sexta-feira, 28 de novembro de 2025

A IGREJA ORTODOXA - Constantinopolitana

 

9. Constantinopolitana «Civitas Diu Profana»

«Cidade de Constantinopla, de há muito profana.»

Assim cantavam os cruzados franceses de Angers, voltando para casa, levando as relíquias que haviam roubado. Podemos nos surpreender que os gregos depois de 1204 também olhassem os latinos como profanos? Os cristãos ocidentais ainda não compreendem quão profunda é a repulsa e quão duradouro o horror com que os ortodoxos consideram atos como o saque de Constantinopla pelos cruzados.

«Os cruzados não trouxeram a paz, mas a espada; e esta era para ferir a Cristandade» (S.Runciman, The Eastern Schism, p.101). As desavenças doutrinais de há muito eram agora reforçadas do lado grego por um ódio nacional intenso, por um ressentimento e uma indignação contra a agressão e o sacrilégio ocidentais. Depois de 1204 não pode haver dúvidas de que o Oriente e o Ocidente cristãos estavam separados.

Ao recontar a história do cisma, historiadores recentes enfatizam com razão a importância dos fatores "não-teológicos”. Mas temas dogmáticos vitais também estavam envolvidos. Mesmo quando é feita total concessão a todas as dificuldades culturais e políticas, ainda permanecem verdadeiras as diferenças de doutrina - filioqüe e a supremacia papal - que fizeram a separação entre Roma e a Igreja Ortodoxa, assim como são as diferenças doutrinais o que ainda impede sua reconciliação. O Cisma foi para ambas as partes "um comprometimento espiritual, uma tomada de posição consciente em matéria de fé" (V.Lossky, in Mystical Theology of the Eastern Church. p. 13).

Tanto a Ortodoxia quanto Roma acreditam estarem certas e seu opositor errado sobre esses pontos de doutrina; de modo que Roma e a Ortodoxia têm desde o Cisma reivindicado o ser a verdadeira Igreja. Não obstante, cada qual, deve olhar o passado, enquanto acreditando nas suas próprias causas, com tristeza e arrependimento. Ambos os lados devem reconhecer honestamente que poderiam e deveriam ter feito mais para evitar o cisma. Ambos os lados foram culpados de erros a nível humano. Os ortodoxos, por exemplo, devem acusar-se de orgulho e desdém com o qual, durante o período bizantino, encararam o ocidente; devem acusar-se de incidentes como a revolta de 1182, quando muitos residentes latinos em Constantinopla foram massacrados pelo populacho bizantino. (Muito embora não haja qualquer ação por parte de Bizâncio comparável ao saque de 1204). E cada lado, ao proclamar-se a única verdadeira Igreja, deve admitir que ela foi empobrecida enormemente com a separação. O Oriente grego e o Ocidente latino precisavam e ainda precisam um do outro. Para ambos os lados o Grande Cisma provou ser uma grande tragédia.


quinta-feira, 27 de novembro de 2025

O QUE DEVE SER FEITO - Capítulo 6

Estratégia: deter a doença estatal

Como o estado e a doença estatista podem ser detidos?
Darei início agora às minhas considerações estratégicas.
Em primeiro lugar, três princípios norteadores ou
insights fundamentais devem ser identificados. 


Primeiro: 
que a proteção da propriedade privada e a lei, justiça e a
imposição da lei, são essenciais para qualquer sociedade
humana. Mas não existe absolutamente nenhuma razão
para que esta tarefa deva ser assumida por uma única
agência, por um monopolista. Na verdade, o que ocorre
é precisamente que tão logo se tenha um monopolista
se encarregando desta tarefa, ele irá necessariamente
destruir a justiça e nos deixar indefesos contra invasores e
agressores estrangeiros e domésticos.
Então o objetivo supremo que devemos ter sempre em
mente é o da desmonopolização da proteção e da justiça.
Proteção, segurança, defesa, lei, ordem e arbitragem de
conflitos podem e devem ser fornecidos competitivamente
– isto é, a entrada na área de julgamentos deve ser livre.

