quarta-feira, 29 de maio de 2024

A ORDEM DOS TERAPEUTAS - parte 7

( Final desta série)

Para terminar, uma última roda, uma última cruz… Hoje é a festa da exaltação da Santa Cruz, que não é apenas a cruz de Cristo, mas é a cruz cósmica – as quatro direções, quatro dimensões do ser humano, que se trata de reencontrar em nós.

 
Quinta Quaternal

 

Não há paz em nós se um desses elementos for esquecido; nenhum pode ser esquecido. Se formos inteligentes sem amor, não há paz. Se amarmos sem inteligência, não há paz. Se a inteligência e o amor não nos tornarem mais livres, para que serve isso? E se a inteligência, o amor, a liberdade não encarnarem em nossa vida, não nos tornarem mais vivos até o momento da morte, para que serve tudo isso?

É por isso que a grande palavra do vivente em nós, essa palavra do ser que podemos resumir com quatro palavras, ou talvez em uma: SER – a palavra criadora que está no começo de tudo. É o que eu chamo de Tetrálogo. O Decálogo é longo demais; sempre esquecemos alguma coisa; mas o tetrálogo não pode ser esquecido: seja vivente, seja consciente, seja livre e seja amoroso!

Seja um com tudo o que é! Esse é o nosso programa: escutar a palavra do Ser em nós, que nos diz: SEJA!

Seja vivente, cada vez mais vivente! Eu sou, eu serei. É importante a tradução do nome divino; não é simplesmente “eu sou”, mas é também um vir a ser. É necessária toda uma vida para se aprender a viver, para se tornar vivente.

Seja consciente, torne-se consciente, torne-se inteligente! Intelligere significa ler no real. Não quer dizer acumular diplomas, mas se tornar cada vez mais atento aos acontecimentos; desenvolver o discernimento em nós; tornar-se cada vez mais consciente. É necessária toda uma vida para se tornar consciente.

Seja livre!, o que implica, também, um longo caminho. Sair das nossas identificações, dos julgamentos que os outros colocaram sobre nós. Vamos nos tornar livres com relação às nossas memórias. É preciso toda uma vida para experimentar essa liberdade.

E da mesma maneira, é necessária toda uma vida para se tornar amoroso. Não sabemos amar, não sabemos ser Um com tudo Aquilo Que É. É através dos encontros, das provações, que aprendemos a amar. Seja vivente, seja consciente, seja livre, seja Um com tudo O Que É! É nessa unidade com tudo O Que É que você descobre não somente o Grande Todo, mas descobre o Grande Nós. Esse mundo da interdependência, da inter-relação, que habita as profundezas do real, é a mensagem dos terapeutas. É a nossa mensagem, atualmente.

Essas quatro palavras, trata-se de direcioná-las a nós mesmos. Direcioná-las também a todos aqueles de quem devemos cuidar; todos aqueles a quem a vida nos confia.

Seja vivente, seja feliz, tenha prazer em viver! É necessária muita coragem para tudo isso.

Seja consciente das luzes e das trevas, daquilo que é!

Seja livre! A felicidade, a infelicidade, o prazer, o desprazer, todas as coisas passam.

Mas permaneça na consciência que é a testemunha de tudo isso que passa, e, no fim, seja um com tudo aquilo que é! Torne-se amoroso para o seu bem estar, para o nosso bem estar e para o bem estar de todos!

Obrigado pela sua atenção.

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“Os Irmãos”, - As origens e os primeiros anos do movimento dos Irmãos Unidos no Brasil

 Francisco Genciano* 

 “Os Irmãos”, como foram chamados. As origens e os primeiros anos do movimento dos Irmãos Unidos no Brasil 

“The Brethren” how were called. The origins and the early years of the United Brethren movement in Brazil 

“Los Hermanos”, como fueron llamados. Los orígenes y los primeros años del movimiento de los Hermanos Unidos en Brasil

https://casadoespiritosanto8.blogspot.com/2024/03/os-irmaos-as-origens-e-os-primeiros.html



Revista Caminhando v. 21, n. 1, p. 165-181, jan./jun. 2016 

Resumo 

O movimento dos Irmãos Unidos carece de aprofundamento histórico-teológico. O parco conhecimento, no mais das vezes limitado a uma visão em três “des” – Darby, darbismo e dispensacionalismo – apenas coopera para a ocultação das reais motivações que conduziram a tal despertamento no início do século 19. O propósito deste artigo é o de cooperar no desvelamento da história desse movimento e no conhecimento de personagens cruciais para a causa dos Irmãos, como o missionário Anthony Groves e o pai dos órfãos, George Müller. Trazendo ainda apontamentos para a chegada e os primeiros anos do movimento no Brasil. 

Palavras-chave: Irmãos Unidos; história; Darby; unidade cristã; Santa Ceia. 

Abstract 

The United Brethren movement lacks historical and theological depth. The scant knowledge, most often limited of a view on three “d’s” – Darby, darbyism and dispensationalism – only cooperates for concealment of the real motivations that lead such awakening in early nineteenth century. The purpose of this article is to cooperate in unveiling the history of this movement and in knowledge of key characters to the cause of the Brethren, as the missionary Anthony Groves and the father of orphans, George Müller. Bringing even indications for the arrival and first years of the movement in Brazil. 

Keywords: United Brethren; history; Darby; christian unity; holy supper. 

(...) 


* Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e coordenador do Seminário Teológico Robert Chapman (Santo André, SP). 


 Introdução 

 Esta pesquisa nasceu do interesse pela história e contribuições de um movimento de avivamento espiritual e de busca por unidade que surgiu no Reino Unido, na segunda década do século 19. Comumente associa-se o movimento dos Irmãos Unidos à figura de John Nelson Darby, reduzindo, equivocadamente, o movimento como um todo ao darbismo: que tem como características principais o anticlericalismo, ampla rejeição a credos e denominações e o dispensacionalismo premilenista, com o respectivo ensino acerca do rapto secreto da igreja (KURIAN, 2001). 

Entretanto, nem Darby foi o fundador do movimento, nem o bloco darbista pode representá-lo integralmente, tendo em vista a pluralidade havida. O foco em John Darby redunda em eclipsar personagens importantes do movimento tais como Anthony Norris Groves, George Müller e Robert Cleaver Chapman, acerca de quem Charles Spurgeon afirmou ter sido o homem mais santo que ele já havia conhecido (PETERSON, 1995). Assim, o objetivo é desvelar algo sobre a história dos Irmãos Unidos, seus anseios de unidade e inclusão, seu fracasso em manter essa unidade e sua diversidade teológica, que podem cooperar para uma compreensão do cristianismo atual com seus avanços e retrocessos quanto ao tema da unidade. 

Para tanto o texto segue organizado em quatro seções. A primeira delas, a Origem, concentra-se nos primeiros momentos do movimento, locais, nomes, datas e motivações. A segunda seção, Doutrina e prática, toca a questão da teologia, ensino e prática dos Irmãos Unidos. A ruptura aborda a causa essencial das divisões no jovem movimento, com implicações que alcançam nossos dias. 

E finalmente a quarta seção, Chegada ao Brasil, foca no surgimento do movimento dos Irmãos Unidos em terras brasileiras, ainda no século 19. 


Origem 


 No início do século 19 o mundo, incluindo-se a igreja e a fé cristã, vivia questões levantadas pelo pensamento de homens como Kant (1724-1804), Schleiermacher (1768-1834) e Hegel (1770-1831). A Europa seguia alvoroçada pelas guerras napoleônicas (1799-1825) e pela Revolução Industrial. 

