Bispo Alexander (Mileant).
Traduzido por Olga Dandolo
Conteúdo: O destino do homem após a morte. A necessidade de rezar pelos falecidos. O consolo cristão para os que estão tristes. A "Panihida" (ofício memorial) em português. Os dias em que se deve rezar pelos falecidos.
"Humilhações" ("toll houses").
O destino do homem após a morte
A morte é o fim inevitável de toda e qualquer vida orgânica na terra, inclusive a humana. Mas do ponto de vista cristão, a morte de uma pessoa não é um fenômeno normal ou necessário. Por exemplo, a morte humana surge como resultado da desobediência dos nossos antepassados. Deus prevenia Adão a respeito dos frutos da árvore do conhecimento do bem e do mal, dizendo: "Não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitàvelmente" (Gen. 2:17). De Adão a morte passou para seus descendentes.
A morte do ser humano, porém, não significa a aniquilação de sua identidade, e sim apenas a destruição de seu corpo físico. As palavras "porque és pó, e em pó hás de tornar," referem-se ao corpo humano. No entanto a alma humana, como carrega dentro de sí a imagem e semelhança do Criador, é eterna: "e a poeira retorna à terra, para se tornar o que era e o sôpro de vida retorna a Deus, Que o deu" (Ecle. 12:7). Após a separação do corpo, a alma continua pensando, sentindo e agindo, porém já no outro mundo, o qual não se assemelha ao nosso mundo material.
Então o que acontece com a alma humana após a separação do corpo? A vida é dada ao ser humano para que ele aprenda a crer, a fazer o bem e desenvolver seus talentos. Isto tudo compõe sua riqueza espiritual, ou, conforme as palavras do Salvador, "tesouro no céu." A morte totaliza a vida do homem, e então sua alma deverá se apresentar diante de Deus para prestar contas e receber recompensas ou punições. Porém este julgamento logo após a morte ainda não é o julgamento final, pois, apenas a alma é julgada, sem o corpo. A respeito da existência deste julgamento preliminar, o Apóstolo Paulo escreveu: "como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo" (Heb. 9:27). Diante do fim do mundo, depois da ressurreição universal dos mortos, haverá o Terrível Julgamento Universal, no qual Deus irá julgar todas as pessoas simultâneamente. Aí então, cada pessoa, já com seu corpo ressuscitado, ou receberá a eterna recompensa ou a eterna punição.
Com relação ao julgamento individual, a Igreja Ortodoxa ensina o seguinte:
"Nós cremos que as almas dos mortos gozam de felicidade plena ou sofrem, de acordo com seus atos. Separando-se dos corpos, elas imediatamente passam ou para a alegria, ou para a tristeza e aflições: no entanto elas não sentem nem felicidade completa, nem completa tortura, pois, a felicidade ou tortura completas, cada um irá receber após a ressurreição geral, quando a alma se juntar ao corpo no qual viveu virtuosamente ou depravadamente. (Epístola dos Patriarcas Orientais sobre a fé ortodoxa, artigo 18).
Assim sendo, existem duas situações após a morte: uma - no paraíso, para as almas virtuosas; outra, para as almas pecadoras - no inferno. (A Igreja Ortodoxa não reconhece os ensinamentos católicos-romanos a respeito estado intermediário, o purgatório. Os pais da Igreja habitualmente atribuem a palavra "gehena" ao estado após o Julgamento Final, quando a morte e o inferno serão lançados no lago de fogo; Apo. 20:14).
Enquanto a pessoa vive, Deus lhe dá a chance de se arrepender e corrigir suas falhas. Após a morte, a possibilidade de arrependimento é removida. Entretanto, se a pessoa morreu sem merecer o paraíso, isto não significa que esteja condenado aos tormentos eternos. Até o Julgamento Final os tormentos dos pecadores no inferno são temporários e podem ser atenuados e até retirados pelas orações dos fiéis e da Igreja (Epístola dos Patriarcas Orientais, art. 18). As orações pelos falecidos sempre lhes trazem benefícios. Caso eles não tenham merecido o paraíso, estas preces aliviam seu destino no além-túmulo, e se eles se encontram no paraíso, estas preces os alegram e iluminam. Iremos explicar agora porque as preces pelos falecidos possuem tamanho poder.
A necessidade de rezar pelos falecidos
Para podermos avaliar o poder das preces pelos falecidos, é necessário entender que a morte interrompe apenas o contato físico entre as pessoas, mas o contato espiritual continua. Este contato é realizado através da oração. O Evangelho nos ensina, que a oração, unida com a fé, tem um grande poder. Nas palavras do Senhor, ela pode mover montanhas. O Senhor Jesus Cristo e Seus Apóstolos ensinavam aos cristãos a rezarem um pelo outro.
Os Evangelhos e outros livros do Novo Testamento contêem numerosos exemplos de como a oração de uns ajudava aos outros. Assim, pela fé do cortesão, o Senhor curou seu filho (Joã. 4:46-53); pela fé da mulher cananéia sua filha foi curada da possessão (Mat. 15:21-28); pela fé do pai seu filho possesso, que era surdo-mudo foi curado (Mar. 9:17-27); pelo pedido dos amigos, o Senhor perdoou e curou o paralítico, o qual eles desceram do teto, preso à cordas (Mar. 2:2-12); e pela fé do centurião romano, seu servo foi curado (Mat. 8:5-13). Outrossim, o Senhor realizava a maioria dessas curas milagrosas à distância, em ausência. O Santo Evangelista João o Teólogo nos convence a nos dirigirmos a Deus com preces, crendo que Deus realizará nosso pedido, dizendo: "A confiança que depositamos Nele é esta: em tudo quanto Lhe pedirmos, se fôr conforme a Sua vontade, Ele nos atenderá" (1 Joã. 5:14).
Tendo o poder da graça, a prece não conhece barreiras e não enfraquece com a distância. Sendo o resultado do amor, ela, como um raio do sol, penetra na alma das pessoas, unindo os que rezam a Deus e uns aos outros. Neste sentido, segue abaixo uma antiga história que ensina uma boa lição. Certa vez São Macarius do Egito, caminhando pelo deserto, encontrou um crânio humano. Quando o Abade Macarius tocou o crânio com um ramo de palma, veio uma voz do crânio! O ancião perguntou: "Quem é você?," e o crânio respondeu: "Eu era um sacerdote pagão e viví neste lugar. Tu, Abade Macarius, tem piedade de nós, que estamos em eternos tormentos e reza por nós, pois a tua oração nos traz conforto." O ancião perguntou: "Em que consiste o conforto das minhas orações?" O crânio respondeu: "Quando tu rezas por nós, surge uma luz e nós começamos a ver uma ao outro."
Deste modo, a prece unifica o nosso mundo com o outro mundo, onde os anjos, os santos e nossos parentes e amigos habitam. Do momento da ressurreição de Cristo a morte perdeu sua fatalidade formal e tornou-se o início de uma nova vida. Agora, conforme ensina o Apóstolo Paulo: "Nem a morte, nem a vida... nem a altura, nem os abismos, poderão nos apartar do amor de Deus... Vivemos para o Senhor; se morrermos, morreremos para o Senhor. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor. Para isso é que morreu Cristo e retornou à vida: para ser o Senhor tanto dos mortos como dos vivos" (Rom. 8:38; Rom. 14:8-9). Por esta razão não é apenas possível, mas sim também necessário rezar tanto pelos vivos como pelos mortos, pois, pela palavra do Salvador, para Deus TODOS ESTÃO VIVOS (Luc. 20:38).
Os cristãos que partiram desta vida, não interrompem sua união com a Igreja à qual pertenceram durante sua vida. Se eles são virtuosos, têem a permissão para rezarem por nós diante do trono de Deus; se são imperfeitos, eles necessitam das nossas preces. O Apóstolo Paulo compara a Igreja a uma montanha alta, a qual em sua base se apoia na terra, e seu pico penetra no céu. "Vós, ao contrário, vos aproximastes da montanha de Sião, da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celestial, das miríades de Anjos, da assembléia dos primeiros inscritos no livro dos céus, e de Deus, Juiz universal e das almas dos justos que chegaram à perfeição, enfim, de Jesus, o Mediador da nova aliança" (Heb. 12:22-24). Em outras palavras, de acordo com os Apóstolos, existe uma relação próxima e viva entre a Igreja terrena e a celeste. A fé nesta unidade e no poder das preces serve como base para a prática que volta aos tempos apostólicos, para manter a ligação com os mortos: para pedir ajuda dirigir-se em preces aos santos mártires e aos Santos de Deus, e também lembrar dos falecidos na Proskomídia e em orações pelo seu repouso eterno.
Continua...