Segundo, sendo um monopólio de proteção a raiz
de todos os males, qualquer expansão territorial de um
monopólio como este é per se um mal também. Toda
centralização política deve ser rejeitada por uma questão de
princípios. Por sua vez, toda tentativa de descentralização
política – separação, secessão etc. – deve ser apoiada.

O terceiro insight básico é que um monopólio de proteção
democrático, especialmente, deve ser rejeitado como uma
perversidade moral e econômica. O poder da maioria e a
proteção da propriedade privada são incompatíveis. A ideia
da democracia deve ser ridicularizada: ela não é nada além
da dominação de uma turba posando como justiça. Ser
chamado de democrata deve ser considerado a pior de todas
as ofensas! Isto não significa que não se pode tomar parte
em políticas democráticas; mas abordarei este ponto depois.
No entanto, deve-se usar os meios democráticos apenas
com propósitos defensivos; ou seja, deve-se fazer uso de
uma plataforma antidemocrática para ser eleito por um
eleitorado antidemocrático para implementar políticas
antidemocráticas – isto é, anti-igualitárias e pró-propriedade
privada. Ou, colocando de outra forma, uma pessoa não é
decente por ter sido eleita democraticamente. Isto faz dela
no máximo um suspeito. Apesar de uma pessoa ter sido eleita
democraticamente, ela ainda pode ser uma pessoa decente e
honrável; já ouvimos falar de uma que tenha sido.
Partindo destes princípios chegamos agora ao problema
da aplicação. Apesar dos insights básicos – ou seja: proteção
monopolizada, um estado, irá inevitavelmente se tornar um
agressor e acarretará em vulnerabilidade; e centralização
politica e democracia são meios de extensificar e intensificar
a exploração e a agressão – nos darem uma noção da direção
que devemos seguir para atingir nosso objetivo, eles
obviamente ainda não são suficientes para definir nossas
ações e nos dizer como chegar lá.
Como é possível que o objetivo de desmonopolizar
a proteção e a justiça seja implementado, dada a
presente circunstância de uma democracia centralizada
– e praticamente mundial – como sendo, pelo menos
temporariamente, nosso ponto de partida. Vou tentar
desenvolver uma resposta a esta questão primeiro
elaborando sobre como e o quanto o problema, e também
sua solução, mudaram no decorrer dos últimos 150 anos – ou seja, desde aproximadamente a metade do século XIX.
Para participar de nossos grupos de estudo, prática orientada e reuniões online ou presenciais, entre em contato pelo WhatsApp 79 988335718. Os participantes dos grupos também recebem cursos e livros gratuitamente, se assim quiserem.


quarta-feira, 26 de novembro de 2025

O QUE DEVE SER FEITO - Capítulo 5

Hans-hermann Hoppe
5
Condições atuais

Neste ponto, vou apenas fazer uma reflexão. Aqui estamos nós, no fim do século XX, mais perto do que nunca do estágio final de um único estado mundial, ao menos o mais próximo do que já se chegou antes, em toda
história. Os Estados Unidos são a única superpotência e a
principal polícia mundial. Ao mesmo tempo, a democracia
se tornou praticamente universal, e a maior potência
mundial, os Estados Unidos, é a maior liderança mundial
na defesa da democracia.
Alguns neoconservadores, como Francis Fukuyama,
salientaram que este deve ser o fim da história. Uma
democracia mundial está praticamente consolidada. No
entanto, do ponto de vista austro-libertário, a questão
é vista de uma forma bem diferente. Sob a democracia
altamente centralizada, ou podemos dizer domínio de uma
máfia altamente centralizada, a segurança da propriedade
privada praticamente desapareceu por completo. O preço
da proteção é enorme, e a qualidade da justiça fornecida
tem constantemente caminhado ladeira abaixo. Ela
se deteriorou ao ponto em que a ideia de leis de justiça
imutáveis, ou a lei natural, desapareceu quase totalmente
da consciência do povo. Considera-se que a lei não é nada
além daquela feita pelo estado – lei positiva. A lei e a
justiça são aquilo que o estado diz que são. Ainda existe
propriedade privada no nome, mas na prática os donos
de propriedade privada foram quase que completamente
expropriados. Ao invés de proteger as pessoas de invasores
e invasões de suas pessoas e propriedades, o estado tem
cada vez mais desarmado seu próprio povo e o privado de
seu mais elementar direito de autodefesa.


