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Por Frater I.L.I.V.
Quando alguns buscadores foram para o oriente e voltaram criando
escolas iniciáticas, alguns trataram da arte da alquimia. Haviam distintas
alquimias, de acordo com o que eles encontraram lá e de suas vivências e compreensões
diferentes. Essas vivências provocaram uma mudança tão marcante no modo de ver
e de viver dessas pessoas que as transformou completamente e, além disso,
fizeram surgir novas doutrinas, ciências, teorias, escolas, filosofias... Um
exemplo muito conhecido disso é o movimento rosicruciano que une a sabedoria
iniciática do oriente e do ocidente. E dessas ainda surgiram muitas
derivações no ocidente. Embora todas as origens diferentes jamais tenham sido
explicitamente esclarecidas ou sequer citadas, sabemos hoje que tais artes
faziam parte da cultura de várias tradições antigas do oriente, houvesse ou não
contato entre elas.
Com o passar do tempo surgiram algumas interpretações das
formulações mais secretas dos alquimistas, podemos dizer que elas gravitam
entre dois tipos radicais de interpretação dos segredos alquímicos,
um tipo materialista ou fisiologista que fala de transformações físicas,
energias, construção de corpos, etc.; outra que fala de transformações
psicológicas, realizações mentais, imateriais, etc.. Mas há um meio termo. O
sincero buscador que não se contentar com o ‘ouvir dizer’ deve buscar as fontes
originais de onde esses ditos “mistérios” foram extraídos. Assim estará mais
próximo de uma interpretação real do que os novos comentadores e praticantes
das derivações atuais.
Existem evidências de várias dessas origens ligadas a povos,
escolas, religiões, ritos e textos orientais, considerados por aqueles
buscadores muitas vezes como sagrados e secretos. Podemos falar de origens chinesas,
árabes, persas, entre outros locais; ou, conforme suas tradições fontes:
budistas, hindus, taoístas, zostrianas, entre outras. Aqui apresentamos uma vertente
que é de nosso interesse principal, em textos originais, como está no cânone pali
registrado como um discurso do Buda.
Este primeiro texto nos dá já um bom início para nossa análise do
budismo como uma raiz do que foi colecionado depois sob o termo geral de
alquimia ou arte alquímica ou arte real, entre outros. Isto seja pelo uso de
termos em comum ou por sua clara relação com tema em seus aspectos mais
profundamente psicológicos representados pelos mesmos símbolos conhecidos da
alquimia, o que aos olhos de qualquer um, mesmo que não seja estudioso ou
especialista, permite classificar o texto como um postulado que notoriamente
podemos relacionar a uma vertente da alquimia espiritual e seus resultados. O que
deve impressionar a todo pesquisador é o seu aspecto prático, claro e direto,
que se corretamente entendido e praticado com certeza levará, como que por um
milagre, à “transmutação dos metais vis em nobres”, isto é, aqui, alcançar a
purificação e o elevado grau de concentração na meditação e seus resultados
aqui descritos, mais a visão correta, o despertar e a sabedoria decorrentes das
experiências proporcionadas e dessa clareza da consciência.
Anguttara
Nikkaya III.100
Parisudhovaka
Sutta
Purificação
Somente
para distribuição gratuita.
Este
trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita.
Este
trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes
de computadores
contanto
que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso.
De
outra forma todos os direitos estão reservados.
“Bhikkhus, misturado com
as pepitas de ouro há impurezas grosseiras tais como a terra e a areia,
cascalho e brita. Então, o ourives ou o seu aprendiz primeiro coloca o ouro
numa peneira e o lava, enxagua e limpa completamente. Tendo feito isso ainda
permanecem misturadas com o ouro impurezas médias tais como brita fina e areia
grossa. Então, o ourives ou o seu aprendiz novamente lava e enxagua o ouro.
Tendo feito isso ainda permanecem misturadas com o ouro impurezas minúsculas,
tais como areia fina e pó negro. Então, o ourives ou seu aprendiz repete a
lavagem e depois apenas restam as pepitas de ouro.
“Ele então coloca o ouro
num cadinho, derrete e funde o ouro. Mas ele ainda não derrama o cadinho pois
as escórias ainda não foram completamente removidas e devido a isso o ouro nem
é maleável, nem manuseável e tampouco luminoso, mas quebradiço e sem as condições
apropriadas para ser trabalhado. Mas haverá um momento no qual o ourives ou o
seu aprendiz repetindo o derretimento e fundição do ouro remove completamente
as escórias. O ouro agora estará maleável, manuseável e luminoso, e com as
condições apropriadas para ser trabalhado. Qualquer ornamento que o ourives
queira fazer, quer seja uma diadema, brincos, um colar ou uma corrente, o ouro
poderá agora ser usado para esse fim.
“De modo semelhante,
bhikkhus, ocorre com um bhikkhu dedicado ao treinamento da mente superior: há
nele impurezas grosseiras, isto é, conduta imprópria com o corpo, conduta
imprópria com a linguagem e conduta imprópria com a mente. Essa conduta é
abandonada, dissipada, eliminada e abolida por um bhikkhu que é ardente e
capaz.
“Tendo abandonado isso,
ainda há impurezas médias apegadas a ele, isto é, pensamentos de sensualidade,
pensamentos de má vontade, pensamentos de crueldade. Esses pensamentos são
abandonados, dissipados, eliminados e abolidos por um bhikkhu que é ardente e
capaz. [1]
“Tendo abandonado isso,
ainda há impurezas minúsculas apegadas a ele, isto é, pensamentos sobre a sua
família e parentes, a sua terra natal e a sua reputação. Esses pensamentos são
abandonados, dissipados, eliminados e abolidos por um bhikkhu que é ardente e
capaz.
“Tendo abandonado isso,
permanecem os pensamentos sobre o dhamma. [2] A concentração não é ainda
pacífica e sublime, a completa tranqüilidade não foi alcançada, nem a completa
unificação da mente foi alcançada; a concentração é mantida através da
supressão laboriosa das contaminações.
“Mas haverá um momento no
qual a mente dele se firma no interior, se estabiliza e se torna concentrada e
unificada. Essa concentração é calma e refinada, alcançando a completa
tranqüilidade e realizando a unificação mental; essa concentração não é mantida
através da supressão laboriosa das contaminações.
Então, ele dirige a sua
mente para qualquer estado que possa ser compreendido através do conhecimento
direto, ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do
conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.[
3]
Se ele desejar: “Que eu
exerça os vários tipos de poderes supra-humanos: tendo sido um, me torne
vários; tendo sido vários, me torne um; apareça e desapareça; cruze sem nenhum
problema uma parede, um cercado, uma montanha ou através do espaço; mergulhe e
saia da terra como se fosse água; caminhe sobre a água sem afundar como se
fosse terra; sentado de pernas cruzadas cruze o espaço como se fosse um
pássaro; com a minha mão toque e acaricie a lua e o sol tão forte e poderoso;
exerça poderes corporais até mesmo nos distantes mundos de Brahma,” ele obtém a
capacidade de compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre
que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Com o
elemento do ouvido divino, que é purificado e ultrapassa o humano, que eu ouça
ambos tipos de sons, os divinos e os humanos, aqueles distantes bem como os
próximos,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do
conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Que eu
compreenda as mentes de outros seres, de outras pessoas, abarcando-as com a
minha própria mente. Ele compreende uma mente afetada pelo desejo como afetada
pelo desejo e uma mente não afetada pelo desejo como não afetada pelo desejo;
Ele compreende uma mente afetada pela raiva como afetada pela raiva e uma mente
não afetada pela raiva como não afetada pela raiva; Ele compreende uma mente
afetada pela delusão como afetada pela delusão e uma mente não afetada pela
delusão como não afetada pela delusão; Ele compreende uma mente contraída como
contraída e uma mente distraída como distraída; Ele compreende uma mente
transcendente como transcendente e uma mente não transcendente como não
transcendente; Ele compreende uma mente superável como superável e uma mente
não superável como não superável; Ele compreende uma mente concentrada como
concentrada e uma mente não concentrada como não concentrada; Ele compreende
uma mente libertada como libertada e uma mente não libertada como não
libertada,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do
conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Que eu
me recorde das suas muitas vidas passadas, isto é, um nascimento, dois
nascimentos, três nascimentos, quatro, cinco, dez, vinte, trinta, quarenta,
cinqüenta, cem, mil, cem mil, muitos ciclos cósmicos de contração, muitos
ciclos cósmicos de expansão, muitos ciclos cósmicos de contração e expansão,
‘Lá eu tinha tal nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o
meu alimento, assim era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da
minha vida. Falecendo daquele estado, eu ressurgi ali. Ali eu também tinha tal
nome, pertencia a tal clã, tinha tal aparência. Assim era o meu alimento, assim
era a minha experiência de prazer e dor, assim foi o fim da minha vida.