 O campo religioso no Reino Unido agregava igrejas dissidentes e dentro da Igreja Anglicana movimentos de despertamento e reforma. A ala dos anglicanos evangélicos pretendia “dar à Igreja Anglicana um tom mais protestante, às vezes com características semelhantes às do pietismo” (GONZALEZ, 2007, p. 71). Por sua vez o movimento anglocatólico, que ficou conhecido como movimento de Oxford, foi aquele que teria causado maior impacto à Igreja Anglicana no período (HERMELINK, 1981). 

Diante de inúmeras incertezas o povo voltava-se para as profecias bíblicas em busca de respostas para as novas perguntas do mundo moderno. Estimou-se que nas primeiras quatro décadas do século 19 mais de cem livros sobre profecias foram publicados e dez revistas sobre o tema circulavam (CONARD, 2004).

 Nesse tumultuado início do século 19, no qual predominavam inseguranças sociais, políticas e religiosas, tem início o movimento dos Irmãos Unidos. 


Dublim 


 Entre os historiadores consultados não há unanimidade em estabelecer lugares e datas para os inícios do movimento. Não que isso seja surpreendente, quando se trata de tentar relatar com minúcias a história dos Irmãos Unidos. Por nunca ter havido entre eles uma preocupação institucional – aliás, parece que ainda prevalece um caráter não institucional, ou até anti- -institucional, rejeitando nomes ou nomenclaturas – e tampouco um fundador, algumas nuances foram perdidas na neblina do tempo. Entretanto, a maioria aponta a cidade de Dublin, na Irlanda, como o lugar dos princípios. E o evento gerador de todos os desdobramentos posteriores não foi a inauguração de um prédio, fundação de uma sociedade ou publicação de um livro, catecismo ou manifesto, mas sim o partir do pão (a Santa Ceia, a Ceia ou Mesa do Senhor) sem a condução de um ministro ordenado. A celebração da Santa Ceia pela comunidade autônoma pode bem configurar-se como marco inicial do movimento dos Irmãos Unidos. Dr. Edward Cronin, ainda um estudante de medicina, migrou para Dublin em busca de melhoras para sua saúde e ali se congregou em várias igrejas dissidentes1 , e nessa experiência viu-se assediado para a sua inclusão nas respectivas membresias (CONARD, 2004).

 Dr. Cronin não entendia como bíblica a necessidade de filiação a alguma denominação eclesiástica para ser incluído no corpo de Cristo, com direito à participação na Santa Ceia. Cria ele que todo cristão já pertencia ao corpo de Cristo com acesso à mesa do Senhor. Tais ideias não agradaram aos ministros locais que o denunciaram a partir do púlpito (CONARD, 2004; FILGUEIRAS, 1991). Nesse interim ele havia angariado a simpatia de algumas pessoas, dentre as quais Francis Hutchinson e Edward Wilson, secretário da Sociedade da Bíblia, e foi na casa deste que “começaram a orar e partir o pão, em 1826” (CONARD, 2004, p. 15). Antony Norris Groves, um dentista abastado, viajava com certa frequência à Dublin para exames no Trinity College com o intuito de obter graduação teológica e ser enviado para Bagdá, pela Sociedade Missionária.  (1 Qualquer igreja que não fosse a igreja oficial do Reino Unido, desdobrada em Igreja Anglicana, Igreja Escocesa e Igreja Irlandesa.) 

Durante os estudos Groves iniciou amizade com John Gifford Bellet e conheceu o jovem sacerdote da Igreja da Irlanda, John Nelson Darby. Reuniam-se frequentemente para estudos bíblicos. Em Dublin, na páscoa de 1827, Groves teria considerado com Bellet que pela sua compreensão e entendimento das Escrituras os “crentes, reunindo-se como discípulos de Cristo, estão livres para partir o pão juntos; e, em qualquer dia, como os apóstolos fizeram” (FILGUEIRAS, 1991, p. 18). 

 Talvez a simplicidade do ato eucarístico proposto por Groves possa soar com naturalidade para nós hoje, mas é importante ressaltar que a observação do “sacramento da comunhão, sem um ministro ordenado para consagrar os elementos era, como Cronin havia descoberto, totalmente revolucionário!” (CONARD, 2004, p. 17). Antony Norris Groves possui destaque como uma figura central no início e no desenvolvimento do movimento dos Irmãos Unidos para todos os autores consultados, exceto Miller (2005, p. 28-31), que apresenta Groves como uma figura tardia e com efêmera passagem por entre os Irmãos. No ano de 1829, o grupo iniciado pelo Dr. Cronin e Wilson e aquele começado por Groves, Bellet e Darby tomaram conhecimento um do outro e, já reunidos, passaram a realizar encontros regulares na Praça Fitzwilliam2 . As reuniões eram arranjadas de maneira tal que aqueles que mantinham vínculos com suas denominações – como ainda era o caso de Darby – pudessem participar dos estudos, orações e partir do pão (CONARD, 2004).

 Ainda em 1829, um terceiro grupo, ligado a John Vesey Parnell (mais tarde Lorde Congleton), que se reunia isoladamente em outra parte de Dublin, se uniu ao grupo da Praça Fitzwilliam. Parnell, com o crescimento do grupo, alugou um salão na Rua Aungier, no ano de 1830 ou ainda em 1829. Este teria sido o primeiro salão público dos Irmãos (MILLER, 2005). Em 12 de junho de 1829, Antony Norris Groves parte para Bagdá como o primeiro missionário dos Irmãos Unidos. A influência de Groves contribuiu para a criação de muitos grupos missionários, tais como: Christian Missions in Many Lands, Missionary Service Commmittee, Internacional Teams, dentre outros3 . James Hudson Taylor, o famoso missionário, teria participado da congregação dos Irmãos em Tottenham (FILGUEIRAS, 1991) sendo motivado pelo testemunho de Antony Norris Groves (CONARD, 2004). 2

 As congregações dos Irmãos eram identificadas pelo nome da cidade em que estavam estabelecidas, pelo nome do logradouro, ou ainda da capela, na qual se reuniam. Ex.: Irmãos de Bristol, Irmãos de Plymouth, Irmãos de Bethesda, assembleia da Rua Rawstorne etc. 3 Ver DANN, Robert Bernard. Fhater of Fatith Missions: the life and times of Anthony Norris Groves. Great Britain: Paternoster, 2004. Revista Caminhando v. 21, n. 1, p. 165-181, jan./jun. 2016 169 Taylor teve seu trabalho missionário sustentado durante cerca de dois anos por outro importante personagem ligado à história dos Irmãos Unidos, George Muller, o pai dos órfãos, que, “durante um período de dois anos... quase sustentou sozinho Hudson Taylor e 30 de seus colegas missionários na China” (CONARD, 2004, p. 57). George Müller integrava o grupo de Irmãos em Bristol, do qual, juntamente com Henry Craik, foi o precursor. Müller, por intermédio de Craik, conheceu os ensinos de Groves, que o impactaram tremendamente.

 Na congregação batista que pastoreava em Teignmouth, Müller já aplicava princípios dos Irmãos Unidos nos cultos, tais como partir o pão semanalmente, e não mensalmente, em reuniões abertas nas quais qualquer irmão que demonstrasse ser dotado para tal, podia tomar parte e ensinar (CONARD, 2004, p. 40). Em abril ou maio de 1832 Craik foi pregar em Bristol, na capela Gideão – uma igreja não denominacional (CONARD, 2004, p. 40). Com a grande receptividade e salão sempre lotado, Craik escreve a Müller suplicando para que ele também fosse a Bristol auxiliar na tarefa pastoral.

 George Müller aceitou e transferiu-se para Bristol. Em pouco tempo passaram a utilizar duas capelas, Gideão e Bethesda. Esta última era a maior, e a congregação dos Irmãos Unidos em Bristol passou a ser conhecida como os Irmãos de Bethesda. Outra assembleia de fundamental importância naqueles primeiros anos do movimento foi a de Plymouth. O grande número de membros e os professores de destaque, como Benjamin Wills Newton e John Nelson Darby, com suas muitas produções literárias fizeram com que o movimento dos Irmãos Unidos fosse identificado como os “Irmãos de Plymouth” (BROADBENT, 1989, p. 372). 


Doutrina e prática 


 O movimento teve expansão rápida pelo Reino Unido, atravessou o mar e alcançou o continente Europeu. A Bíblia de Elberfeld, por exemplo, foi uma tradução própria para o alemão executada pelos Irmãos naquele país (HERMELINK, 1981, p. 100). 

A acelerada expansão, a experiência insipiente desse novo modo de ser igreja e a heterogeneidade das assembleias não permitiu que sempre houvesse concordância acerca de pontos específicos de doutrinas, o que, no princípio, não era um problema. Quando era indagado acerca de princípios que pudessem reunir os cristãos, apesar de divergentes opiniões sobre alguns assuntos, Groves dizia que: [...] sim, existem. Fomos chamados a não saber nada entre nossos companheiros cristãos, a não ser dois fatos: eles pertencem a Cristo? Cristo os recebeu? Então nós podemos recebê-los, para a glória de Deus”. [...] “só existe um caminho de união: este de irmãos e irmãs com o seu Senhor e Pai, permanecendo juntos em comunhão pelo Espírito. Quando esses grandes princípios são aceitos, todas outras coisas [sic] – tal como o sistema de regras de igreja – estão, acredito, totalmente subordinados (CONARD, 2004, p. 26). 

 O princípio da unidade era crucial para aqueles pioneiros dentre os Irmãos. O uso de qualquer nome, denominação ou classificação que pudesse afastar ou segregar era para eles impensável, como impensável era a adoção de quaisquer normas ou condições que pudessem causar embaraço ou dificuldade para a comunhão dos filhos de Deus. 

 A base para a comunhão era o ser cristão, e as regras de fé e prática precisavam ser orientadas pela Escritura. O exclusivismo, no princípio, era rechaçado, e insistências recaiam sobre o dever de se manter um padrão elevado de conduta, de se reconhecer a autoridade das Escrituras e da liberdade no uso dos dons por todos os membros da congregação, negando-se assim quaisquer prerrogativas ministeriais pautadas em eclesiarquias ou distinções entre o clero e os leigos. Ensinavam a autonomia e independência das igrejas locais, incentivando a fraternidade entre as assembleias. Ainda que rejeitassem qualquer nomenclatura, dispunham-se à comunhão com igrejas de variadas denominações nas quais houvesse “evidência da presença de Cristo” (FILGUEIRAS, 1991, p. 156).

 Posteriormente as assembleias ligadas a John Nelson Darby assumiram posturas distintas, ensinando antes a separação em relação às demais igrejas. Diferente do que se apregoou no princípio, que o sangue de Cristo (seu sacrifício) era a suficiente base da unidade entre os cristãos, passaram a estabelecer e requerer padrões de santidade, que faltariam aos demais crentes, incapacitando-os a participar da Mesa do Senhor. “Em 1 Coríntios 5 aprendemos que a assembleia tem de ser ‘exclusiva’ se quiser manter uma disciplina sã e guardar a casa de Deus suficientemente limpa para Sua presença” (MILLER, 2005, p. 84). Tal posicionamento acabou por redundar em inúmeras acusações de heresias e de excomunhões, assim como as antagônicas disposições terminaram por atribuir aos dois grupos de Irmãos os nomes de Irmãos Abertos e Irmãos Fechados, especialmente a partir do conflito havido entre Darby e Newton, abordado adiante. 

 O entendimento dos Irmãos de que a igreja consiste na reunião daqueles que creem, e não em ritos e cerimônias, de modo algum produziu desordem na vida prática da igreja. E a rejeição radical de prerrogativas ministeriais não redundou em negação de governo na igreja, ao menos para boa parte deles. Anthony Groves, mencionando a ajuda que a Igreja Anglicana ofereceu em campo missionário, afirmou que: “Seu sistema pode ser sectário, mas eles Revista Caminhando v. 21, n. 1, p. 165-181, jan./jun. 2016 171 não são. E é dez vezes melhor ter com católicos em um sistema sectário do que com sectários que não pertencem a nenhum sistema” (BROADENT, 1989, p. 407). Assim, as congregações dos Irmãos reconheciam homens mais capazes como presbíteros ou anciãos, respeitando a pluralidade do ministério, ou seja, sempre havia um colegiado de presbíteros. Entendiam, a partir de textos como Atos 20.28 e 1 Pedro 5.1-3, que a responsabilidade por apascentar a igreja de Deus recai sobre os presbíteros. Daí não encontrarmos pastores oficializados nas assembleias dos Irmãos (FILGUEIRAS, 1991, p. 174). 

 Tempos depois John Nelson Darby, que antes elegia anciãos para as congregações, passou a se opor totalmente a essa prática. Ele “ensinava que havendo a igreja falhado perdeu as condições e autoridade para estabelecer presbíteros nas igrejas locais” (FILGUEIRAS, 1991, p. 178). Acrescentava Darby que a eleição de presbíteros ficara restrita aos tempos apostólicos, afirmando que as congregações apenas poderiam ser dirigidas diretamente pelo Espírito Santo. As formas de batismo pareciam não incomodar os Irmãos. Entendiam que o Novo Testamento não estabelece forma rígida para o batismo, e recusar ou censurar outro irmão com base em formas de batismo seria repreensível atitude sectária. 

O alvo dos irmãos sempre foi o de não exigir de um irmão “senão que ele creia no livre perdão e salvação pela fé em Cristo, e mostre as evidências de uma vida moldada conforme ao que professa, sendo fiel a Cristo”. Nos desentendimentos havidos entre os irmãos que resultou na divisão havida no século passado a questão da forma de batismo nunca esteve incluída nos pontos de controvérsia (FILGUEIRAS, 1991, p. 161). 

Nos começos do movimento a Ceia do Senhor, como já mencionado, teve caráter revolucionário na prática dos Irmãos Unidos. Não apenas por romper com as prerrogativas que diferenciavam exponencialmente clérigos e leigos, mas também por ser um chamado à unidade. A celebração da ceia ocorria em todo primeiro dia da semana na maior parte das congregações dos Irmãos. “É o simples princípio de união e de amor a Jesus, e não o princípio da unidade de pensamento acerca de coisas menores, a base da reunião para o partir do pão” (FILGUEIRAS, 1991, p. 160). A atribuição de igualdade a toda congregação, o chamado ao sacerdócio universal dos fiéis foi além da celebração da Ceia. A liberdade de ministério era incentivada pelos Irmãos, para que cada crente administrasse os dons que haviam recebido pelo Espírito Santo. O papel das mulheres nessa liberdade ministerial não está bem documentado. 

Constam os nomes de Theodosia Powerscourt, presente desde os primórdios do movimento e patrocinadora das conferências sobre profecia, tendo cedido o Palácio Powerscourt para a realização das conferências. Surgem também os nomes de Bessie Paget, que fundou e dirigiu serviços espirituais e sociais em Barnstaple e Mary Fedden, de Bristol, que foi corresponsável por duas escolas dominicais (CONARD, 2004, p. 81). Os ofícios do governo da igreja, presbíteros e diáconos, eram os únicos com atribuições definidas às pessoas escolhidas para tal. As demais atividades típicas da comunidade cristã poderiam ser exercidas por qualquer um com demonstrações de haver sido capacitado para tal. 

 Os Irmãos pregavam o Evangelho em tendas, praças, nos lares, onde houvesse oportunidade, eles a aproveitavam. Muitos folhetos evangelísticos eram distribuídos pelas ilhas britânicas. Havia forte serviço social mesclado às ações evangelísticas, dos quais o destaque recai sobre os orfanatos mantidos por George Müller. Haviam ações destinadas aos pobres em cidades como Londres, Bristol e Barnstaple. Foram muito despojados com o uso do dinheiro. Anthony Groves e Robert C. Chapman, por exemplo, doaram suas fortunas e escolheram viver de maneira simples.

 Registra-se que muitos irmãos abastados alugavam casas mais simples para que os pobres não se sentissem constrangidos por qualquer ostentação. Lorde Congleton, membro da Câmara dos Lordes, escolheu uma cama militar e uma casa pouco mobiliada, onde ele conseguia que os pobres se sentissem à vontade (CONARD, 2004, p. 80). As questões escatológicas colocadas e desenvolvidas pelos Irmãos talvez sejam as que tiveram influência mais duradoura. Dentro dos sistemas de profecia e escatologia há que se destacar o dispensacionalismo. O sistema de compreensão das profecias desenvolvido por John Nelson Darby depende do conceito de dispensações. As dispensações principais foram chamadas de “as três esferas da glória de Cristo”. E são elas: os judeus, os gentios e a Igreja de Deus (MILLER, 2005, p. 152-158).

 O arrebatamento dos santos na segunda vinda de Cristo igualmente constituiu-se em um desenvolvimento teológico diferenciador, posto que à época daqueles primeiros Irmãos predominasse o entendimento de que “a morte de cada pessoa é virtualmente a vinda do Senhor a tal indivíduo” (MILLER, 2005, p. 159). Essa ideia foi rechaçada e os Irmãos pregavam a ressurreição de cada crente na vinda do Senhor. Essa interessante e intensa produção teológica tem desdobros na cristandade atual, mas a liberdade almejada, a tolerância para com questões secundárias e o alto apreço pela unidade cristã demonstrada naqueles primeiros anos, lamentavelmente não resistiram ao choque entre  dois dos principais líderes e destacados eruditos do movimento dos Irmãos Unidos: John Nelson Darby e Benjamin Wills Newton. 



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A ruptura 

 Depreende-se que o estopim do processo conflituoso que já vinha acon tecendo de maneira velada entre Darby e Newton, tenha sido exatamente o sistema de interpretações proféticas e escatológicas desenvolvido por Darby. Durante o outono de 1837, Darby ministrou numa igreja dissidente que se reunia em Bourg-de-Four, Genebra. Ele já contava com grande prestígio e foi incentivado a promover seus ensinos na Suíça por vários amigos e cooperadores, dentre os quais Antony Norris Groves (BURNHAM, 2006, p. 149-150). Darby promovia palestras para ensinar seus conceitos de profecia e escatologia que desfrutavam de popularidade entre os cristãos evangélicos de Genebra e Lausanne. Mas passou também a se opor à eleição de presbíteros ou pastores, alegando que se os anciãos, no Novo Testamento, eram eleitos pelos apóstolos e, não havendo mais apóstolos, não deveria mais haver an ciãos4. Afirmava que qualquer eleição para o governo ou apascentamento da igreja era uma intromissão, posto ser a direção das assembleias ato exclusivo do Espírito Santo (BURNHAM, 2006, p. 153).

 Tais ideias não tiveram receptividade. Remover o governo da igreja em favor de uma estrutura vaga e subjetiva pareceu aos líderes tanto da igreja estatal quanto das dissidentes a receita para o desastre. Durante as estadas de Darby na Suíça, Newton figurava como o último daqueles primeiros irmãos a aderirem ao movimento ainda ministrando em Plymouth. Seu prestígio crescia e a gráfica fundada por dois presbíteros (Clulow e Soltau) ajudava na promoção dos ensinos de Newton, imprimindo numerosos folhetos e a revista Testemunho Cristão (Christian Witness). Darby passou a demonstrar preocupações com a importância de Newton na assembleia de Plymouth, ainda mais com as já notadas diferenças teológicas entre ambos. Após encontrar-se com Darby para tratar a questão, Newton teria declarado: [...] a diferença entre nós era tão radical, tão vital, que eu disse a Tregelles que eu retornaria a Plymouth na manhã seguinte e arranjaria todas as coisas para deixar com pletamente a assembleia de Plymouth – E eu deveria ter feito isso – teria poupado toda a tristeza que veio a seguir (BURNHAM, 2006, p. 154-155). 4

 Vale citar que, paradoxalmente, Newton concordava com Darby quanto à rejeição de ordenação formal de pastores ou anciãos, mas afirmava que aqueles com o dom para o presbitério deveriam ser reconhecidos e conduzidos a exercê-lo em favor da assembleia (BURNHAM, 2006, p. 160). 173 Revista Caminhando v. 21, n. 1, p. 165-181, jan./jun. 2016 Newton deixa então sua peculiar reserva no trato com Darby e publica as chamadas Five Letters (Cinco Cartas), confrontando as visões escatológicas e o sistema de interpretações de profecias de Darby, assim como o conceito de arrebatamento secreto, que ele considera como perigoso e com potencial para abalar os alicerces do cristianismo. Darby reagiu prontamente e acusou Newton de fomentar desconforto para todas as assembleias dos Irmãos. Evitando refutações pontuadas das alegações de Newton nas Cinco Cartas, disse não ter entendimento definitivo sobre o ar rebatamento secreto, e concluiu que Newton fora motivado por autopromoção e pelo desejo de influenciar os Irmãos (BURNHAM, 2006, p. 156). 

 Chocado, Newton decretou o fim da amizade entre eles e sugeriu que evitassem debater assuntos escatológicos em favor da harmonia cristã. Dar by retornou para a Suíça, onde manteve suas reuniões de ensino, não sem oposição, enquanto Newton permaneceu em Plymouth dedicando-se aos estudos e ao ensino, repartindo as necessidades pastorais da assembleia com os anciãos Harris e Soltau. Em 1841 um artigo publicado na revista Testemunho Cristão reacendeu as chamas do conflito. O artigo, expressando o entendimento organizacional da Rua Ebrington5, afirmava que o dom de ensino poderia ser exercido em qualquer localidade, mas o de governo exclusivamente na igreja local. Assim Darby percebeu-se convidado a não interferir em assuntos internos dos Irmãos em Plymouth. Quando Darby retornou à Rua Ebrington no verão de 1843 não escon deu sua decepção e declarou que a ação do Espírito havia sido extinguida naquela assembleia. Estava convencido de que os Irmãos em Plymouth haviam decaído para a institucionalização de um clero oficial. A partir de 1844 a oposição de Darby aos ensinos de Newton começa com a denúncia de erro em interpretações e culmina em árdua discussão acerca da cristologia de Newton, considerada como herética por afirmar que Jesus havia também padecido pelos pecados inerentes à sua associação com a raça humana e com o povo judeu – da qual o próprio Newton apresentara retratação (BUR NHAM, 2006, p. 197-200). Ao abandonar a Suíça em 1845 por conta de uma revolução que eclo dira em Genebra, Darby dirigiu-se a Plymouth, disposto a lutar pela alma do movimento dos Irmãos (BURNHAM, 2006, p. 164). A refrega foi intensa. Não é possível pormenorizá-la neste trabalho. Cita-se, então, que a troca de acusações acontecia onde houvesse oportunidade, em reuniões de culto ou de estudo, por cartas e panfletos. 5 174 Endereço no qual os Irmãos de Plymouth haviam construído sua capela. 





 Além das questões doutrinárias, acusações de caráter moral tomaram vulto quando Darby acusou Newton de alterar (suprimir) deliberadamente trechos de seus escritos (as Cinco Cartas), em uma tentativa de negar o que havia sido por ele afirmado. Foram estabelecidos grupos para a investigação do embate, principalmente quanto às acusações de imoralidade que recaíram sobre Newton. Lorde Congleton, um dos investigadores, concluiu que apesar de haver inclinações ao sectarismo e ao clericalismo na assembleia da Rua Ebrington, Newton não era culpado de desonestidade moral ou qualquer engano intencional (BURNHAM, 2006, p. 178). O fato é que um cisma devastador já estava consumado em Plymouth. 

 Darby e Newton empenharam-se em confirmar suas posições e atraíram após si simpatizantes, dividindo os afetos dos crentes daquela localidade. Em 28 de dezembro de 1845 Darby e seus apoiadores estabeleceram outro ponto de reunião em Plymouth, em uma capela situada na Rua Raleigh, consolidando a divisão (FILGUEIRAS, 1991, p. 49). A questão da já citada cristologia de Newton havia causado divisão entre os presbíteros em Plymouth. Alguns não mais confiavam plenamente nele. Não havia então mais suporte para Newton em Plymouth. Em 8 de dezem bro de 1847, Benjamin Wills Newton deixou a assembleia de Plymouth para nunca mais ensinar e tampouco congregar entre os Irmãos (FILGUEIRAS, 1991, p. 50). Um jornal local publicou uma nota de lamento: Soubemos que o sr. Benjamin Wills Newton, um dos pregadores entre os “Irmãos de Plymouth”, deixou Plymouth com a determinação de não mais retomar seus trabalhos ministeriais. A perda ocasionada pela aposentadoria dessa pessoa afável e talentosa será fortemente sentida por muitos que a ele estavam ligados, não apenas por laços comuns, mas por aqueles de respeito e amor (BURNHAM, 2006, p. 200). Porém, o cisma não havia ficado restrito à assembleia de Plymouth. As demais localidades foram instadas a tomar partido do que ocorria, e o caso mais emblemático envolveu a assembleia em Bristol. Quando dois homens oriundos de Plymouth foram recebidos à comu nhão em Bristol (capela Bethesda), apesar de terem sido examinados quanto à assimilação dos erros doutrinários de Newton (CONARD, 2004, p.48), Darby declarou estar impedido de ir à Bethesda, pois ali havia seguidores de Newton. Em reação aos postulados de Darby os dez anciãos de Bethesda escreve ram à igreja a chamada The Letter of the Ten (A Carta dos Dez)6, expressando repúdio aos erros cristológicos de Newton, mas insistindo que a questão deve ria ser examinada tão somente no âmbito da localidade na qual teria ocorrido, 6 The Letter of the Ten. Disponível em: < http://www.bruederbewegung.de/pdf/letteroftheten.pdf >. Acesso em: 18 nov. 2015. 175 Revista Caminhando v. 21, n. 1, p. 165-181, jan./jun. 2016 e afirmando ser um erro rejeitar a comunhão a qualquer pessoa tão somente por terem vindo de uma assembleia na qual tenha havido ensino errôneo. 

 Darby, não satisfeito, visitou Müller e Craik, solicitando que a carta fosse revogada e Bethesda examinasse as heresias de Newton, sob amea ça de excomunhão (CONARD, 2004, p. 49). Os presbíteros de Bethesda mantiveram suas convicções em não arrastar a assembleia de Bristol para essa contenda, bem como a de sustentar a independência e autonomia de cada igreja local. O documento redigido em Bethesda foi considerado como insuficiente, ambíguo e insípido. E é tratado com ironia por Andrew Miller (2005, p. 76): “Essa foi a posição adotada pelos homens mais inteligentes de Bethesda, segundo esse notável documento, e isso antes que o erro em questão houvesse sido julgado”. Finalmente, em 26 de agosto de 1848, John Nelson Darby publicou uma carta excomungando toda a igreja de Bethesda, sob a acusação de admitir pessoas que sustentam falsas doutrinas. A excomunhão foi ampliada para qualquer igreja que admitisse pessoas de Bethesda. Recusando-se a quaisquer atitudes de atrito, e mantendo-se alheios, os Irmãos em Bristol continuaram a crescer, apesar de, no princípio da controvérsia, cerca de 50 ou 60 membros terem deixado a congregação (MILLER, 2005, p. 77). 

 Registrou-se que a maior tristeza de George Müller, não menciona da em sua autobiografia, foi exatamente essa controvérsia, que lhe teria trazido “grande tristeza e amargura de coração” (SHORT, 1983, p. 143). Assim estava dividido o movimento que nascera pelos anseios de uni dade: Abertos e Fechados, que experimentaram outros cismas ao longo da história. O escritor Jonathan Burnham, que se diz beneficiado por analisar os fatos por meio da retrospectiva, conclui asperamente que “o amargo conflito travado entre Darby e Newton parece apenas uma disputa entre duas perso nalidades fortes, ambos disputando o poder em uma pequena, idealista, mal estruturada e separatista seita cristã” (BURNHAM, 2006, p. 204). Ter-se-ia cumprido o vaticínio de Antony Norris Groves, que em carta a Darby o teria alertado nos seguintes termos: “vocês serão conhecidos mais pelo que são contra do que pelo que [sic] vocês concordam” (FILGUEIRAS, 1991, p. 44)? Ou ainda existem caminhos para aqueles primeiros princípios e ideais evangelizadores, missionários, teológicos e, sobretudo, os que alme javam a unidade entre os cristãos?



A chegada ao brasil 

 Não muito tempo após os eventos descritos até agora, os princípios dos Irmãos Unidos chegaram a terras brasileiras. E estão relacionados ao. O missionário Dr. Robert Reid Kalley e seu cooperador Richard Holden e, por conseguinte, à Igreja Evangélica Fluminense. O médico escocês Dr. Robert Kalley é tido pelos estudiosos como o pioneiro do protestantismo de missão em território brasileiro (MENDON ÇA; VELASQUES, 1990). Kalley chegou ao Brasil em 1855 com sua esposa Sara Poulton Kalley. No Rio de Janeiro iniciou os trabalhos evangelísticos que culminaram com a fundação da Igreja Evangélica em julho de 1858, que posteriormente (1863) passou a denominar-se Igreja Evangélica Fluminense. 

 No ano de 1865 Dr. Kalley convidou a Richard Holden para ser seu cooperador. Holden atuava então como agente da Sociedade Bíblica Britânica e copastor na Igreja Evangélica Fluminense. Durante essa estada no Rio de Janeiro, entre 1865 e 1871, Richard Holden empreendeu inúmeras viagens de norte a sul do Brasil, visitando também outros países, como Uruguai e Argentina, por conta de sua função na Sociedade Bíblica Britânica. Holden pretendia cooperar com Kalley nos cuidados da Igreja Fluminen se sem o recebimento de salários, o que não agradava a Kalley, que insistia em remunerá-lo. Holden entendia que assim estaria livre para ser fiel a suas convicções e expressá-las em quaisquer questões acerca das quais houvesse divergência (FILGUEIRAS, 1991, p. 79). Esse parece ter sido um importante ponto de tensão entre eles. Mas apesar das divergências acerca de pontos específicos de doutrina e prática, Holden gozava de considerável confiança por parte do Dr. Kalley. Em dezem bro de 1868 o casal Kalley deixou o Brasil para uma longa estada na Europa, da qual retornaram apenas em junho de 1871.

 Durante todo esse tempo Richard Holden assumiu sozinho o cuidado pastoral da Igreja Fluminense e, com a chegada do casal Kalley, partiu para a Inglaterra, com indicações de não mais voltar ao Brasil. Não se sabe ao certo em que momento Richard Holden teria tido co nhecimento das doutrinas e princípios dos Irmãos Unidos, mas sua mãe, seu irmão e sua irmã que moravam na Alemanha, reuniam-se em assembleias dos Irmãos, e Holden, em correspondência com o filho e amigos feitos no Brasil transmitia os ensinos que ouvia (FILGUEIRAS, 1991, p. 84). Apenas para frisar o vulto que o movimento dos Irmãos assumiu no século 19, cita-se que o próprio Dr. Kalley possuía parentes que se reuniam nas assembleias dos Irmãos. Um tio de sua esposa, que cooperou finan ceiramente com os trabalhos no Brasil congregava em uma assembleia dos Irmãos em Londres. No entanto, Dr. Kalley lamentava o anticlericalismo e algumas das doutrinas enfatizadas pelos Irmãos de Plymouth, embora, aparentemente, ele próprio fosse influenciado por seus padrões de vida simples, cultos sem adornos e, não pouco, por seu individualismo ousado (TESTA, 1964, p. 267). 





Consta ainda que em determinado período Kalley teria mantido corres pondência com John Nelson Darby, posteriormente publicando cartas com fortes acusações contra os darbistas (FILGUEIRAS, 1991, p. 85)7. Por correspondência Holden informou ao Dr. Kalley e, por conseguinte, à Igreja Evangélica Fluminense, que renunciava ao pastorado, isso aconteceu no início de 1872. A correspondência entre Holden e Kalley não se interrom peu de pronto. Aquele procurava demonstrar que as doutrinas e princípios dos Irmãos eram acertadamente bíblicos, e afirmava que a ideia de que Dar by regia o movimento como um papa adivinha tão somente do atrito com Benjamin Wills Newton e a assembleia de Bethesda (FILGUEIRAS, 1991, p. 90-91). Anos depois, em 1879, Holden teria escrito ao Dr. Kalley afirmando não concordar com atitudes despóticas de Darby em relação a qualquer um que não acatasse suas ordens ou ensinos (FILGUEIRAS, 1991, p. 104). 



 Como resultado dos ensinos transmitidos por Holden por intermédio das cartas endereçadas a amigos na Igreja Evangélica Fluminense, entre o final de junho e início de julho de 1878, vários irmãos que com Holden concordavam deixaram a Igreja Fluminense e passaram a se reunir na casa de um deles, João Antônio de Menezes. “Estava assim formado o primeiro núcleo dos ‘irmãos’ no Brasil” (FILGUEIRAS, 1991, p. 100). Em julho de 1879, um ano após a formação daquele primeiro grupo, Richard Holden retorna ao Rio para visitá-los. Permanece por quatro meses e parte para nunca mais retornar ao Brasil. No Rio de Janeiro, informa Fil gueiras (1991, p. 120-121), os Irmãos tiveram vários pontos de reunião, até se estabelecerem em um imóvel na Rua São Carlos, a partir de 1921, comprado e adaptado para receber as reuniões e, ao que se deduz, ainda era utilizado em 1991 (FILGUEIRAS, 1991, p. 121-123). O empenho evangelístico daqueles primeiros Irmãos brasileiros pron tamente os encaminhou para as regiões serranas do Rio de Janeiro, com a abertura de assembleias em Petrópolis, Teresópolis e Santa Rita (FILGUEI RAS, 1991, p. 128). 

 No início do século 20 já existiam assembleias dos Irmãos em Carangola, no Estado de Minas Gerais, Santa Bárbara e Piracicaba, ambas no Estado de São Paulo, estas últimas visitadas em 1901 (McNAIR, 1953, p. 17) por Stuart Edmund McNair, britânico que chegou ao Brasil em 1896, para cooperar com os Irmãos neste país. Stuart E. McNair empreendeu inúmeras viagens pelo território brasileiro, escreveu livros e editou durante quatorze anos (1927 a 1941) o periódico 7 Também em MATOS, Alderi de Souza. Robert Reid Kalley: pioneiro do protestantismo missio nário na Europa e nas Américas. Disponível em: < http://www.mackenzie.br/7041.html >. Acesso em: 8 out. 2012.

O chamado O Boletim Evangélico (McNAIR, 1953, p. 25), tendo fundado a própria gráfica e editora a serviço dos Irmãos, em 1933, a Casa Editora Evangélica, em Teresópolis (McNAIR, 1954, p. 22). Foi ele, ainda, o autor dos comen tários da Bíblia Explicada, ainda publicada no Brasil, curiosamente, pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Partindo de Carangola, os Irmãos, durante as três primeiras décadas do século 20, foram se mudando e estendendo seu trabalho para Vitória, Governador Valadares, Belo Horizonte, Norte do Espírito Santo e Sul da Bahia, alcançando também os arredores de São Paulo e o Norte do Paraná (FILGUEIRAS, 1991, p. 146). Segundo Filgueiras (1991, p. 146) os Estados do Mato Grosso e Rondô nia e outros do Norte e Nordeste, foram alcançados pelo trabalho missionário dos Irmãos. Stuart McNair menciona ter estado em Recife (1953, p. 15), no Maranhão (1953, p. 19) e em Belém (1954, p. 21). O primeiro edifício, de signado Casa de Oração, para a reunião dos Irmãos foi inaugurado no Brasil, em 1914, na cidade de Carangola (McNAIR, 1954, p. 21). 

 Considerações finais 

 Maiores detalhes acerca do desenvolvimento das atividades dos Irmãos em terras brasileiras não estão disponíveis em livros ou periódicos encontra dos em livrarias ou bibliotecas. As características peculiares do movimento, como a constituição de igrejas independentes não confederadas ou mesmo federadas, mas tão somente irmanadas, assim como as divisões que fraciona ram o movimento em seu início e que o tem fracionado ao longo do tempo, impedem a consolidação de históricos e de dados. Além disso, tais traços e escolhas para a vida eclesiástica empurram o movimento dos Irmãos para a marginalidade em se tomando como referência as igrejas instituídas. De tal modo que a produção do historiador eclesiástico, iluminada que é pelas lâmpadas de seu lugar institucional, termina por não romper a neblina da zona fronteiriça, mantendo a história dos Irmãos Unidos na penumbra e à mercê de considerações formadas no âmbito de um estado de defesa, de um viés crítico-teológico que persiste em tomar a parte pelo todo. 

 Em O protestantismo brasileiro, livro de Émile G. Leonard (1981), por exemplo, para estabelecer um conceito que defina o fenômeno dos evangéli cos que não se congregam, o autor cunhou o sintagma: “niilismo eclesiástico” (LEONARD, 1981, p. 73), associando-o, talvez corretamente, a John Nelson Darby e aos darbistas. Entretanto, os Irmãos Unidos, em sua totalidade, surgem equivocadamente no referido texto como um desses movimentos de negação de ordem e estrutura eclesiástica. E nesse exemplo, nessa rarefeita presença do 179 Revista Caminhando v. 21, n. 1, p. 165-181, jan./jun. 2016 movimento dos Irmãos em textos que tratam da história da igreja protestante, sua menção se dá apenas para corroborar a afirmação de um desvio. 

 Apesar disso, da pouca produção historiográfica e dos temores insti tucionais, a constatação que se dá quanto ao surgimento quase simultâneo de grupos diversos com ideais semelhantes na composição da gênese do movimento dos Irmãos Unidos, termina por remeter ao conceito cristão de despertamento ou avivamento. Os anseios espirituais e éticos daqueles homens e mulheres os uniram na busca por uma igreja capaz de expressar unidade na comunhão, santificação e prática evangélica. Procuraram ao invés de dar as mãos por sobre muros viver sem muros, mas lamentavelmente não foi assim por muito tempo. Disputas doutrinárias ou embates por influência e controle dividiram o movimento surgido exata mente no desejo por união. Contudo, a chegada dos princípios fundantes dos Irmãos Unidos no Brasil, ocorrida cerca de trinta anos após a ruptura havida em Plymouth, demonstra a força do ideal que muitos grupos ainda hoje almejam viver: unidos como irmãos pela fé em Jesus Cristo. Considera-se que apesar das dificuldades uma maior produção historiográfica acerca de toda a contribuição dos Irmãos Unidos pode indicar novos caminhos, ou corrigir caminhos em uso atualmente, para a superação daquilo que Neibuhr (1992) chamou de o fracasso ético da igreja dividida. 


 Referências 

 BROADBENT, Edmund Hamer. the Pilgrim church. London: Marshall Pickering, 1989. BURNHAM, Jonathan. A Story of Conflict. The Controversial Relationship between Ben jamin Wills Newton and John Nelson Darby. Great Britain: Paternoster, 2006. CONARD, Willian W. o movimento dos irmãos: uma história inconclusa. Vila Velha: Jabesmar Aguiar Guimarães, 2004. FILGUEIRAS, Silas G. os irmãos: notas históricas sobre o grupo evangélico conhecido como os “irmãos”. Petrópolis: Silas G. Filgueiras, 1991. GONZALEZ, Justo L. A era dos novos horizontes. São Paulo: Vida Nova, 2007, vol 9. HERMELINK, Jan. As igrejas no mundo: um estudo das confissões cristãs. São Leopol do: Aste, 1981. KURIAN, George Thomas (Ed). nelson’s new christian Dictionary. Nashville: Thomas Nelson Publisher, 2001. Kindle edition. MC NAIR, Stuart E. Álbum de reminiscências. Teresópolis: Casa Editora Evangélica, 1953. ______. Mais reminiscências. Teresópolis: Casa Editora Evangélica, 1954. MILLER, Andrew. os irmãos (como são chamados). Diadema: Depósito de Literatura Cristã, 2005. 180 “Os Irmãos”, como foram chamados. As origens e os primeiros anos do movimento dos Irmãos Unidos no Brasil: Francisco GencIAnO MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES, Procóro Filho. Introdução ao protestan tismo no brasil. São Paulo: Loyola, 1990. NIEBUHR, H. Richard. As origens sociais das denominações cristãs. São Paulo: Aste, 1992. PETERSON, Robert L. Robert chapman. Apostle of Love. Kindle edition. Littleton: Lewis & Roth Publishers, 1995. SHORT, A. Rendle. o diário de George müller. Trechos selecionados. Ourinhos: Edições Cristãs, 1983. TESTA, Michael Presbyter. Apostle of Madeira, Part II. Journal of Presbyterian History, vol. 42, n. 4, dez/1964, p. 175-271. Submetido em: 20-4-2016 Aceito em: 2-8-2016

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sexta-feira, 24 de maio de 2024

A ORDEM DOS TERAPEUTAS - Parte 6

 

Há ainda muitas páginas a serem viradas e muitas rodas a serem circuladas:

 

Quarta Quaternal

 

Lembro-lhes que, quatro séculos antes de Jesus Cristo, existiam os habitantes da Capadócia, os monges como Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa, Gregório de Nazianzo e Evágrio Pôntico. Havia o monastério, o jardim e a importância da horta. Os primeiros monges eram agricultores, aqueles que cultivavam, mas essa cultura era algo sagrado para eles. Fazer a terra frutificar, produzindo frutos, é a nossa colaboração. Daí a importância do jardim, ao lado da biblioteca.

Na vida monástica, em cada dia há um tempo de estudo. Há o trabalho manual, há o trabalho na terra, mas há também o estudo dos textos sagrados. E ao lado da biblioteca, há a igreja, o local da celebração, do louvor e da contemplação. Essa é uma dimensão do ser humano que não deve ser esquecida.

No final de sua vida Heidegger dizia: pensar e agradecer. Agradecer é a forma mais elevada de pensar. A gratidão é algo importante. Há coisas que compreendemos apenas se, antes, tivermos expressado a elas a nossa gratidão.

Esses anciãos desenvolveram o que chamamos de filocalia.  Há o conhecimento científico, que explica como as coisas funcionam; há o conhecimento filosófico, que se pergunta porque as coisas existem dessa maneira, qual o sentido de tudo isso. É próprio da filosofia questionar aquilo que conhecemos. Mas há também a filocalia, que quer dizer o amor à beleza. Nesse caso, é o conhecimento através da celebração: conhecer é celebrar. E há um conhecimento que adquirimos através da dança, do canto e da gratidão. Essa é a função de todos os rituais sagrados: celebrar a consciência em nós e no universo. Eis o sentido da palavra eucaristia, “efharisto” que, em grego, quer dizer obrigado. Se você já esteve na Grécia, você deve ter ouvido “efharisto poli”, muito obrigado.

Saber cultivar a terra, tentar compreender pelo estudo dos livros e também celebrar, agradecer. No monastério há um outro local importante, o refeitório – onde partilhamos a refeição. Neste espaço partilha-se também a palavra, mas não qualquer tipo de palavra. Não é a fala banal e sem sentido, mas a palavra profunda, onde cada um troca e comunga: a comunicação do essencial.

O Colégio Internacional dos Terapeutas é o herdeiro de todas essas escolas filosóficas, dos terapeutas de Alexandria e também dos habitantes da Capadócia, de todas as tradições que evocamos.

Para nós, o importante – e aqui vamos encontrar as dez orientações – é esse trabalho de anamnese. Lembrar-se da presença do ser no corpo que somos.

No Festival Mundial da Paz nós falamos dos doze corpos que somos, de todos esses elementos que nos constituem, nos quais precisamos introduzir a paz, o relaxamento. Pois esse corpo é também o corpo do universo.

Por isso, a importância da anamnese do corpo que somos e do corpo da terra, do qual participamos. Anamnese é a lembrança do meu sopro, no Sopro que me habita. Lembrar-nos das próprias raízes, dos pés sobre a terra, do sopro sob o céu: encontrar o nosso lugar através do trabalho de anamnese, da lembrança de si.

Outra orientação importante para os terapeutas é a do estudo. Cada dia, dedicar um tempo para estudar; nutrir com cuidado não apenas o corpo, mas também a inteligência. Atualmente o problema não é de falta, mas de um excesso de informação que, por vezes, cria confusão. Não nos falta informação, mas nos falta formação.

No caso dos terapeutas, não se trata apenas de adquirir uma enormidade de saberes, mas saber usar os saberes. Aprender a aprender, como diz Edgar Morin.

Outro aspecto das dez orientações é a importância da antropologia, da nossa visão do ser humano. Porque a partir da nossa visão do ser humano é que vamos considerar algo justo e não justo, normal e anormal. Qual é a nossa imagem do ser humano? Uma imagem do ser humano não dissociada do ambiente e não separada da sua fonte, da sua causa – como diria Aristóteles, do seu princípio.

Nós, terapeutas, também consideramos a importância de cuidar do imaginal. Dos pensamentos que nos habitam, mas também das imagens. Trata-se de cuidar também da nossa liberdade, para nos mantermos livres.

Há outra orientação importante, que chamamos de gratuidade, que vem da mesma raiz da palavra graça. Há algo em nós que não se compra, algo que não se vende, que não pertence ao mundo das trocas, mas que é da ordem do dom gratuito. E os verdadeiros momentos de felicidade que vivenciamos são, com frequência, os momentos de uma dedicação gratuita, de generosidade, quando sentimos a nossa liberdade.