Além disso, os donos de propriedade privada não
são mais livres para aceitar ou excluir outras pessoas de
suas propriedades como acharem melhor. Este é o direito
de incluir, se você quiser, ou expulsar se você quiser, e
é um componente fundamental da propriedade privada.
E isto confere um mecanismo de defesa; é um método
contra a invasão você poder colocar pessoas para fora de
sua propriedade. Porém, este direito de expulsar pessoas
de sua propriedade, especialmente de propriedades
comerciais, foi inteiramente retirado de você. E sem
este direito– e hoje em dia ninguém pode contratar ou
demitir, comprar ou vender, aceitar ou expulsar de sua
propriedade como quiser – junto com tudo isso, também
se foi outro método de defesa contra invasões.
O estado, que supostamente deveria nos proteger, na
verdade nos deixou completamente indefesos. Ele rouba
mais da metade dos rendimentos de seus súditos, para
distribuir de acordo com o sentimento público, e não
de acordo com princípios de justiça. Ele sujeita nossa
propriedade a milhares de regulamentações arbitrárias
e invasivas. Não podemos mais contratar e demitir
livremente qualquer pessoa que quisermos, por qualquer
razão que julgarmos boa ou necessária. Não podemos
comprar ou vender o que quisermos, de quem ou para
quem quisermos, e aonde quisermos. Não podemos
determinar livremente os preços que queremos cobrar,
não podemos nos associar e desassociar, interromper
relações com qualquer pessoa que quisermos, ou que
não quisermos.

Ao invés de nos proteger, portanto, o estado nos
entregou e entregou nossas propriedades à turba e aos seus
instintos. Ao invés de nos preservar, ele nos empobrece,
ele destrói nossas famílias, organizações locais, fundações privadas, clubes e associações, ao atraí-los cada vez mais básicos instintos – tipicamente igualitários – à medida que cada voto é obviamente tão bom quanto qualquer outro.
E devido ao fato de que políticos publicamente eleitos
jamais são responsabilizados pessoalmente por serviços
públicos oficiais, eles são muito mais perigosos, do ponto
de vista daqueles que querem que suas propriedades
sejam protegidas e querem segurança, do que qualquer
rei possa ter sido.

 E.T.C.A.

Escola Terapêutica das Ciências Antigas 

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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A IGREJA ORTODOXA - Da desavença ao cisma: 858-1204

8. Da desavença ao cisma: 858-1204

Em 858, quinze anos depois do triunfo dos ícones com Theodora, o novo Patriarca de Constantinopla foi designado: Photius, conhecido na Igreja Ortodoxa como São Photius, o Grande, "o mais distinguido pensador, o mais conspícuo político, e o mais hábil diplomata que ocupou o cargo de Patriarca de Constantinopla" (G. Ostrogorsky, in History of the Byzantine State. p. 199).

Logo depois de sua entronização envolveu-se numa disputa com o Papa Nicolau I (858-67). O Patriarca anterior, Santo Ignácio, fora exilado pelo Imperador e teve que renunciar sob pressão. Os partidários de Ignácio, recusando a validade desta renúncia, consideraram Photius um usurpador.

Quando Photius enviou uma carta ao Papa anunciando sua ascensão ao trono, Nicolau decidiu que antes de reconhecê-lo ele investigaria melhor a querela entre o novo Patriarca e os seguidores de Ignácio. Em 861, ele enviou, para tanto, uma nunciatura a Constantinopla.


Photius não desejava de modo algum iniciar uma disputa com o Papado. Tratou os núncios com grave deferência, convidando-os a presidir num Concílio em Constantinopla, o qual deveria dirimir as dúvidas entre ele e Ignácio. Os núncios concordaram, e juntamente com os demais reunidos naquele Concílio, declararam que Photius era o legítimo Patriarca. Porém, quando retornaram a Roma, Nicolau declarou que eles tinham excedido seus poderes, e revogou a decisão deles. Então, ele próprio prosseguiu com o caso a partir de Roma: um Concílio reunido sob sua presidência em 863 reconheceu Ignácio o Patriarca, e condenou Photius à deposição de toda a dignidade clerical. Os bizantinos não tomaram conhecimento desta condenação, e não deram qualquer resposta às cartas papais. Assim, uma ruptura existia abertamente entre as Igrejas de Roma e Constantinopla.

A disputa envolvia claramente a primazia papal. Nicolau foi um grande reformador, com uma idéia exaltada sobre as prerrogativas de sua cátedra, e já havia feito muito para estabelecer um poder absoluto sobre todos os Bispos do Ocidente. Acreditava que esse poder se estenderia também sobre o Oriente, conforme escreveu em 865: o Papa é revestido de autoridade "sobre toda a Terra, isto é, sobre toda a Igreja”. Isto era justamente o que os bizantinos não estavam preparados para conceder. Confrontado com a disputa entre Ignácio e Photius, Nicolau pensou ver aí uma oportunidade de ouro para reforçar sua pretensão à jurisdição universal: ele faria ambas as facções submeterem-se ao seu arbítrio. Mas, percebeu que Photius submetera-se voluntariamente ao Inquérito feito pelos núncios, não servindo seu ato como um reconhecimento da primazia papal. Os bizantinos, por sua vez, admitiam apelos a Roma, mas apenas sob as condições especificadas no Cânone III do Concílio de Sardica (343). Este Cânone afirma que um Bispo, diante de uma sentença de condenação, pode apelar para Roma, e o Papa, se lhe achar ganho de causa, pode ordenar uma revisão do processo; esta, entretanto, não deve ser conduzida pelo próprio Papa de Roma, mas pelos Bispos das províncias adjacentes àquela do Bispo condenado. Nicolau, assim pensavam os bizantinos, ao depor seus delegados e ordenar um julgamento em Roma, estava indo muito além do prescrito nesse Cânone. Consideraram seu comportamento indefensável e uma interferência anti-canônica nas questões de outro Patriarcado.


Logo, não só a primazia papal, mas também o filioqüe, passou a ser envolvido na disputa. Bizâncio e o Ocidente (principalmente os germânicos) estavam promovendo grandes ofensivas missionárias entre os eslavos. As duas linhas de avanço missionário, a do Ocidente e a do Oriente, logo convergiram; e quando missionários gregos e germânicos encontraram-se trabalhando na mesma região, foi difícil evitar um conflito, já que as duas missões pregavam princípios largamente díspares. O choque naturalmente trouxe à tona a questão do filioqüe, empregado pelos germânicos no Credo, mas não pelos gregos. O foco principal dos problemas foi a Bulgária, um país que tanto Roma quanto Constantinopla estavam ansiosos por anexar às suas esferas de jurisdição. Inicialmente o Khan Boris inclinou-se ao batismo dos missionários germânicos: ameaçado, entretanto, por uma invasão bizantina, mudou sua política e por volta de 865 aceitou o Batismo do clero grego. Mas Boris queria que a igreja da Bulgária se tornasse independente, e quando Constantinopla recusou-se a conceder- lhe autonomia, ele voltou-se para o Ocidente em busca de melhores termos. Com passe-livre na Bulgária, os missionários latinos prontamente detonaram um vasto ataque aos gregos, destacando os pontos em que a prática bizantina diferia da deles: o casamento do clero, as regras dos jejuns e, sobretudo, o filioqüe. Em Roma, propriamente, este ainda não estava em uso, mas Nicolau deu apoio total aos germânicos quando insistiram na sua inserção no Credo na Bulgária. O papado, que em 808 mediara entre os germânicos e os gregos, já não era neutro.

Photius ficou naturalmente abalado com a extensão da influência germânica nos Bálcãs, Justo às portas do Império Bizantino; mas ficou muito mais alarmado com a questão do filioqüe, que se lhe apresentava forçosamente. Em 867, pôs-se em campo. Escreveu uma Encíclica aos outros Patriarcas do Oriente denunciando o filioqüe por completo e inculpando aqueles que o usavam de heresia. Photius tem sido freqüentemente culpado por ter escrito esta carta, como, por exemplo, pelo historiador católico romano Francis Dvornik, que considerou o ato um "ataque fútil (...) com conseqüências fatais”.

Mas, devemos lembrar que Photius não foi o primeiro a fazer do filioqüe um ponto de controvérsia: setenta anos antes, Carlos Magno e seus doutores deram início à controvérsia; o Ocidente atacou primeiro, não o Oriente. Photius terminou sua carta com a convocação de um Concílio em Constantinopla, o qual declarou o Papa Nicolau excomungado, nomeando-o "um herético que dizima as vinhas do Senhor”.

Neste ponto crítico da disputa, toda a situação mudou subitamente. Naquele mesmo ano de 867, Photius foi deposto do Patriarcado pelo Imperador.

Ignácio tornou-se Patriarca mais uma vez e a comunhão com Roma foi restaurada. Em 869-70, outro Concílio teve lugar em Constantinopla, conhecido como Concílio Anti-Photico, que condenou e anatematizou Photius, revertendo a decisão de 867. Este Concílio, reconhecido no Ocidente como o VIII Concílio Ecumênico, abriu com o inexpressivo número de doze Bispos, mas nas sessões subseqüentes este número tinha subido para 103.

Mas ainda haveriam de acontecer mudanças. O Concílio de 869-70 requisitou ao Imperador uma solução para a Igreja da Bulgária, e não foi surpresa ele tê-la inscrito no Patriarcado de Constantinopla. Compreendendo que Roma lhe permitiria menos independência que Bizâncio, Boris acatou essa decisão. A partir de 870 os germânicos foram expulsos e não mais se ouviu o filioqüe no Credo da Bulgária. Mas, isso não era tudo. Em Constantinopla, Ignácio e Photius se reconciliaram, e quando Ignácio morreu em 877, Photius sucedeu-o novamente como Patriarca. Era 879 ainda um outro Concílio reuniu-se em Constantinopla, com a participação de 383 Bispos - um contraste notável com o magro total do Concílio Anti-Photico de dez anos antes. O Concílio de 869 foi anatematizado e todas as condenações a Photius foram retiradas; essas decisões foram aceitas sem protestos em Roma. De modo que Photius saiu-se vitorioso, reconhecido por Roma e senhor eclesial da Bulgária. O Papa de então, João VIII (871-882), compreendera o quão seriamente a política de Nicolau havia comprometido a unidade da Cristandade.

Photius, sempre honrado no Oriente como um santo, um líder da Igreja, e um teólogo, no passado foi olhado pelo Ocidente com menos entusiasmo, como autor de um cisma e nada mais. Suas boas qualidades agora são mais amplamente apreciadas. "Se estou certo em minhas conclusões”, assim conclui o Dr. Dvornik em seu monumental estudo, "nós poderemos reconhecer em Photius um grande homem de Igreja, um humanista erudito, e um cristão genuíno, generoso o bastante para perdoar seus inimigos, e para dar os primeiros passos em direção à reconciliação." (O Cisma Phótico. p. 432). Na recente reapreciação histórica do cisma, nunca a mudança do veredicto dos escritores sofreu tal mudança como no caso de São Photius.

No começo do sec. XI houve novos problemas em torno do filioqüe. O papado afinal adotava a sua inclusão: na coroação do Imperador Henrique II em Roma, em 1014, o Credo foi cantado nessa forma interpolada. Cinco anos mais cedo, em 1009, o recém-eleito Papa Sérgio IV enviara uma carta a Constantinopla a qual continha o filioqüe, embora disto não se tenha certeza.

Qualquer que seja a razão, o Patriarca de Constantinopla, também chamado Sérgio, não incluiu o nome do novo Papa nos Dípticos: listas, mantidas por cada Patriarca, nas quais inclui os nomes dos outros Patriarcas, vivos e defuntos, os quais reconhece como ortodoxos. Os Dípticos são um nítido sinal da unidade da Igreja, e omitir-se deles deliberadamente o nome de um homem é equivalente a declarar que este não está em comunhão consigo.

Depois de 1009 o nome do Papa não mais figurou nos Dípticos de Constantinopla; tecnicamente, por isso, as igrejas de Roma e Constantinopla não estavam em comunhão desde essa data. Mas seria imprudente levar esta tecnicidade muito longe. Os dípticos freqüentemente são incompletos, de tal sorte que não podem se constituir num guia infalível das relações eclesiais.

Enquanto o século onze prosseguia, novos fatores levaram as relações entre o Papado e os Patriarcas Orientais a uma crise maior.O século precedente fora um período de grave instabilidade e confusão para a Sé de Roma, um século que o Cardeal Baronius, com justiça, chamou de idade de ferro e conduziu à história do papado. Mas Roma agora reformava-se, e sob o governo de homens como Hildebrando (Papa Gregório VII) ganhou uma posição de poder no Ocidente como jamais atingira. O Papado restaurado naturalmente reavivou a pretensão à primazia universal de Nicolau. Os bizantinos, por seu lado, haviam se acostumado a tratar com um papado que fora durante a maior parte do tempo fraco e desorganizado, e assim acharam difícil adaptarem-se à nova situação. Os problemas ficaram piores devido a fatores políticos, tais como a agressão militar dos Normandos na Bizâncio Italiana, e as agressões comerciais das cidades marinhas italianas no Mediterrâneo Oriental durante os séculos XI e XII.

Em 1054 houve uma disputa séria. Os Normandos vinham forçando os gregos da Itália bizantina a se porem de acordo com os costumes latinos; o Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerularius, em contrapartida, pedia que as igrejas latinas de Constantinopla adotassem as práticas gregas, e em 1052, quando essas recusaram, ele as fechou. Dentre as práticas latinas contra a que Miguel mais se opunha era a do uso dos ázimos, ou pão não-fermentado, na Eucaristia, um tema que não havia aparecido na disputa no sec. IX. Em 1053, porém, Cerularius assumiu uma postura algo mais reconciliatória e escreveu ao Papa Leão X oferecendo-se para restituir o nome dele aos Dípticos. Em resposta, e para solver as questões entre práticas gregas e latinas, Leão enviou, em 1054, três núncios a Constantinopla, sendo o chefe deles Humberto, Bispo de Silva Cândida. A escolha do Cardeal Humberto foi infeliz, pois tanto quanto Cerularius ele era homem de temperamento rijo e intransigente; o encontro dos dois não promoveria boa vontade entre os cristãos. Os núncios, quando compareceram diante de Cerularius, não deram uma impressão favorável a Cerularius. Lançando-lhe uma carta do Papa, retiraram-se sem as costumeiras saudações; a carta mesma, embora assinada por Leão, tinha sido, de fato, rascunhada, por Humberto, e era francamente hostil. Depois disso, o Patriarca recusou-se a ter outros encontros com os núncios. Por fim, Humberto perdeu a paciência e lançou uma Bula de Excomunhão contra Cerularius no altar da Igreja de Santa : dentre outras acusações mal fundadas desse documento, Humberto acusava os gregos de omitirem o filioqüe do Credo! Humberto deixou Constantinopla prontamente sem maiores explicações, e de volta à Itália, pintou os acontecimentos como uma grande vitória para Roma.

Cerularius e seu sínodo retaliaram anatematizando Humberto. A tentativa de reconciliação deixou as coisas piores do que antes.

Mas mesmo depois de 1054 relações amistosas entre oriente e ocidente continuaram. As duas partes da Cristandade não estavam conscientes do profundo golfo que as separava, e homens de ambos os lados nutriam esperanças de que os desentendimentos se esclareceriam sem muitas dificuldades. A disputa permaneceu algo de que os Cristãos comuns, no oriente e no ocidente, não tinham consciência. Foram as Cruzadas que tornaram o cisma definitivo: elas introduziram um novo espírito de ódio e acrimônia, envolvendo até o povo na discórdia.

Do ponto de vista militar, no entanto, as Cruzadas começaram com grande impacto. Antioquia foi capturada dos turcos em 1098, Jerusalém em 1099: a primeira Cruzada foi um sucesso brilhante ainda que sanguinário.Tanto em Antioquia como em Jerusalém, os Cruzados começaram por empossar Patriarcas latinos. Em Jerusalém, isto era razoável, já que a cátedra estava vaga na época; e embora, nos anos que se seguiram, tenha existido uma sucessão de Patriarcas gregos em Jerusalém, vivendo exilados em Chipre, na Palestina mesma toda a população, grega e latina, de início aceitou o Patriarca Latino como cabeça. Um peregrino russo em Jerusalém em 1106-7 Abade Daniel Tchernigov, encontrou gregos e latinos rezando juntos em harmonia nos Lugares Sagrados, apesar dele ter notado com satisfação que na cerimônia do Santo Fogo as lâmpadas gregas foram acesas miraculosamente enquanto que as latinas tiveram que ser acendidas nas gregas. Mas em Antioquia os Cruzados encontraram um Patriarca grego de fato residente: logo depois, é verdade, ele retirou-se para Constantinopla, mas a população grega local não estava propensa a aceitar o Patriarca latino que os Cruzados colocaram no seu lugar. Assim, desde 1100, houve em Antioquia um cisma local. Depois de 1187, quando Saladim capturou Jerusalém, a situação na Terra Santa deteriorou: dois rivais, da própria Palestina, agora dividiam a população cristã, um Patriarca latino em Agra, e outro grego em Jerusalém. Roma estava muito longe, e se Roma e Constantinopla contendiam, que diferença isso podia fazer na prática de um cristão comum da Síria ou da Palestina? Mas, quando dois Bispos rivais reclamavam o mesmo trono e duas congregações hostis existiam na mesma cidade, o cisma tornava-se uma realidade imediata na qual fiéis comuns eram diretamente envolvidos.

Mas o pior estava por vir em 1204, com a tomada de Constantinopla na Quarta Cruzada. Os cruzados estavam originalmente com destino ao Egito, mas foram persuadidos por Alexius, filho de Isaac Angelus, o Imperador deposto de Bizâncio, a voltarem-se contra Constantinopla, a fim de restaurá-lo, e a seu pai, no trono. Esta intervenção ocidental na política bizantina não foi muito feliz, porque os cruzados, perderam a paciência e saquearam a cidade. "Mesmo os sarracenos são misericordiosos e gentis”, protestou Nicetas Choniates, "comparados a esses homens que levam a cruz de Cristo em seus ombros." O que chocou os gregos mais do que qualquer outra coisa, foi a devassidão e o sacrilégio sistemático dos cruzados. Como podiam aqueles homens dedicados aos serviços de Deus, tratar as coisas de Deus daquela maneira? Ao verem os cruzados quebrarem em pedaços o altar e a iconostase da Igreja de Santa e colocar prostitutas no trono do Patriarca, os bizantinos devem ter sentido que aqueles que faziam essas coisas não eram cristãos, não no mesmo sentido que eles.



sábado, 15 de novembro de 2025

Gradualismo Libertário X Abolicionismo Libertário

gradualismo libertário é uma abordagem estratégica que defende a redução progressiva do tamanho, escopo e poder do estado por meio de reformas incrementais, em vez de uma revolução abrupta ou abolição imediata. É uma posição que contrasta com a visão de libertários mais radicais (como muitos anarcocapitalistas), que exigem a abolição imediata do estado com base em princípios morais e éticos absolutos (abolicionismo ou immediatism). 

