Do livro A Escola Austríaca de Jesus Huerta de Soto. -- São Paulo :
Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
Para os economistas neoclássicos, em consonância com a essência
do seu posicionamento metodológico, a avaliação do êxito compara
tivo dos diferentes paradigmas só pode ser efetuada em termos estri
tamente empíricos e quantitativos. Assim, por exemplo, consideram
que é um critério determinante do “êxito” de um determinado ponto
de vista metodológico o número de praticantes da ciência que o se
guem. também se referem frequentemente à quantidade de proble-
mas concretos que aparentemente foram “solucionados” em termos
operativos pela abordagem em causa. No entanto, o argumento “de
mocrático” relativo ao número de cientistas que seguem um determi
nado paradigma é muito pouco convincente (yeager, 1997: 153, 165).
Não se trata apenas da constatação de que na história do pensamento
humano, incluindo as ciências naturais, em muitas ocasiões a maioria
dos cientistas terem estado equivocados, mas também do fato de que,
no âmbito da economia, somos confrontados com o problema adicio
nal de a evidência empírica não ser nunca incontroversa, pelo que as
doutrinas errôneas não são imediatamente identificadas e rejeitadas.
Quando as análises teóricas baseadas no equilíbrio recebem uma
aparente confirmação empírica, mesmo que a teoria econômica subja
cente esteja errada, podem passar por válidas durante períodos muito
prolongados de tempo e, ainda que no final se venha a tornar mani
festo o erro ou vício teórico nelas incluído, como as análises foram
efetuadas em relação com a solução operativa de problemas históricos
concretos, quando estes perdem atualidade o erro teórico cometido na
análise passa despercebido ou fica oculto para a maioria dos pessoas.
se acrescentarmos ao anteriormente exposto que até agora exis
tiu (e presumivelmente continuará a existir no futuro) uma ingênua
mas importante e efetiva procura por parte de muitos agentes sociais
(sobretudo autoridades públicas, líderes sociais e cidadãos em geral)
de previsões concretas e de análises empíricas e “operativas” relacio
nadas com as diferentes medidas de política econômica e social que
podem ser tomadas, é compreensível que tal procura (da mesma for-
ma que a procura de horóscopos e previsões astrológicas) tenda a ser
satisfeita no mercado por uma oferta de “analistas” e “engenheiros
sociais” que dão aos seus clientes aquilo que estes querem obter com
uma aparência de respeitabilidade e legitimidade científicas.
No entanto, como oportunamente indica Mises, “a aparição do
economista profissional é uma consequência do intervencionismo, e
atualmente ele não é mais do que um especialista que procura desco
brir as fórmulas que permitam ao governo intervir melhor na vida
mercantil. são peritos em matéria de legislação econômica, legislação
que na realidade apenas visa perturbar o funcionamento do merca
do livre” (Mises, 1995: 1027). Pretender que o comportamento dos
membros de uma profissão de especialistas em intervenção seja, em
última instância, o juiz definitivo sobre um paradigma que, como o
austríaco, metodologicamente retira legitimidade às medidas de in
tervenção que preconizam, é algo que mostra a falta de sentido do
argumento “democrático”. se além disso tivermos em conta que no
âmbito da economia, ao contrário do que acontece no campo da en
genharia e das ciências naturais, mais do que um avanço continuado,
se produzem por vezes importantes retrocessos e erros que demoram
muito tempo a ser identificados e corrigidos, então não é possível
aceitar como critério definitivo de êxito o número de soluções ope
rativas aparentemente bem sucedidas, uma vez que o que hoje parece
“correto” em termos operativos pode amanhã revelar-se baseado em
formulações teóricas erradas.