Há também o cuidar do outro, das nossas relações: a importância do reconhecimento. De ver que não nos conhecemos por nós mesmos, mas nos conhecemos também pelo olhar do outro. Quando caminhamos juntos, e os nossos encontros podem nos elevar, nos devolver a quem somos. Então, é necessário desenvolver a ligação entre essas quatro dimensões do ser humano: eu sou a vida, eu sou a consciência, eu sou a liberdade, eu sou capaz de amar. Como cuidar da presença do Ser em nós?


(Extraído do texto de Jean-Yves Leloup: Uma Vasta e Ancestral Herança)

Continua...

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Morte, morrer, pos-morte, uma perspectiva ortodoxa

 

Vida após a morte

Bispo Alexander (Mileant).

Tradução de Elga Drizul / Olga Dandolo



Conteúdo:

1. Introdução

2. O que a alma vê "no outro" mundo

3. Avaliação de relatos contemporâneos sobre a vida após a morte

4. Relatos de suicidas

5. Estudos Ortodoxos a respeito do mundo espiritual

6. A jornada da alma para o céu, "julgamento."

7. Paraíso e inferno

8. Conclusão

Suplemento: crítica sobre o estudo da reencarnação.


1. Introdução

"Eu estava deitado na sala da UTI do hospital infantil de Seattle, Estado de Washington, EUA,

- conta o garoto Dean de 16 anos, cujos rins pararam de funcionar,

- quando, de repente, senti-me em pé, movendo-me com incrível velocidade através de um espaço escuro. Eu não via paredes em minha volta, no entanto, parecia ser algo como um túnel. Não sentia vento, porém, percebia que me deslocava com incrível velocidade. Apesar de não entender o porque e para onde eu estava voando, sentia que no final do meu vôo algo muito importante me esperava e eu queria chegar ao meu destino o mais rápido possível.

Finalmente, eu me via em um lugar repleto de luz brilhante e então percebi que havia alguem perto de mim. Era alguém alto, com longos cabelos dourados; vestia roupa branca amarrada no meio com um cinto. Ele não dizia nada, mas eu não tinha medo pois, uma enorme paz e amor emanavam dele. Se não era Cristo, devia ser um de Seus anjos." Depois disto, Dean sentiu que retornou ao seu corpo e voltou a sí. Estas impressões, tão curtas mas muito marcantes, deixaram uma marca profunda na alma de Dean. Ele tornou-se um jovem muito religioso, o que influenciou positivamente toda a sua família.

Este é um dos relatos típicos, reunidos pelo médico pediatra americano Dr. Melvin Morse e publicados no livro "mais próximo da Luz" (Closer to the Light) [7].

Ele observou o primeiro caso de morte temporária em 1982, quando conseguiu fazer reviver a menina Catarina de 9 anos, que se afogou numa piscina pública. Catarina conta que, durante o tempo em que esteve morta, encontrou-se com uma adorável "senhora" que disse chamar-se Elizabeth, - era provavelmente o seu Anjo da Guarda. Elizabeth acolheu com muito carinho a alma de Catarina e conversou com ela. Ciente de que Catarina ainda não estava pronta para passar para a vida espiritual, Elizabeth permitiu que ela retornasse ao seu corpo. Durante este período de sua carreira médica, o Dr. Morse trabalhava em um hospital da cidadezinha de Pocatelo, no estado de Idaho, EUA.

O relato da menina teve um profundo efeito nele, que até então era céptico em relação a tudo que era espiritual, uma impressão tão forte, que ele resolveu estudar mais profundamente a questão sobre o que acontece com uma pessoa logo após a sua morte. No caso de Catarina, Dr. Morse admirou-se particularmente com a descrição detalhada de tudo que sucedeu na hora em que se encontrava morta clinicamente, - tanto no hospital, como em sua casa - como se ela estivesse alí presente. Dr. Morse verificou e se convenceu da veracidade de todas as observações de Catarina.

Após ter sido transferido para o Hospital Infantil Ortopédico de Seattle, e mais tarde, ao Centro de Medicina de Seatle, Dr. Morse começou a estudar sistematicamente a questão da morte. Ele questionava muitas crianças, as quais tiveram a experiência com a morte clínica; comparava e documentava seus relatos. Além disso, ele continuava a manter contato com seus jovens pacientes e observava o seu desenvolvimento intelectual e espiritual a medida que eles cresciam. No seu livro, "Closer to the Light," Dr. Morse afirma que todas as crianças que ele conheceu, que sobreviveram à morte temporária, ao crescer, tornaram-se jovens sérios e religiosos, moralmente mais puros que outros jovens que não passaram por isto. Todos eles aceitaram suas experiências como manifestação da misericórdia de Deus e como um sinal superior de que é preciso viver para o bem.

Relatos semelhantes sobre a vida após a morte, até há pouco tempo, eram publicados apenas na área da literatura religiosa. As revistas populares e livros científicos, via de regra, evitavam esses temas. Um número enorme de médicos e psiquiatras mantinham uma postura negativa em relação a quaisquer manifestações espirituais e não acreditavam na existência da alma. E há apenas vinte anos, durante o aparente triunfo do materialismo, alguns médicos e psiquiatras se interessaram seriamente sobre a questão da existência da alma. O impulso para este movimento foi o livro do Dr. Raymond Moody "Vida após vida"[1], publicado em 1975. Nesse livro, Dr. Moody coletou uma série de relatos de pessoas que tiveram experiência com a morte clínica. Relatos de alguns conhecidos levaram Dr. Moody a interessar-se pela questão, e quando começou a juntar informações, para seu espanto, descobriu que existem muitas pessoas, as quais, na hora em que tiveram morte clínica, tiveram visões fora de seus corpos. Porém, essas pessoas não contavam a ninguém a esse respeito para não serem ridicularizadas e consideradas pessoas loucas.

Logo após o lançamento do livro do Dr. Moody, a imprensa sensacionalista e a TV divulgaram amplamente os dados coletados por ele. Começaram as discussões acaloradas sobre o tema da vida após a morte e houve até debates públicos. Então, uma série de médicos, psiquiatras e líderes espirituais considerando-se afetados em seu campo de perícia por fontes incompetentes, resolveram conferir os dados e as conclusões do Dr. Moody. Muitos deles ficaram surpresos quando verificaram a veracidade das observações do Dr. Moody, - ou seja, que mesmo após a morte a existência do homem não termina, e sua alma continua a ouvir, pensar e sentir.

Entre as pesquisas sérias e sistemáticas sobre a questão da morte, deve-se mencionar o livro do Dr. Michael Sabom "Lembranças da Morte" (Recollections of Death) [5].O Dr. Sabom é professor de medicina na universidade de Emory e médico no hospital para veteranos na cidade de Atlanta. Em seu livro, podemos encontrar dados precisos e documentados, bem como profundas análises a respeito do assunto em pauta.

Também é valiosa a pesquisa sistemática do psiquiatra Kenneth Ring, publicada no livro "Life at Death" (Vida na Morte) [6]. Dr. Ring montou um questionário para ser respondido pelos sobreviventes à morte clínica. Nomes de outros médicos que se envolveram nessa questão estão citados na parte da bibliografia. Muitos deles começaram suas observações, sendo céticos. Mas, vendo casos novos que confirmavam a existência da alma, mudavam sua perspectiva.

Neste artigo, relataremos alguns casos de pessoas que sobreviveram à morte clínica, compararemos estes dados com os ensinamentos cristãos tradicionais sobre a vida da alma no outro mundo e daremos conclusões comparativas. No suplemento, examinaremos o ensino teosófico sobre a reencarnação.


https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/fe_crista_ortodoxa/vida_apos_a_morte.html


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