domingo, 10 de abril de 2022

Terapêutica Antiga - Psicoterapia Ortodoxa - Parte 2

 Do livro PSICOTERAPIA ORTODOXA

 Hieroteos Vlacos,

Metropolita de Naupactos

(Outra transliteração: Hierotheos Vlachos,

Metropolita de Nafpaktos)

(manual de espiritualidade ortodoxa)

Tradução: Tito Kehl



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INTRODUÇÃO


Creio ter a obrigação de fornecer algumas explicações

básicas para o estudo e o entendimento dos capítulos a

seguir.

Dei o título de “Psicoterapia Ortodoxa” a este livro

como um todo, porque ele representa o ensinamento dos

Padres na cura da alma. Sei que o termo “psicoterapia” é

bastante moderno e que é usado por muitos psiquiatras

para indicar o método por eles seguido na cura dos

neuróticos. Mas, uma vez que a maior parte dos psiquiatras

desconhece os ensinamentos da Igreja, ou não deseja

aplicá-los, e dado que a sua antropologia é bastante

diferente da antropologia e da soteriologia dos Padres, ao

usar o termo “psicoterapia” não estou a aplicar os seus

pontos de vista. Teria sido muito simples, em certos

aspetos, usar as suas perspetivas, algumas das quais

concordantes com os ensinamentos dos Padres, outras

conflitantes, e apenas fazer os comentários

correspondentes e necessários, mas não quis fazer isso.

Pensei ser melhor seguir o ensinamento da Igreja, através

dos Padres, sem misturá-los com outras coisas. Por isso,

coloquei o termo “ortodoxa” junto do termo “psicoterapia”

(cura da alma), para formar o título “Psicoterapia

Ortodoxa”. Na verdade, o título também poderia ser

“Tratamento Terapêutico Ortodoxo”.

Muitos ensinamentos dos Padres estão citados,

juntamente com as suas referências, para sustentar o texto

na medida do seu desenvolvimento. Estou ciente de que

textos que contêm muitas referências são difíceis de ler.

Entretanto, preferi esse método a tornar simplesmente

este estudo de fácil leitura[1]. Infelizmente, hoje em dia,

muitos livros costumam ser escritos num estilo

sentimental e eu não quero que este tema, tão crucial na

atualidade, seja apresentado dessa maneira.


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Consultámos muitos Padres no desenvolvimento do

nosso tema, muitos dos quais Padres népticos, mas sem

desdenhar dos assim chamados Padres “sociais”. Digo

“assim chamados”, porque não acredito que tal distinção

exista essencialmente. Na teologia ortodoxa, aqueles que

são chamados de népticos são eminentemente sociais e os

sociais são essencialmente népticos. Os Três Jerarcas[2],

por exemplo, levaram uma vida de vigilância ascética,

purificaram as suas mentes e apascentaram o povo de

Deus. Acredito firmemente que a qualidade social dos

santos é uma dimensão do ascetismo.

Existe uma porção considerável de ensinamento

néptico nos trabalhos dos Três Hierarcas. Dei preferência,

porém, aos Padres da Filocalía, por haver aí um material

mais abundante e porque esta é uma coleção de textos

místicos teológicos e, como tal, “constitui uma fulgência

altamente inspirada da consagrada experiência ascética

das divinas figuras patrísticas, nas quais brilhou a sagrada

luz vivificante do espírito[3]”. De acordo com os editores da

edição grega da Filocalía, após o fim dos conflitos

hesicastas do século XIV, surgiu a necessidade de coletar as

principais obras dos Padres, relativas à vida hesicasta e à

prece noética. Eles escreveram: “Existem fortes indicações

de que a coleção tenha sido feita por monges altamente

espirituais do Monte Athos, a partir da biblioteca da

Montanha Santa, e que tenha sido iniciada na segunda

metade do século XIV, a partir de 1350. Esse período

coincide com a cessação da famosa controvérsia hesicasta.

Concretamente, esta terminou com a triunfante justificação

Sinódica dos Padres Atonitas. Nessa época, ficou claro que

era preciso o estabelecimento duma nova visão dos Padres

do Oriente Ortodoxo em relação ao ascetismo hesicasta e à

prece noética. Estes dois pontos foram o principal alvo do

racionalismo e do ativismo social do Catolicismo Romano,

com o protagonismo do pérfido monge Barlaão, o Calabrês,


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que, em seguida, tornar-se-ia bispo da Igreja Católica

Romana[4]”.

A elaboração final dos textos da Filocalía foi feita por

São Macário, primeiro bispo de Corinto, e São Nicodemos,

o Hagiorita, sendo que, “de certo modo, a Filocalía adquire

a dimensão duma apresentação Sinodal da Teologia Mística

da Igreja Ortodoxa do Oriente”. Por essa razão, foram

utilizados os textos da Filocalía, com a finalidade de

descrever e apresentar os ensinamentos da Igreja sobre a

cura da alma, da mente, do coração e dos pensamentos. Por

outro lado, onde houve necessidade, não hesitei em

consultar os textos de outros grandes Padres, como São

Gregório, o Teólogo; São Gregório Palamas (especialmente

as suas “Tríades”); São João Crisóstomo; São Basílio Magno;

São Simeão, o Novo Teólogo etc.