Em alternativa aos critérios empíricos de êxito, propomos um cri
tério qualitativo. de acordo com este critério, um paradigma terá tido
tanto mais êxito quanto maior for o número de desenvolvimentos
teóricos corretos e de importância para a evolução da humanidade a
que tenha dado origem. Nesta perspectiva é evidente que a aborda
gem austríaca supera claramente a neoclássica. os austríacos foram
capazes de elaborar uma teoria sobre a impossibilidade do socialis
mo que, se tivesse sido levada em conta a tempo, teria evitado enor
mes sofrimentos ao gênero humano. Além disso, a histórica queda
do socialismo real veio ilustrar e tornar manifesta a relevância e ve
racidade da análise austríaca. Algo de semelhante aconteceu, como
já se referiu, em relação à Grande depressão de 1929, e também
em muitos outros campos nos quais os austríacos desenvolveram a
sua análise dinâmica sobre os efeitos descoordenadores provocados
pela intervenção do estado. Assim, por exemplo, no âmbito mo
netário e creditício, no campo da teoria dos ciclos econômicos, na
reelaboração da teoria dinâmica da concorrência e do monopólio,
na análise da teoria do intervencionismo, na articulação de novos
critérios de eficiência dinâmica que substituem os critérios paretia-
nos, na análise crítica do conceito de “justiça social” e, em suma, na
melhor e superior compreensão do mercado como processo de inte
ração social movido pela força empresarial. todos estes exemplos de
importantes êxitos qualitativos da abordagem austríaca contrastam
com as graves carências e insuficiências (ou fracassos) da abordagem
neoclássica, entre as quais se destaca a sua confessa incapacidade de
reconhecer e prever em tempo útil a impossibilidade teórica e as
prejudiciais consequências do sistema econômico socialista. Assim,
o neoclássico da Escola de chicago sherwin rosen acabou por reco
nhecer que “o colapso da planificação centralizada na década passa
da foi uma surpresa para a maioria de nós” (rosen, 1997: 139-152).
outro economista surpreendido foi o próprio ronald H. coase, para
quem “nada do que tinha lido ou sabia sugeria que o colapso do sis
tema socialista iria ocorrer” (coase, 1997: 45).
Alguns economistas neoclássicos, como Mark Blaug, foram par
ticularmente corajosos e finalmente declararam a sua “apostasia”
do modelo de equilíbrio geral e do paradigma estático neoclássico
walrasiano concluindo que “de forma lenta e extremamente relutan
te fui chegando à conclusão de que os teóricos da Escola Austríaca
estavam certos e de que nós estávamos errados” (Blaug e de Marchi,
1991: 508). Mais recentemente, o próprio Blaug voltou a referir-se
ao paradigma neoclássico, relativamente à sua aplicação para justi
ficar o sistema socialista, como algo “tão ingênuo do ponto de vista
administrativo que até suscita o riso. Apenas aqueles que estavam
embriagados na teoria do equilíbrio estático e de concorrência per
feita poderiam aceitar semelhante tolice. Fui um dos que aceitaram
esta concepção quando era estudante na década de 1950 e hoje não
posso deixar de me surpreender com a minha própria falta de pers
picácia” (Blaug, 1993: 1571).
oque parece claro é que se desejamos vencer a inércia provocada
pela constante procura social de previsões corretas, de receitas de in
tervenção e de estudos empíricos, que são facilmente aceitas apesar
de incorporarem importantes vícios teóricos, será preciso continuar
a alargar e aprofundar no âmbito da nossa ciência a abordagem sub
jetivista proposta pela Escola Austríaca. Por isso, a Methodenstreitda
Escola Austríaca prosseguirá enquanto os seres humanos continua
rem a preferir as doutrinas que os satisfazem em cada circunstância
concreta às que são teoricamente corretas e enquanto preponderar
essa tradicional soberba ou fatal arrogância racionalista do ser hu
mano que o leva a supor que dispõe, em cada circunstância histórica
concreta, de uma informação muito superior à que realmente pode
chegar a ter (Hayek, 1997b).
Face a estas perigosas tendências do pensamento humano, que ten
derão a aflorar de forma recorrente, apenas dispomos da metodologia
muito mais realista, frutífera e humanista que tem vindo a ser desen
volvida pelos teóricos da Escola Austríaca que, esperamos, haverá de
ter uma importância cada vez maior no futuro da economia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário