Continuação de H. P. Blavatsky e o Caso Coulomb por Otavio da Cunha Botelho
Os Mahātmas (Grandes Almas)
Mais precisamente, a doutrina da Sociedade Teosófica não tem sua origem com H. P. Blavatsky, tal como os seus inimigos propagavam, senão com as revelações de grandes seres denominados pelos teósofos de Mahātmas (literalmente: Grandes Almas), os quais encontraram nela um canal para a propagação da “Verdade”. De acordo com a versão teósofica, estes são seres que ultrapassaram o nível da evolução humana e, em razão do progresso espiritual e dos seus elevados poderes alcançados após sucessivas iniciações, trabalham em prol da evolução da humanidade. Dos Mahātmas em contato com a Sociedade, os mais atuantes foram mestre Morya e mestre Koot Hoomi. Às vezes, eles eram também chamados de Adeptos, de Irmãos ou de Anciões. A Sociedade era tão dependente destes Mahātmas que, uma vez, um teósofo declarou: “Se os Irmãos são um mito, a Sociedade para mim é uma fantasia”. Com o tempo, a existência destes Mahātmas se transformou no assunto mais duvidoso pelos céticos e pelos oponentes da Teosofia.
Pintura reproduzindo o mestre Koot Hoomi; suas cartas eram suspeitas de serem fraudes.
Segundo os relatos teosóficos, eles eram contatados através de aparições físicas para alguns poucos membros adiantados da Sociedade, ou através de cartas que se precipitavam ou apareciam misteriosamente para alguns membros, bem como as respostas chegavam através de um armário de madeira, conhecido como “Santuário” (algo que nos lembra o Oráculo Grego), o qual se localizava no “Quarto Secreto”, ao lado do quarto de H. P. Blavatsky, na sede de Madras, ou ainda através de viagem astral por membros treinados para tal façanha. Estas precipitações misteriosas e as respostas de cartas que aconteciam através do “Santuário” foram alguns dos eventos delatados como fraudes por Emma Coulomb e alvos das investigações da Society for Psychical Research (Sociedade para Pesquisa Psíquica) de Londres, que resultaram no Relatório Hodgson.
Outras suspeitas sobre a existência de Koot Hoomi Lal Sing estão nas discordâncias sobre a sua terra natal. A. P. Sinnett, um importante teósofo que manteve correspondência com este mestre durante alguns anos, informou que ele era nativo do Punjab, uma região no norte da Índia. Já no livro Isis sem Véu, de H. P. Blavatsky, ele é mencionado como um nativo da Caxemira, norte de Índia, e ainda em outra fonte, ele é citado como um Kutchi (Murdoch, 1894: 23). A controvérsia é flagrante. Também, a suspeita recai sobre os fatos de que o nome Koot Hoomi é absolutamente inexistente na língua Punjabi da região do Punjab, na língua Kashmiri da Caxemira e na língua tibetana. Ademais, o nome é também inexistente na língua sânscrita. Enquanto que o último nome, Sing, poderá ser o mesmo nome empregado como Singh, na língua Punjabi, um termo derivado do Sânscrito Sinha (Leão), em quase todos os nomes dos seguidores da tradição Sikh.
Outra suspeita está ainda no seguinte. Koot Hoomi, segundo A. P. Sinnett, foi educado na Inglaterra, porém o estilo do seu inglês nas cartas está repleto de americanismos. Por exemplo, ele escrevia ‘skepticism’ no estilo norte americano, ao invés de ‘scepticism’ no estilo britânico. Uma vez H. P. Blavatsky explicou para A. P. Sinnett de que não se tratava de um americanismo, mas sim do saber filológico do mestre (Murdoch, 1894: 24). Sobre o estilo do inglês das cartas de Koot Hoomi, o jornal indiano The Bombay Gazette, de 24.09.1881, expressou a sua opinião: “Ainda que o sábio (Koot Hoomi) tem infelizmente somente se revelado para os seus admiradores em uma série de cartas, cujo estilo vulgar e inflado nos faz arrepiar, com a possibilidade, se o ocultismo estiver destinado a se tornar a religião mundial. A nova revelação, até agora, não chega a ser nada mais do que uma série de artigos de fundo de um jornal americano de terceira categoria” (idem: 24).
Ainda outro caso muito suspeito foi a reprodução literal de uma palestra proferida pelo professor norte americano, Mr. Kiddle, em agosto de 1880 e publicada no mesmo mês na revista Banner of Light, em uma das cartas de Koot Hoomi para seu discípulo A. P. Sinnett, a qual foi publicada no livro The Occult World, em junho de 1881, de autoria de A. P. Sinnett. Ao ler o livro acima, o professor Kiddle expressou a sua surpresa: “Eu fiquei muito surpreso de encontrar em uma das cartas apresentadas ao senhor Sinnett como tendo sido transmitida a ele por Koot Hoomi na maneira misteriosa descrita, uma passagem retirada quase que literalmente de uma palestra sobre Espiritismo que proferi em Lake Pleasant, em agosto de 1880, e publicada no mesmo mês pela Banner of Light. (…). Como então, ela (a minha palestra) pode aparecer na misteriosa carta de Koot Hoomi? (Murdoch, 1894: 24 e Hodgson, 1885: 206). Depois que esta nota do professor Kiddle foi feita pública, Koot Hoomi forneceu a seguinte justificativa para a reprodução literal da palestra do prof. Kiddle: “Eu estava fisicamente muito cansado em função de uma cavalgada de 48 horas consecutivas e (fisicamente ainda) meio sonolento”. John Murdoch debochou desta justificativa de Koot Hoomi da seguinte maneira:
O teósofo Damodar K. Mavalankar, apontado pelo Relatório Hodgson como o verdadeiro autor das fraudulentas cartas dos Mahatmas.
” Se Koot Hoomi pode vir em seu corpo astral do Tibete para Bombaim, como é que este pobre homem pode ser obrigado a permanecer 48 horas consecutivas sobre a sela de um cavalo?” (Murdoch, 1894: 25)
Diante destas suspeitas e de tantas outras, alguns membros descontentes, bem como alguns religiosos oponentes e a imprensa da época começaram a desconfiar e, ao mesmo tempo, a divulgar a hipótese de que os verdadeiros autores das cartas dos Mahātmas eram a própria H. P. Blavatsky e seu discípulo Damodar K. Mavalankar, portanto os ‘Mestres’ eram personagens fictícios, produto de uma fraude. O Relatório Hodgson, de 1885, da Society for Psychical Research de Londres, também chegou a esta mesma conclusão, entretanto, os argumentos, as provas e o método empregado na pesquisa de Richard Hodgson, erudito da St.John’s College, Cambridge, autor do relatório, receberam muitos contra-argumentos dos teósofos, o que resultou em uma longa discussão, até o exame crítico do Relatório, por outro membro da Society for Psychical Research, Vernon Harrison, cerca de cem anos depois (Harrison, 1986). A discussão se estendeu tanto que a autora Breatrice Hastings escreveu uma extensa obra, em quatro volumes, em defesa de H. P. Blavatsky, sendo o segundo volume dedicado exclusivamente à contestação das acusações de Madame Coulomb (ver: Hastings, 1937, vol. II e Coulomb, 1885).
