EXISTE UMA INCOMPATIBILIDADE ENTRE CRISTIANISMO E ANARQUISMO?

A questão tão falada da incompatibilidade ou paradoxos entre as ideias cristãs e anarquistas talvez seja demais enfatizada ainda hoje. Vejo um tanto dela como uma imaturidade, ou ignorância da complexidade da mente humana ou então deve ser por preconceito mesmo, como sempre foi.
Como imaturidade porque acredita ingenuamente que um mesmo ser humano não abriga e pratica ordinariamente várias ideias e ações incompatíveis e paradoxais. Estranho ao ser humano é não manter ideias paradoxais, pelo contrário muitas ideias nunca se chocarão na mente humana, não por não serem opostas, mas porque não há necessidade de tal confronto, ou porque há bom uso para ambas em situações diferentes. Porque mesmo sendo contrárias as ideias são guardadas como livros na pratilheira. podemos usar um de cada vez, ou pedaços de dois ou de vários para redigir um assunto; do mesmo modo são as ideias e ações. E claro que alguns teóricos vão dizer que não é assim porque ele vivem disso, eles lucram com isso.
Desconhecer isso hoje (ou fingir que isso é uma justificativa plausível e suficiente, como muito fazem) é o mesmo que ainda acalentar as ideias humanistas dos séculos dezoito e dezenove que pretendiam resolver todas as questões do mundo e do ser humano mesmo no mesmo ser humano como se a mente fosse uma tábula rasa porém com uma inexplicável bondade, racionalidade e lógica inata e perfeita que precisa resolver todos os paradoxos de uma forma lógica e racional, justamente as ideias dos que se opunham aos anarquistas, os racionalistas deterministas, os dialetas hegelianos, os marxistas e os humanistas liberais, todos defensores de ideais governamentais mais ou menos autoritários.
Quem acredita nessas tolices certamente não deveria ser convencido nem jamais buscar qualquer ideia de liberdade já que tudo seria determinado pela lógica e a razão torna-se uma obrigação humana, toda ação opressora ou usurpadora de alguma liberdade poderia ser justificada por esses ideais em nome da razão, da coletividade, da democracia ou de qualquer coisa que eles acreditassem ser o ideal racionalmente superior. Portanto tais pessoas não deveriam estar debatendo ideias anarquistas visto que elas acreditam na supremacia da razão e não da liberdade. Suas ideias não deveriam ser respeitadas pois contém uma parte de falsidade que arruína todo o resto, o determinismo naturalista, ou racionalista.
SOLUÇÃO
A aparente incompatibilidade resolve-se justamente no pacifismo. Podemos encontrar no Novo Testamento vários exemplos de que os cristãos viviam em comunidades mantendo tudo em comum e sob a lei de Deus apenas. Mas também encontramos exemplos onde há a submissão às autoridades, locais e ou constituídas, como regra.
Disso tudo o que podemos extrair é o princípio da não interferência (alguns argumentam que a causa disso é o princípio da não agressão, outros da não resistência, eu é que vejo principalmente como não interferência autoritária, pois os cristãos só podiam influenciar através da palavra, ou seja, do convencimento). Os cristãos viviam em cidades dominadas por governos, mas sua comunidade por ser cristã justamente já não infringia nem a lei de Deus nem a dos humanos, a não ser, note bem, quando essas últimas eram contrárias às primeiras ou quando o cristianismo mesmo passou a ser ilegal, nesse caso os cristãos passaram a ser infratores das leis humanas e não tinha jeito porque ou obedeciam às humanas ou às de Deus, e muitos foram mortos por isso. O que prova que a submissão ao estado era apenas uma forma de não interferir na liberdade dos não cristãos e seus sistemas, não uma regra de submissão a qualquer que fosse a autoridade ou lei.
O cristão obedece a lei de Deus apenas (e em consequência disso é que já está em obediência à dos humanos quando ela é justa), qualquer um pode ver isso quando lê as cartas de Paulo e o livro de Atos por inteiro. Algumas vezes os cristãos são referidos nos evangelhos como a comunidade dos santos, e isso é termo que diz tudo. Santo é um termo que significa separado por Deus, separado de que? Do mundo, dos não cristãos. Comunidade significa unidade entre as pessoas em pensamentos, ideias, alimentos e bens, exatamente o que o evangelho descreve. O evangelho não defende unidade entre cristãos e não cristãos, pelo contrário, pergunta que união pode haver entre o justo e o injusto, o sujo e o limpo, a mentira e a verdade. Assim podemos ver os cristãos como um povo no meio de outro povo, vivendo separado, da sua própria maneira e segundo suas próprias leis. E essa é a proposta central do anarquismo cristão, você não pode forçar alguém a se tornar cristão ou anarquista, tudo que pode fazer é convencê-lo, mostrar que isso é melhor para a pessoa.