Para os defensores do gradualismo, a mudança social e política em direção a uma sociedade mais livre deve ser um processo evolutivo e pragmático.
Estratégias do Gradualismo Libertário
As principais estratégias associadas ao gradualismo libertário incluem:
  • Participação Política e Eleitoral: Envolve a participação ativa no sistema democrático, elegendo representantes (minarquistas ou liberais clássicos) para reduzir impostos, cortar gastos públicos e diminuir a burocracia governamental. O objetivo central é aprovar leis que desregulamentem a economia e privatizem serviços estatais.
  • Reformas de Políticas Públicas: Concentra-se em reformas específicas e viáveis que diminuam o alcance do governo em áreas-chave, como a descriminalização de certas atividades, a reforma do sistema de saúde (introduzindo mais mercado) ou a eliminação de regulamentações profissionais desnecessárias. A ideia é construir vitórias pequenas e concretas.
  • Promoção Cultural e Educacional: Para uma mudança duradoura, é necessário primeiro mudar a cultura e as idéias dominantes. Isso envolve o trabalho de think tanks, institutos e grupos de defesa para disseminar a filosofia libertária, educar o público sobre os benefícios da liberdade e minar a legitimidade intelectual do estado.
  • Criação de Jurisdições Especiais (Zonas de Liberdade): Uma estratégia mais recente envolve a criação ou promoção de zonas econômicas especiais, cidades livres ou "seasteading" (comunidades no mar) com leis mais flexíveis e menos intervenção estatal, servindo como modelos de sucesso de governança limitada.
Críticas e Debates
Dentro do movimento libertário, o gradualismo é um ponto de intenso debate:
  • Ineficácia e Captura: Críticos argumentam que o gradualismo é ineficaz porque o estado tem uma tendência inata para crescer, e quaisquer concessões obtidas podem ser revertidas por administrações futuras. Além disso, a participação no sistema pode levar à "captura" dos reformadores pelo próprio poder que tentam limitar.
  • Princípios Morais vs. Pragmatismo: Muitos libertários radicais veem a tributação e a coerção estatal como moralmente erradas (roubo e agressão). Para eles, não faz sentido ético defender um "pouco menos" de roubo; a abolição total é o único objetivo moralmente consistente. 
Em resumo, o gradualismo é uma estratégia pragmática que busca atingir o ideal libertário por meio de passos realistas e politicamente viáveis, focando nas consequências práticas das políticas, enquanto o abolicionismo foca na pureza dos princípios morais.
 O Abolicionismo Libertário
No contexto libertário, o 
abolicionismo (uma das propostas que opõe ao gradualismo) refere-se à defesa da abolição imediata e completa do estado e de todas as suas instituições coercitivas, como impostos, leis e o sistema penal. Diferente do gradualismo, que busca reformas progressivas, o abolicionismo baseia-se em princípios éticos e morais absolutos e rejeita qualquer compromisso com o sistema estatal. 
Argumentos Centrais do Abolicionismo Libertário
  • Princípio de Não-Agressão (PNA): O argumento central é que o estado é, por definição, uma instituição baseada na coerção e na agressão (através da tributação, regulação e monopólio da força). Como a ética libertária proíbe a iniciação da força contra indivíduos e suas propriedades, a existência do estado é, intrinsecamente, imoral. A única resposta ética é a sua abolição imediata.
  • Consistência Moral: Para os abolicionistas, a ideia de um "Estado mínimo" ou de "impostos menores" é uma contradição moral, comparável a defender um "pouco menos de escravidão". A justiça exige a restituição total e imediata da liberdade e da propriedade.
  • Incerteza e Ineficácia do Gradualismo: Os abolicionistas argumentam que a história mostra que o estado sempre tende a crescer e a expandir seu poder, não a diminuir. As reformas graduais são vistas como ineficazes a longo prazo e podem até legitimar o sistema, ao fazer parecer que o Estado pode ser reformado para ser "justo" ou "eficiente".
  • Viabilidade da Sociedade Sem Estado: A teoria abolicionista sustenta que todos os serviços atualmente prestados pelo Estado (segurança, justiça, infraestrutura) podem ser fornecidos de forma mais eficiente e ética pelo mercado e por associações voluntárias (sociedade anarcocapitalista). 
Estratégias Abolicionistas
As estratégias para alcançar a abolição imediata focam principalmente na mudança cultural e intelectual, em vez da participação política convencional:
  • Educação e Disseminação de Ideias: O foco principal é a persuasão intelectual, buscando mudar a opinião pública e demonstrar a imoralidade do Estado e a viabilidade da anarquia de mercado. Acredita-se que, uma vez que um número crítico de pessoas entenda e rejeite a legitimidade do estado, ele entrará em colapso.
  • Desenvolvimento de Alternativas Privadas: Incentiva-se a criação de instituições privadas paralelas para substituir os serviços estatais (como agências de segurança privada, arbitragem de disputas, etc.), demonstrando na prática que o estado é desnecessário.
Em essência, o abolicionismo libertário é uma postura de princípios firmes que rejeita o compromisso político e busca a liberdade total e imediata, confiando no poder das ideias e da ação voluntária para substituir a coerção estatal. 

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