Outra forte suspeita é quanto à imensa sabedoria atribuída aos Mahātmas pelos teósofos, os quais assistiram Blavatsky na preparação dos seus escritos. Ela também era reconhecida como dotada de uma sabedoria invejável. Entretanto, quando seus textos são observados com atenção e com crítica é possível descobrir frequentes erros bem objetivos e primários, tal como confundir um livro com outro. Por exemplo, na edição de 1877 do livro Isis Unveiled (Isis Desvelada), volume II, H. P. Blavatsky afirma o seguinte: “No Hari-purana, no Bagaved Gitta, como também em diversos outros livros, o deus Vishnu é mostrado como tendo assumido a forma de um peixe com a cabeça humana, a fim de recuperar os Vedas, perdidos durante o Dilúvio. Tendo capacitado Viswamitra a se proteger com toda a sua tribo na arca, Vishnu, tendo compaixão da fraca e ignorante humanidade, permaneceu com eles por algum tempo” (ver: Blavatsky, 1877: vol. II, 257). Primeiro, o Bhagavad Gītā (भगवद् गीता) é o livro mais popular do Hinduísmo, portanto até mesmo um principiante indiano não trocaria a grafia de Bhagavad Gītā por Bagaved Gitta. Segundo, não existe capitulo com o título de Hari-purana no Bhagavad Gītā, terceiro, não existe relato de Dilúvio no Bhagavad Gītā, o que aconteceu foi que Blavatsky confundiu o Gītā com o Bhāgavata Purāna (भागवत पुराण), onde o relato do Dilúvio aparece no tomo VIII, capítulo 24 (Tagare, 1987: part. III, 1116-24; ver também: Murdoch, 1894: 29) e, por fim, não existe arca no Dilúvio do Bhāgavata Purāna, tal como o modelo bíblico, o que Vishnu criou, a fim de salvar algumas pessoas, foi um gigantesco torrão de terra que flutuou sobre as águas, tal como um barco, de modo que alguns tradutores traduzem por “barco de terra” (I.03.15 – ver: Tagare, 1987: part I, 26). Enfim, confundir o Bhagavad Gītā com o Bhāgavata Purāna, duas obras hindus tão conhecidas, é tão absurdo como alguém que trata da Bíblia relatando que o Dilúvio de Noé acontece nos Atos dos Apóstolos no Novo Testamento.
O Reencontro de Emma Coulomb e H. P. Blavatsky
Emma Cutting (Coulomb) relatou que, quando ela conheceu H. P. Blavatsky no Cairo, ela ainda não era casada, portanto casando-se no ano seguinte com Alexis Coulomb, daí tornando-se Emma Coulomb, também conhecida como Madame Coulomb. Logo após o casamento, o casal perdeu toda a sua fortuna, então eles deixaram o Egito e se mudaram para a Índia, chegando em Calcutá em 1874. Em seguida, o casal se mudou para o Sri Lanka, onde tentou levar em frende o negócio de um hotel, o qual não deu certo e então o casal se afundou em uma grande dificuldade financeira. Entretanto, em uma ocasião, ao ler o jornal Ceylon Times, o casal encontrou a notícia de que H. P. Blavatsky tinha chegado em Bombaim (Mumbai) e fundado a Sociedade Teosófica. Emma Coulomb não perdeu tempo e, logo em seguida, escreveu para Blavatsky pedindo que ela lhe enviasse o pagamento do empréstimo feito no Cairo. H. P. Balvatsky lhe respondeu dizendo que não tinha condição de lhe pagar no momento, porém convidou o casal para vir a Bombaim e se juntar à Sociedade Teosófica. Por estar na miséria, portanto em estado de grande necessidade, o casal deixou o Sri Lanka e chegou em Bombaim em março de 1880, ocasião em que Emma Coulomb foi recebida com muito afeto por Blavatsky. Logo após a chegada, a líder da Sociedade contratou Emma Coulomb como governanta e seu marido como um faz-tudo (bibliotecário, carpinteiro, pedreiro, jardineiro, etc.) da sede da Sociedade Teosófica de Bombaim. Quando da transferência da sede para Madras em 1882, o casal também se transferiu e permaneceu exercendo as mesmas funções até setembro de 1884, quando foram expulsos da sede por um conselho de teósofos, após uma série de desentendimentos com os membros deste conselho, formado para administrar provisoriamente a sede de Madras enquanto H. P. Blavatsky e o coronel H. S. Olcott permaneciam na Europa (Coulomb, 1885: 04-8).
Ao invés de pagar o empréstimo para Emma Coulomb, H. P. Blavatsky a convidou para residir na sede da ST e depois a contratou como governanta. A dívida nunca foi paga.
Na versão de Beatrice Hastings “Madame Coulomb era ciumenta, vaidosa e incrivelmente ambiciosa, e ela logo demonstrou o seu caráter. Em julho de 1881, ela dissimuladamente caluniou Madame Blavatsky e tentou, sem sucesso, vender segredos ao jornal Bombay Guardian” (Hasting, 1937: vol. II, 08; para conhecer a versão desta história do ponto de vista dos teósofos, ver: Hastings, 1937: vol. II, 07-9). Também, que ela era uma “estranha criatura semelhante a uma bruxa” (Ryan, 1975: 105), ou seja, os teósofos a amaldiçoaram de todas as maneiras, transformando-a na inimiga número um.
Já para os oponentes da Sociedade Teosófica, esta tentativa de vender segredos significou que, desde cedo, Madame Coulomb já sabia que os fenômenos extraordinários que aconteciam em torno de Helena Blavatsky eram truques, bem como ela já auxiliava na preparação dos mesmos.
O Caso Coulomb
Emma Coulomb serviu como governanta nas sedes da Sociedade Teosófica de Bombaim e de Madras de março de 1880 até setembro de 1884. Durante este período, ela se transformou em uma das pessoas de confiança de H. P. Blavatsky. No entanto, a relação piorou quando, logo antes de partir para a Europa em 20 de fevereiro de 1884, Blavatsky ficou sabendo que E. Coulomb estava prestes a conseguir uma doação de duas mil rúpias de um rico membro da Sociedade Teósofica, o senhor Hurrisinjee Rupsinjee, a fim de construir um pensionato em Ooty, com isso deixar o trabalho de governanta na sede da ST, daí decidiu interferir impedindo a doação (Coulomb, 1885: 74s). Ao saber da interferência de Blavatsky, E. Coulomb ficou furiosa e então decidiu abrir a boca. Com a ida de H. P. Blavatsky e do coronel Olcott para a Europa, a sede de Madras ficou sob a administração de um Conselho, daí o clima estava pronto para as hostilidades.
Consequentemente, uma série de conflitos sucederam. Emma Coulomb passou a reclamar que tinha emprestado dinheiro para Blavatsky e que esta nunca lhe pagou, bem como a denunciar que seu marido estava desmanchando um buraco na parede feito atrás do Santuário (o tal armário de madeira onde eram colocadas as cartas para a obtenção de respostas dos Mestres) e outras alterações para ocultar os mecanismos de truques elaborados por H. P. Blavatsky, pois esta última achou mais seguro desmanchar estes artifícios antes da sua partida, uma vez que, na sua ausência, alguém poderia tentar remover o Santuário e descobrir o tal buraco. Este orifício no fundo do santuário, por onde passavam as cartas fraudulentas em resposta, recebia o codinome de Luna Melanconica, nas cartas enviadas por H. P. Blavatsky para Emma Coulomb. Em uma das cartas para E. Coulomb, M. Blavatsky disse claramente: “…mas, eu não quero que, na minha ausência, a Luna Melanconica do armário seja examinada…” (Coulomb, 1885: 61-2).
Richard Hodgson (1855-1905), o autor do Relatório Hodgson em 1885.
No relato de E. Coulomb, o desfazimento do buraco não ficou pronto antes da partida de Blavatsky, então Alexis Coulomb continuou o trabalho após a partida da líder da Sociedade, oportunidade na qual o casal Coulomb teve para denunciar, aos membros do Conselho, as fraudes sobre as cartas dos Mestres. Entretanto, segundo Beatrice Hastings, como a má língua de Emma Coulomb já era muito conhecida, inicialmente ninguém acreditou (Hastings, 1937: vol. II, 08). Também é curioso observa aqui que, em razão da sua imagem de vilã entre os teósofos, Emma. Coulomb é sempre retratada como a autora de uma conspiração contra H. P. Blavatsky e contra a Sociedade Teosófica, nos capítulos sobre o Caso Coulomb, nos livros sobre a história do Movimento Teosófico por autores confessionais (ver por exemplo: Ryan, 1975: 105s). Enfim, cada partidário defende o seu partido.
Sendo assim, na versão dos teósofos, a obra do buraco na parece, por Alexis Coulomb, foi parte de um plano ardiloso para incriminar H. P. Blavatsky e a Sociedade Teósofica, isto é, parte do plano de vingança do casal Coulomb, enquanto o quarto de H. P. Blavatsky, ao lado do Quarto Secreto, onde ficava o Santuário, estava vazio durante sua permanência na Europa. Depois de muitos desentendimentos com os membros do tal Conselho, de muita resistência e de até um caso de agressão física, o casal Coulomb finalmente desocupou os seus aposentos e deixou a sede de Madras em setembro de 1884.
Quanto ao destino do Santuário, o Relatório Hodgson registrou que o mesmo foi destruído logo após o escândalo, por ter sido muito profanado (Hodgson, 1885: 224).
(...)
Os Fenômenos Fraudulentos
Tal como mencionamos acima, uma das comprovações da existência dos Mahātmas era através de aparições para alguns poucos membros avançados da Sociedade Teosófica. Entretanto, estas aparições aconteciam sempre, para a suspeita de muitos, de maneira fugaz, em locais de penumbra, ou à noite, ou à distância, quando a visibilidade era precária. E. Coulomb relatou em seu panfleto como os truques destas aparições eram feitos. Primeiro ela revelou como a máscara, construída por ela e por Madame Blavatsky, foi feita para ter a aparência de um mestre. “Em um dos seus dias de bom humor, ela (Blavatsky) me chamou e me disse: ‘veja se você consegue fazer uma cabeça do tamanho da cabeça de uma pessoa e colocá-la sobre aquele divã’, apontando para um sofá no seu quarto, e meramente colocou um lençol em torno dele, o que teria um efeito mágico com o clarão da lua. Ela cortou o molde do rosto que eu deveria fazer, o qual eu ainda tenho, sobre este eu cortei os exatos contornos do Mestre, mas, para minha vergonha, eu devo dizer que, afinal de contas, meu problema de cortar, costurar e estofar não deu muito certo. Madame disse que ela (a máscara) parecia um velho judeu. (…) Madame, com um gracioso toque aqui e ali de seu pincel de pintura, deu a ela uma aparência melhor. Mas isto era somente a cabeça, sem o busto, e não poderia ser usada muito bem, então eu fiz uma jaqueta e entre os panos eu coloquei estofados para fazer os ombros e o peito, os braços eram somente até o cotovelo, porque quando a coisa era utilizada, nós achamos que os braços compridos obstruiriam o caminho daquele que tivesse de carregá-la. Quando esta beleza ficou pronta, transformou Madame em outra pessoa” (Coulomb, 1885: 31 e Murdoch, 1894: 22).
Nas cartas enviadas por Madame Blavatsky para E. Coulomb, esta máscara recebia o codinome Christofolo. Da maneira que informou E. Coulomb, parece que, dentre os mestres, esta máscara era utilizada para simular a aparição do mestre Koot Hoomi, pois em um trecho do seu panfleto ela diz: “… Christofolo, aliás Koot-Hoomi…” (Coulomb, 1885: 61 e 53). Emma Coulomb mostrou esta máscara para um auditório durante uma demonstração no Old College Hall, em Madras, logo após a sua saída da Sociedade Teosófica (Murdoch, 1894: 22). Richard Hodgson, autor do Relatório Hodgson, também afirmou que, quando entrevistou E. Coulomb, durante a sua investigação em Madras, viu a máscara e concluiu que, em circunstâncias de penumbra ou à distância, ela convenceria qualquer um de que poderia ser uma pessoa de verdade.
H. P. Blavatsky vivia cercada de acusações de fraudes, o Caso Coulomb e o Relatório Hodgson foram os golpes mais fortes.
Emma Coulomb relatou em seu panfleto algumas das simulações de aparição, com o uso do Christofolo, nas quais ela auxiliou: “…Madame pediu para Koot Hoomi ser mostrado no bangalô do coronel (Olcott). Baboula, o empregado da Madame, pegou o Christofolo, todo embrulhado em um xale, e com o sr. Coulomb (marido de Emma Coulomb) percorreram toda e extensão ao lado da piscina até o fim do pasto, retornando em uma linha reta de volta até o terraço do bangalô do coronel, onde ele foi erguido e abaixado para dar uma aparência etérea. Eu fui até a Madame para dizer que tudo estava pronto e a encontrei na janela, na companhia do senhor e da senhora Sinnett olhando através de um binóculo de teatro…”. Algumas tentativas às vezes falhavam, veja a seguinte: “Outro dia, ela pediu que o Mahatma fosse levado para a ilha no meio do rio oposto ao bangalô principal. Foi impossível atender ao seu pedido desta vez, porque a maré estava alta e a luz da lua tão clara quanto o dia, de maneira que o empregado, que deveria carregar a trouxa, não poderia cruzar o rio, consequentemente a aparição não aconteceu, para a grande irritação da Madame, porque ela tinha convidado o senhor e a senhora Sinnett para subir e ver a aparição” (Coulomb, 1885: 53).
(...)
Considerações Finais
Os teósofos contestadores das delações de Emma Coulomb fizeram um esforço para transmitir a ideia, para o público, de que ela, apesar de ser governanta e permanecer dentro da sede da ST, na verdade não sabia, bem como não compreendia nada do que estava acontecendo, ou seja, ela somente sabia daqueles fatos que eram mais comentados ou noticiados nas revistas e jornais teosóficos, pois os discípulos mais próximos de H. P. Blavatsky não lhe passavam confidências (Hasting, 1937: 23). Isto precisou ser feito, pois, do contrário, o público entenderia que E. Coulomb, na verdade, conhecia muito mais da intimidade de H. P. Blavatsky, de maneira que sabia de muitos segredos, muitos deles da extrema confiança de Blavatsky, que mesmo os discípulos mais próximos não sabiam, tal como o fato de os fenômenos extraordinários e de as cartas dos Mestre serem todos truques. Pois se aceitassem a ideia de que ela sabia de muito mais fatos secretos do que eles, os teósofos, em geral, teriam de admitir que foram enganados, portanto todos eles se passaram por trouxas. Enfim, a arma dos defensores teósofos foi fazer de Emma Coulomb uma pessoa insignificante e alheia aos acontecimentos no interior da Sociedade Teosófica, e que a intenção dela foi executar um plano de conspiração para se vingar.
Tal como o leitor foi capaz de perceber, o Caso Coulomb não tem um veredito final, uma vez que o caso nunca foi encaminhado à Justiça para uma investigação imparcial e, consequentemente, uma decisão neutra, de modo que permaneceu como um bombardeio mútuo de acusações e de contestações, onde não é possível se certificar quem está falando a verdade ou mentindo. As provas materiais mais concretas para solucionar o caso, ou seja, as cartas com a caligrafia de H. P. Blavatsky, nunca foram entregues para uma perícia técnica e científica de sua autenticidade por especialistas, portanto não temos um laudo grafotécnico por um perito em falsificações. Segundo a informação de Vernon Harrison, estas cartas depois foram compradas do Madras College Magazine por um membro dissidente da Sociedade Teosófica, que se desentendeu com Blavatsky, então ele publicou uma matéria criticando a líder da Sociedade em um jornal londrino. Blavatsky o processou, venceu a causa, mas a sentença judicial saiu depois da sua morte em 1891. Agora, o intrigante é que este membro dissidente comprou as cartas mas não as utilizou no processo judicial em sua defesa. Segundo V. Harrison, atualmente, estas cartas estão desaparecidas (Harrison, 1997).
Sendo assim, este Caso Coulomb foi, afinal de contas, uma grande perda de oportunidade para esclarecer se os fenômenos extraordinários em torno de H. P. Blavatsky e as respostas das cartas dos Mahātmas, através do “Santuário”, eram mesmo fatos milagrosos ou, ao contrário, truques executados por Blavatsky com o auxílio de seus comparsas, se a caligrafia de Blavatsky nas cartas tivesse sido periciada por um órgão competente, ou se é uma falsificação pelo casal Coulomb, pois o que está escrito lá é claramente incriminador.
Enfim, a Sociedade Teosófica sobreviveu bem a este caso e até cresceu depois da morte de H. P. Blavatsky em 1891, entretanto um golpe bem mais forte viria a acontecer algumas décadas mais tarde, o qual atingiu com muita mais força o edifício teosófico, qual seja, o Caso Krishnamurti.
Obras consultadas
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