Do livro PSICOTERAPIA ORTODOXA
Hieroteos Vlacos,
Metropolita de Naupactos
(Outra transliteração: Hierotheos Vlachos,
Metropolita de Nafpaktos)
(manual de espiritualidade ortodoxa)
Tradução: Tito Kehl
INTRODUÇÃO
Creio ter a obrigação de fornecer algumas explicações
básicas para o estudo e o entendimento dos capítulos a
seguir.
Dei o título de “Psicoterapia Ortodoxa” a este livro
como um todo, porque ele representa o ensinamento dos
Padres na cura da alma. Sei que o termo “psicoterapia” é
bastante moderno e que é usado por muitos psiquiatras
para indicar o método por eles seguido na cura dos
neuróticos. Mas, uma vez que a maior parte dos psiquiatras
desconhece os ensinamentos da Igreja, ou não deseja
aplicá-los, e dado que a sua antropologia é bastante
diferente da antropologia e da soteriologia dos Padres, ao
usar o termo “psicoterapia” não estou a aplicar os seus
pontos de vista. Teria sido muito simples, em certos
aspetos, usar as suas perspetivas, algumas das quais
concordantes com os ensinamentos dos Padres, outras
conflitantes, e apenas fazer os comentários
correspondentes e necessários, mas não quis fazer isso.
Pensei ser melhor seguir o ensinamento da Igreja, através
dos Padres, sem misturá-los com outras coisas. Por isso,
coloquei o termo “ortodoxa” junto do termo “psicoterapia”
(cura da alma), para formar o título “Psicoterapia
Ortodoxa”. Na verdade, o título também poderia ser
“Tratamento Terapêutico Ortodoxo”.
Muitos ensinamentos dos Padres estão citados,
juntamente com as suas referências, para sustentar o texto
na medida do seu desenvolvimento. Estou ciente de que
textos que contêm muitas referências são difíceis de ler.
Entretanto, preferi esse método a tornar simplesmente
este estudo de fácil leitura[1]. Infelizmente, hoje em dia,
muitos livros costumam ser escritos num estilo
sentimental e eu não quero que este tema, tão crucial na
atualidade, seja apresentado dessa maneira.
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Consultámos muitos Padres no desenvolvimento do
nosso tema, muitos dos quais Padres népticos, mas sem
desdenhar dos assim chamados Padres “sociais”. Digo
“assim chamados”, porque não acredito que tal distinção
exista essencialmente. Na teologia ortodoxa, aqueles que
são chamados de népticos são eminentemente sociais e os
sociais são essencialmente népticos. Os Três Jerarcas[2],
por exemplo, levaram uma vida de vigilância ascética,
purificaram as suas mentes e apascentaram o povo de
Deus. Acredito firmemente que a qualidade social dos
santos é uma dimensão do ascetismo.
Existe uma porção considerável de ensinamento
néptico nos trabalhos dos Três Hierarcas. Dei preferência,
porém, aos Padres da Filocalía, por haver aí um material
mais abundante e porque esta é uma coleção de textos
místicos teológicos e, como tal, “constitui uma fulgência
altamente inspirada da consagrada experiência ascética
das divinas figuras patrísticas, nas quais brilhou a sagrada
luz vivificante do espírito[3]”. De acordo com os editores da
edição grega da Filocalía, após o fim dos conflitos
hesicastas do século XIV, surgiu a necessidade de coletar as
principais obras dos Padres, relativas à vida hesicasta e à
prece noética. Eles escreveram: “Existem fortes indicações
de que a coleção tenha sido feita por monges altamente
espirituais do Monte Athos, a partir da biblioteca da
Montanha Santa, e que tenha sido iniciada na segunda
metade do século XIV, a partir de 1350. Esse período
coincide com a cessação da famosa controvérsia hesicasta.
Concretamente, esta terminou com a triunfante justificação
Sinódica dos Padres Atonitas. Nessa época, ficou claro que
era preciso o estabelecimento duma nova visão dos Padres
do Oriente Ortodoxo em relação ao ascetismo hesicasta e à
prece noética. Estes dois pontos foram o principal alvo do
racionalismo e do ativismo social do Catolicismo Romano,
com o protagonismo do pérfido monge Barlaão, o Calabrês,
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que, em seguida, tornar-se-ia bispo da Igreja Católica
Romana[4]”.
A elaboração final dos textos da Filocalía foi feita por
São Macário, primeiro bispo de Corinto, e São Nicodemos,
o Hagiorita, sendo que, “de certo modo, a Filocalía adquire
a dimensão duma apresentação Sinodal da Teologia Mística
da Igreja Ortodoxa do Oriente”. Por essa razão, foram
utilizados os textos da Filocalía, com a finalidade de
descrever e apresentar os ensinamentos da Igreja sobre a
cura da alma, da mente, do coração e dos pensamentos. Por
outro lado, onde houve necessidade, não hesitei em
consultar os textos de outros grandes Padres, como São
Gregório, o Teólogo; São Gregório Palamas (especialmente
as suas “Tríades”); São João Crisóstomo; São Basílio Magno;
São Simeão, o Novo Teólogo etc.
É verdade que não existe um capítulo especial
dedicado aos sacramentos do Santo Batismo e da Sagrada
Comunhão. Em muitas passagens, o grande valor da vida
sacramental da Igreja é enfatizado. De qualquer modo, não
existe uma palavra específica sobre o Batismo porque sei
que estou a falar com pessoas que já foram batizadas e,
assim, é presumível não haver necessidade disso. Por outro
lado, o sacramento da Divina Eucaristia é o centro da vida
espiritual e sacramental da Igreja. A Sagrada Comunhão é o
que diferencia o ascetismo da Igreja Ortodoxa de todos os
demais “ascetismos”. Considero-a muito necessária para a
vida espiritual do homem e para a sua salvação. Mas, é
necessária, também, uma preparação para estar-se
convenientemente pronto para receber a comunhão do
Corpo e do Sangue de Cristo. Isto porque a Sagrada
Comunhão, de acordo com as preces litúrgicas, é uma luz
que ilumina aqueles que estão preparados e, para os que
não estão, é um fogo devorador. O Apóstolo Paulo disse:
“Quem comer o pão e beber do cálice do Senhor de maneira
indigna será culpado de profanar o Seu corpo e o Seu
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sangue. O homem deve examinar a si mesmo e, então,
comer do pão e beber do cálice. Pois aquele que come e
bebe sem discernir o Corpo, come e bebe o seu próprio
julgamento. É por essa razão que muitos de vós estais
fracos e doentes e que alguns morreram[5]”.
Vivemos num tempo em que muito se tem dito sobre
eclesiologia, sacramentologia e escatologia. Não temos
objeção a isso. Acreditamos que estes são elementos
essenciais da vida espiritual. Mas a Igreja, a Santa
Eucaristia e a escatologia estão estreitamente conectadas
com a vida ascética. Acredito, firmemente, que deve ser
dada prioridade ao tema da vida ascética, que é parte da
preparação para a Sagrada Comunhão. E como esse aspeto
tem vindo a ser descurado, torna-se necessária uma ênfase
a respeito. A Sagrada Comunhão ajuda na cura, desde que
sejam seguidos todos os demais tratamentos religiosos,
que são a base do ascetismo ortodoxo.
Muito tem-se falado sobre os problemas psicológicos.
Acredito que esses supostos problemas são, em grande
parte, problemas dos pensamentos, duma mente
obscurecida e dum coração impuro. Aliás, conforme é
descrito pelos Padres, o coração impuro, a mente escura e
sombria e os pensamentos impuros são a fonte dos
chamados problemas psicológicos. Quando um homem
está interiormente curado, quando descobre o lugar do seu
coração, quando purifica a parte noética da sua alma e
liberta o seu intelecto, ele supera os problemas
psicológicos e passa a viver na abençoada e imperturbável
paz de Cristo. Dizemos essas coisas com a reserva de que o
corpo, naturalmente, pode ficar doente por fadiga,
exaustão, fraqueza ou declínio.
O primeiro capítulo, intitulado “A Ortodoxia como uma
ciência terapêutica”, pode ser caracterizado como um
sumário de todo o livro. De facto, ele inclui muitos pontos
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dos demais capítulos. Confesso que o terceiro capítulo,
intitulado “Psicoterapia Ortodoxa”, é difícil nalgumas
passagens. Não pude impedi-lo, porque tive que analisar os
termos alma, mente, coração e intelecto e considerar as
suas interrelações e diferenças.
Um sétimo capítulo, com o título “A prece noética como
método de cura”, talvez pudesse ter sido escrito. Mas, como
em todos os demais capítulos existem passagens nas quais
o valor e a necessidade da prece foram enfatizados,
especialmente no capítulo sobre a hesiquia e o método da
terapia e, dado que existem livros excelentes que
descrevem os métodos e o valor da prece noética, preferi
não incluir esse capítulo, apesar da minha intenção
original. Recomendo a leitura de outros livros já em
circulação.
Gostaria de pedir que este livro fosse não apenas lido,
mas estudado. Talvez deva mesmo ser estudado uma
segunda e uma terceira vez, com o propósito específico de
ser aplicado. Possam os santos Padres, cujos ensinamentos
estão aqui apresentados, iluminar, tanto a mim quanto aos
leitores, para que possamos criar um caminho de cura e
salvação para as nossas almas.
Peço sinceramente a Deus que os erros que tenha
cometido possam ser corrigidos e que eles não
prejudiquem a alma dos leitores, pois estes capítulos foram
escritos para ajudar e não para prejudicá-los. Da mesma
forma, peço aos leitores que, ao encontrar quaisquer erros,
avisem-me, para que eu possa corrigi-los.
Para concluir, gostaria de agradecer a todos os que me
ajudaram nesta publicação. O benefício que esta obra possa
vir a causar deve ser dedicado também a essas pessoas.
“Que Deus possa conceder-lhes os desejos dos seus
corações”.
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