É verdade que não existe um capítulo especial

dedicado aos sacramentos do Santo Batismo e da Sagrada

Comunhão. Em muitas passagens, o grande valor da vida

sacramental da Igreja é enfatizado. De qualquer modo, não

existe uma palavra específica sobre o Batismo porque sei

que estou a falar com pessoas que já foram batizadas e,

assim, é presumível não haver necessidade disso. Por outro

lado, o sacramento da Divina Eucaristia é o centro da vida

espiritual e sacramental da Igreja. A Sagrada Comunhão é o

que diferencia o ascetismo da Igreja Ortodoxa de todos os

demais “ascetismos”. Considero-a muito necessária para a

vida espiritual do homem e para a sua salvação. Mas, é

necessária, também, uma preparação para estar-se

convenientemente pronto para receber a comunhão do

Corpo e do Sangue de Cristo. Isto porque a Sagrada

Comunhão, de acordo com as preces litúrgicas, é uma luz

que ilumina aqueles que estão preparados e, para os que

não estão, é um fogo devorador. O Apóstolo Paulo disse:

“Quem comer o pão e beber do cálice do Senhor de maneira

indigna será culpado de profanar o Seu corpo e o Seu


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sangue. O homem deve examinar a si mesmo e, então,

comer do pão e beber do cálice. Pois aquele que come e

bebe sem discernir o Corpo, come e bebe o seu próprio

julgamento. É por essa razão que muitos de vós estais

fracos e doentes e que alguns morreram[5]”.

Vivemos num tempo em que muito se tem dito sobre

eclesiologia, sacramentologia e escatologia. Não temos

objeção a isso. Acreditamos que estes são elementos

essenciais da vida espiritual. Mas a Igreja, a Santa

Eucaristia e a escatologia estão estreitamente conectadas

com a vida ascética. Acredito, firmemente, que deve ser

dada prioridade ao tema da vida ascética, que é parte da

preparação para a Sagrada Comunhão. E como esse aspeto

tem vindo a ser descurado, torna-se necessária uma ênfase

a respeito. A Sagrada Comunhão ajuda na cura, desde que

sejam seguidos todos os demais tratamentos religiosos,

que são a base do ascetismo ortodoxo.

Muito tem-se falado sobre os problemas psicológicos.

Acredito que esses supostos problemas são, em grande

parte, problemas dos pensamentos, duma mente

obscurecida e dum coração impuro. Aliás, conforme é

descrito pelos Padres, o coração impuro, a mente escura e

sombria e os pensamentos impuros são a fonte dos

chamados problemas psicológicos. Quando um homem

está interiormente curado, quando descobre o lugar do seu

coração, quando purifica a parte noética da sua alma e

liberta o seu intelecto, ele supera os problemas

psicológicos e passa a viver na abençoada e imperturbável

paz de Cristo. Dizemos essas coisas com a reserva de que o

corpo, naturalmente, pode ficar doente por fadiga,

exaustão, fraqueza ou declínio.

O primeiro capítulo, intitulado “A Ortodoxia como uma

ciência terapêutica”, pode ser caracterizado como um

sumário de todo o livro. De facto, ele inclui muitos pontos


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dos demais capítulos. Confesso que o terceiro capítulo,

intitulado “Psicoterapia Ortodoxa”, é difícil nalgumas

passagens. Não pude impedi-lo, porque tive que analisar os

termos alma, mente, coração e intelecto e considerar as

suas interrelações e diferenças.

Um sétimo capítulo, com o título “A prece noética como

método de cura”, talvez pudesse ter sido escrito. Mas, como

em todos os demais capítulos existem passagens nas quais

o valor e a necessidade da prece foram enfatizados,

especialmente no capítulo sobre a hesiquia e o método da

terapia e, dado que existem livros excelentes que

descrevem os métodos e o valor da prece noética, preferi

não incluir esse capítulo, apesar da minha intenção

original. Recomendo a leitura de outros livros já em

circulação.

Gostaria de pedir que este livro fosse não apenas lido,

mas estudado. Talvez deva mesmo ser estudado uma

segunda e uma terceira vez, com o propósito específico de

ser aplicado. Possam os santos Padres, cujos ensinamentos

estão aqui apresentados, iluminar, tanto a mim quanto aos

leitores, para que possamos criar um caminho de cura e

salvação para as nossas almas.

Peço sinceramente a Deus que os erros que tenha

cometido possam ser corrigidos e que eles não

prejudiquem a alma dos leitores, pois estes capítulos foram

escritos para ajudar e não para prejudicá-los. Da mesma

forma, peço aos leitores que, ao encontrar quaisquer erros,

avisem-me, para que eu possa corrigi-los.

Para concluir, gostaria de agradecer a todos os que me

ajudaram nesta publicação. O benefício que esta obra possa

vir a causar deve ser dedicado também a essas pessoas.

“Que Deus possa conceder-lhes os desejos dos seus

corações”.


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