quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
quarta-feira, 4 de janeiro de 2017
O FAÇA VOCÊ MESMO E A DIVERSIDADE DE IDEIAS
Quando eu era adolescente
naturalmente adotei a disciplina do “faça você mesmo”, reaproveitar e
transformar o quebrado e o usado, construir seus próprios utensílios, usar as
roupas até acabarem e virar pano de chão, ouvir e fazer músicas bem elaboradas
e com letras significativas. Metade dos meus amigos agia de forma parecida,
outros exaltavam o poder de comprar, as marcas famosas, o orgulho de se “vestir
bem” e saber as músicas da moda.
Evidentemente nós da outra metade
achávamos tudo aquilo ridículo, riamos disso e isso, é claro, gerava muitas
discussões, mas nada que separasse as amizades nem dividisse os amigos em dois
grupos distintos e rivais. Eles também nos ridicularizavam e faziam pantomima
nos escarnecendo. Mas naturalmente cada um considerava a liberdade do outro ser
o que quer (e a liberdade de falar mal das escolhas do outro também) e pregava
a obrigação de suportar a consequência dos seus atos.
Veja bem, tudo isso acontecia
naturalmente, sem nenhuma doutrina social, política ou religiosa por trás, nem
doutrinação por parte dos pais, mas simplesmente a liberdade de ser. Isso
acontecia naturalmente. As turmas eram divididas por localidade. Tinha a turma
de cima e a de baixo. Para mim ainda a turma de cima era a do meio porque também
me relacionava com a turma mais de cima da ladeira. Todas as turmas se inter-relacionavam
principalmente através dos jogos e brincadeiras. Futebol, vôlei, bola de gude,
pipa, pinhão (eu não sabia rodar pinhão), figurinha, gibi, se esconder,
cola-ajuda, cross, skate, etc.
Isso me levou depois a gostar do
anarquismo. Anarquismo não é bagunça, é liberdade de ser e fazer o quiser, é
autogestão, ausência do estado controlador, cooperação entre as pessoas de
acordo com os interesses e necessidades, é o “faça você mesmo”, enfim, eu já
vivia quase tudo isso naturalmente então foi fácil apoiar as ideologias
anarquistas e acreditar que elas não são apenas o ideal, mas também possíveis.
E a anarquia tinha como bandeira
e sinônimo principal a liberdade. Nós anarquistas, fosse de que tipo fosse,
intelectuais, politizados, punks, anarcopunks, surfistas-de-cristo, rastafáris,
ou o que fosse que pensasse parecido (sim, porque pouco se sabia sobre as
ideias e origens delas, então se chamavam uns aos outros mais ou menos assim
não de acordo com a linha de pensamento) éramos todos libertários.
Ainda hoje, acredito que se os
seres humanos fossem deixados livres, de ideias coletivistas e sociais, as
chamadas ideias políticas (que na verdade são ideologias e não “políticas”, pois
animais sociais e portanto políticos todos já nascemos), não seríamos
corrompidos pelas ideologias e naturalmente chegaríamos a algum tipo de
organização social anárquica ou pelo menos muito liberal. Mas admito que talvez
não. E mais, tendo passado ao longo da vida por algumas ideologias diferentes,
estudando teóricos diferentes e vivenciando, trocando ideias a respeito do meio
que vivemos, admito e sei que diante do mundo como vivemos hoje o anarquismo
não é possível.
Isso, se você é um anarquista
convicto pode parecer uma leitura decepcionante agora. Se você, por outro lado,
defende alguma ideologia ou sistema diferente, parecerá um alívio agora, não?
Espero que todos continuem lendo para saber por que eu digo isso.
Penso que a melhor maneira para
as sociedades humanas conviverem harmoniosamente é a plena liberdade de cada um
respeitando inteiramente a plena liberdade de cada um, a plena liberdade de um
respeitando a plena liberdade do outro, a minha e a sua plena liberdade
possível. Ressalto ser isto de acordo com o que penso, não por uma arrogância
de acreditar que meu pensamento seja mais inteligente ou mais correto ou
superior, mas para alertar o leitor que por mais parecidas ou mesmo iguais em alguns
aspectos a outras ideias (as ideias libertárias ou liberais, por exemplo), não
estou defendendo necessariamente nenhum conjunto de ideias estabelecidas nem alguma
corrente de pensamento ou ideologia. Não, pelo contrário, acredito que aceitar
ou ter uma ideologia inflexível é um grande aprisionamento. Claramente falando
não acredito, ou talvez mesmo abomine a uniformidade de ideias; aborreço o
coletivismo em tudo, principalmente o ideológico. Acredito na pluralidade de
ideias e na necessidade da contradição, da divergência, da oposição. Isso me
parece lógico e sensatamente a melhor opção. Mas isto não é tão óbvio para
alguns.
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