Voltando à série sobre liturgias, trago um texto que fala sobre a liturgia cristã que é por muitos considerada a mais antiga, atribuída ao irmão do Senhor, São Tiago, a Liturgia de Jerusalém, e sua influência sobre as que vieram depois dela.
A influência da Liturgia de Jerusalém, Liturgia de São Tiago, o Irmão do Senhor:
Antiga Liturgia de Jerusalém
sobre as outras Igrejas
Enrique Bermejo Cabrera
Tradução do espanhol por:
Pe. André Sperandio
Introdução
Jerusalém é o ambiente vital onde a liturgia cristã nasce, se desenvolve e de onde irradia o esplendor de sua forma sobre todas as igrejas do Oriente e do Ocidente. Assim como o Concílio Constantinopolitano, no ano 381, reconheceu Jerusalém como a «mãe de todas as igrejas», podemos considerar a liturgia de Jerusalém como a mãe de todas as liturgias.
Na última ceia e no contexto da Pessach Hebraica, Jesus antecipa de modo ritual o mistério da paixão e morte que haveria de padecer. No Cenáculo ele instituiu a Eucaristia e, neste mesmo lugar, os apóstolos receberam o Espírito Santo, partindo dali para pregar o evangelho por todo o mundo e celebrar a obra de nossa redenção. O Cenáculo foi, portanto, a primitiva sede da Igreja de Jerusalém. São Cirilo, falando sobre a vinda do Espírito Santo, o identifica com a «Igreja superior dos apóstolos». Encontramos a mesma denominação na recensão tardia da oração eucarística de Santiago: «A habitação alta da santa e gloriosa Sião». No entanto, a liturgia que irá influenciar todas as outras é a que se celebrava em torno da Anastasis e conhecida por fontes que temos do século IV em diante.
(...)
É necessário agregar que a mesma liturgia de Jerusalém sofreu influência de outras liturgias, como por exemplo a romana, no que diz respeito à introdução da festa da Natividade do Senhor em 25 de dezembro, dia em que Jerusalém comemorava os Santos Davi e Tiago, como relata o lecionário armênio: «25 de dezembro, dia de Tiago e Davi, reunimo-nos na Santa Sião. Neste dia em outras cidades, é celebrada a Natividade de Cristo». Dito isso, vamos ver como a liturgia de Jerusalém influenciou a formação de outras liturgias e como algumas de suas formas litúrgicas tornaram-se patrimônio de outras liturgias
Características da Liturgia de Jerusalém
A liturgia de Jerusalém é acima de tudo memorial enquanto realizada em edifícios ou lugares de culto construídos sobre «lugares santos», lugares que entraram em contato com eventos da nossa salvação realizada pelo Senhor.
Ambos, os fatos e os lugares são pascoais, porque focalizam o advento da Páscoa de Cristo: Paixão e Ressurreição, Martyrium e Anastasis. A este centro litúrgico da morte-ressurreição retorna toda a liturgia Jerosimilitana: Tanto a Santa Sião como a Eleona ou o Monte das Oliveiras, com os seus respectivos memoriais, referem-se a este centro, constituindo juntos um triângulo litúrgico que se estende, ato-contínuo, até Belém e Lazarion (tumba onde Lázaro esteve sepultado).
Assim como os Evangelhos são constituídos e se desenvolvem em torno do querigma da Ressurreição, assim também o Ano Litúrgico: os espaços litúrgicos são criados em torno do lugar da ressurreição, a vida cristã alimenta-se da ressurreição. O fato, o lugar, o tempo, a celebração da ressurreição será o lugar, o momento e o argumento de encontro da Bíblia, arquitetura, arte, liturgia etc.; porque a ressurreição é sempre o ponto de partida e a meta de toda aspiração cristã.
A Liturgia de Jerusalém é uma liturgia à caminho, em peregrinação, porque durante todo o ano litúrgico percorre os lugares memoriais da nossa salvação, fazendo coincidir a celebração com tempos e lugares memoriais. Por natureza, sua liturgia adapta-se ao tempo e ao lugar da celebração: «acima de tudo é particularmente belo e digno de admiração que, tanto os hinos e antífonas como as leituras e orações recitadas pelo bispo, sempre tem um conteúdo tal que se adaptam convenientemente ao dia em que é celebrado e ao lugar onde se realizam» (Itinerarium Egeriae 47,5).
Por sua vez, a Liturgia de Jerusalém também é mimética, ou seja, através da imitação torna plástica a celebração da memória. Considere-se a proclamação do Evangelho da Ressurreição pelo bispo ou a veneração da Cruz na Sexta-feira Santa.
Se é verdade que as liturgias se formaram a partir da de Jerusalém, também é verdade que em torno de outras cidades se formaram novas expressões celebrativas, sobrepondo-se uma sobre as outras, ou prevalecendo as principais sobre os menores. No Oriente, as principais cidades do Império eram Constantinopla e Antioquia. Esta última exerceu sua influência sobre Dioceses do Egito e da Líbia. Constantinopla absorveu gradualmente as igrejas vizinhas: Heraclea de Tracia, Éfeso e Cesareia da Capadócia. Jerusalém exerceu sua influência na liturgia, independentemente do seu estatuto jurídico.
