas nenhum era subordinado ao outro.

Existem muitos hoje em dia, não apenas fora, mas também dentro da Ortodoxia, que criticam duramente o Império bizantino e o conceito de sociedade cristã que ele representava. Mas estavam os bizantinos totalmente errados? Eles acreditavam que Cristo, que havia vivido na terra como homem, havia redimido cada aspecto da existência humana, e sustentavam que isto havia tornado possível batizar não apenas indivíduos, mas todo o espírito e organização da sociedade. Assim esforçaram-se para criar uma política inteiramente cristã em seus princípios de governo e em suas vidas diárias.

Bizâncio de fato não era nada além de uma tentativa de aceitar e de aplicar todas as implicações da Encarnação. Certamente esta tentativa tinha seus perigos: em particular os bizantinos sempre cairam no erro de identificar o reino terrestre de Bizâncio com o Reino de Deus, o povo grego com o povo de Deus. Certamente Bizâncio estava bastante aquém dos altos ideais em que se colocava, e suas falhas foram freqüentemente lamentáveis e desastrosas. As histórias da crueldade, violência e duplicidade de Bizâncio são bastante conhecidas para serem repetidas aqui. Elas são verdadeiras - mas tão somente parte da verdade. Pois atrás de todas as falhas de Bizâncio pode-se sempre discernir a grande visão na qual os bizantinos se inspiravam: fundar aqui na terra um ícone vivo do governo de Deus no céu.