Falecendo daquele estado, eu ressurgi aqui.’ Assim ele se recorda das suas
muitas vidas passadas nos seus modos e detalhes,” ele obtém a capacidade de
compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições
necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Que eu,
por meio do olho divino, que é purificado e ultrapassa o humano, veja seres
falecendo e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, afortunados e
desafortunados. Ele compreende como os seres prosseguem de acordo com as suas
ações desta forma: ‘Esses seres – dotados de má conduta com o corpo, linguagem e
mente, que insultam os nobres, com o entendimento incorreto e realizando ações
sob a influência do entendimento incorreto – com a dissolução do corpo, após a
morte, renasceram no plano de privação, um destino ruim, os planos inferiores,
no inferno. Porém estes seres - dotados de boa conduta com o corpo, linguagem e
mente, que não insultam os nobres, com o entendimento correto e realizando
ações sob a influência do entendimento correto – com a dissolução do corpo,
após a morte, renasceram num destino feliz, no paraíso.’ Dessa forma - por meio
do olho divino, que é purificado e ultrapassa o humano, ele vê seres falecendo
e renascendo, inferiores e superiores, bonitos e feios, afortunados e
desafortunados, e ele compreende como os seres prosseguem de acordo com as suas
ações,” ele obtém a capacidade de compreender esse estado através do
conhecimento direto, sempre que as condições necessárias estiverem presentes.
Se ele desejar: “Que eu,
realizando por mim mesmo através do conhecimento direto aqui e agora, entre e
permaneça na libertação da mente e libertação através da sabedoria que são
imaculadas com a destruição de todas as impurezas,” ele obtém a capacidade de
compreender esse estado através do conhecimento direto, sempre que as condições
necessárias estiverem presentes.
__________
Notas:
[1] Kamavitakka, byapadavitakka, vihimsavitakka. Os
três tipos de pensamento prejudicial que podem ser superados através dos dois
elementos do nobre caminho óctuplo: pensamento correto e esforço correto.
[2] Dhammavitakka De acordo com AA isto se refere às
dez corrupções do insight descritas no Vsm XX, 105-28. É possível no entanto
entender dhammavitakka simplesmente como a investigação dos fenômenos.
[3] Ajaan Brahmavamso no seu livro Mindfulness, Bliss,
and Beyond diz o seguinte: O estado que imediatamente antecede o primeiro jhana
é chamado de concentração de acesso, upacara samadhi. Esse estado é
experimentado como a habilidade para permanecer sem esforço durante muito tempo
com o belo e tranqüilo sinal da meditação, (nimitta). Nessa situação os cinco
obstáculos foram suprimidos. No entanto, o upacara samadhi que antecede os
jhanas é notoriamente mais instável do que aquele que ocorre depois da
experiência dos jhanas. É uma situação na qual os obstáculos podem com facilidade
voltar à tona, porque eles foram suprimidos apenas recentemente e ligeiramente.
Se o meditador tentar contemplar o Dhamma nesse momento, o upacara samadhi será
perdido e os obstáculos irão retornar. Por isso que o Buda disse neste sutta
que contemplar o Dhamma nesse momento é um obstáculo e isso não deve ser feito.
A contemplação do Dhamma deve ocorrer após emergir dos jhanas quando upacara
samadhi é mais estável e duradouro. Veja também o MN 68. As “condições
necessárias” mencionadas no sutta se referem à maestria do quarto jhana.
Veja também o AN III.101.
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