Em grande parte, a difusão da liturgia de Jerusalém em outras igrejas deveu-se à paz constantiniana, período em que os santos lugares foram honrados com magníficas construções. Os peregrinos puderam contemplar a vida litúrgica que se desenvolvia e, retornando depois à sua terra natal, queriam também eles ter a sua própria liturgia. A vida de pessoas consagradas, homens e mulheres, nos lugares santos era dedicada ao culto, sempre acompanhando as ações litúrgicas do bispo e da comunidade cristã e intensificando o louvor em outras horas litúrgicas.
Influência da liturgia de Jerusalém
Influência sobre a Liturgia Bizantina
Até a século IX a liturgia de Jerusalém exercia uma grande influência sobre a liturgia bizantina, seja pelo que diz respeito ao sistema de leituras, seja em relação aos usos litúrgicos. Mas no século IX, a tendência é invertida: a liturgia de Constantinopla prevalece sobre o sistema de leituras ierosolimitano, embora Jerusalém tenha mantido a sua primazia quanto aos ritos. Na verdade, o Tipikon de São Savas foi adotado pelo Oriente bizantino.
A liturgia de Jerusalém influenciou de modo decisivo, ou até mesmo privilegiado, liturgias que se conservaram por meio de traduções próprias, documentos antigos desta sublime liturgia. Refiro-me às liturgias armênia e georgiana, liturgias que tomaram de Jerusalém o calendário, o lecionário e traduziram também várias homilias.
Influência sobre a liturgia armênia
Arménia sofreu influência dos cristãos da Capadócia grega e da Síria (Osroene e Adiabene) do século III ao V. Do século V ao século VII, quando a tradição cristã armênia nativa estava no auge da sua formação, a influência veio de Jerusalém. Este período foi seguido por outro com influência da parte bizantina de Constantinopla e, finalmente, um período de influência latina, nos séculos XII e XIV.
O ano litúrgico formou-se no início do século V, sobre a base do Tipikon (LAr) recebido de Jerusalém. Neste período, começa a se formar o hinário armênio, que é uma criação própria desta igreja sobre a base do mencionado calendário.
Influência de Jerusalém sobre a liturgia georgiana
No ano 325, o cristianismo já existia na Geórgia, o que se sabe pela participação de um bispo georgiano no Concílio de Niceia. Pelo menos desde o século v há registros de escritos em georgiano. A liturgia desta Igreja sofreu a influência da liturgia de Jerusalém, usando os livros do século IX, quando foram substituídos por um ordo constantinopolitano. Os livros litúrgicos de Jerusalém eram o lecionário e o calendário. Para as leituras do ofício os livros homiléticos georgianos recorreram frequentemente às obras autênticas ou não de Cirilo de Jerusalém. A análise de seis livros homileticos antigos o demonstram.
Influência sobre o rito siro-ocidental
O rito siro-occidental ou siroantioqueno é a tradição dos siro-ortodoxos do Patriarcado de Antioquia e da Índia, bem como siro-católicos e malankares. Três centros litúrgicos influenciaram a formação destes três ritos: Jerusalém, Antioquia e Edessa. Destes, apenas Edessa era um centro de língua e cultura siríaca; as outras duas eram «gregas» com uma minoria de língua siríaca.
O rito siro-occidental é uma síntese do elemento siríaco das origens, especialmente para o que diz respeito aos hinos e outras partes corais, com material traduzido de textos litúrgicos gregos de procedência antioquena e ierosolimitana. Esta síntese foi realizada pela comunidade monástica não-calcedoniana da língua siríaca do interior da Síria, Palestina e algumas regiões da Mesopotâmia, situadas longe das cidades de gregas da costa Mediterrânea. Os cristãos d língua siríaca organizaram-se em igrejas independentes sob Jacobo Baradai (+ 578) e por este motivo foram chamados jacobitas.
Influência na liturgia copta
A liturgia da Jerusalém exerceu influência sobre a liturgia copta como mostra a coincidência de um documento do início do século XIV, «A lâmpada das trevas», de Abul Barakat (falecido entre 1320-1327). No estudo de sua obra E. Lanne diz, em uma de suas conclusões: «Ao longo de toda a exposição, as coincidências que temos visto com o rito de Jerusalém, do 5º ao 10º século, são por demais numerosas e muito importantes para que se possa pensar que se trate simplesmente de casuais coincidências». De acordo com este mesmo autor, a Semana Santa influenciou muito a celebração copta.
Influência no rito maronita
William F. Mancober mostrou que o rito maronita representa uma síntese independente do rito siríaco antigo calcedonense.
Aspectos da liturgia de Jerusalém que influenciaram outras liturgias
Depois das esquemáticas observações sobre a influência da liturgia de Jerusalém sobre a liturgia das diversas igrejas, passamos a considerar os campos litúrgicos através dos quais a liturgia da cidade Santa influenciou outras liturgias: o ano litúrgico, o ofício, a divina liturgia (missa), os outros sacramentos, drama e arte.
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